CINCO-MARIAS
Sobre as mães
EUGÊNIA PICKINA
eugeniapickina@gmail.com
Nossos filhos passaram por nós, mas não são nossos. Cecília Meireles
Que tipo de mãe nós somos?
A mãe tem muitas dúvidas, a mãe é falível. Dependendo da situação,
responde com mais vigor ao seu mandato materno – transmissível de geração em
geração – porque compreende fundamental ajudar a criança a crescer segura e
protegida.
Nada melhor que o contraste?
Há mães bravas, por exemplo. Lá no interior do Rio Grande do Sul, nem
faz tempo, a dona Ernestina faz pão que cresce no forno, avisando as sobrinhas
mais novas que chá de funcho combate cólica de bebê.
Há mães pacientes, por exemplo. Em muitas cidadezinhas do Centro-Oeste
do Brasil, a porta da rua (ainda) fica aberta. É só ir entrando. Acaba
encontrando a dona Lúcia costurando ou fazendo almoço, coisa quente. O bebê no
carrinho está adormecido, enternecido pelo ambiente modesto e tranquilo.
Há mães provedoras do lar. Em Campinas, no estado de São Paulo, a Elisa
deixa a filha de quatro anos bem cedo na creche e corre para dar aula de
História no ensino médio. Vai para o trabalho com o coração apertado, pois sabe
que a filha precisa de atenção e afeto para crescer confiante e saudável.
Mães distintas, nunca iguais. Mas, no geral, as mães suficientemente
boas têm igualmente a compreensão sobre a grande responsabilidade que
norteia a maternidade: tornar o filho independente (inclusive da própria mãe)
e, com isso, a pessoa empreender por si mesma escolhas e vocação, aprendendo
também com o mundo, essa fecunda escola que nos manda amar o bem, maldizer o
mal, para conviver com os demais – seres humanos e natureza – com respeito e
alegria.
Fala-se hoje no fracasso da educação brasileira, os adolescentes mal
sabem ler, emperram nos cálculos. O fracasso da educação diz respeito também a
um fracasso doméstico: com a emancipação da mulher, a maternagem ficou
prejudicada. Não apenas pela ausência física, a abolição da cozinha, mas também
pela má administração dessa particular e transitória situação de ser mãe de
filhos na primeira infância. Urge então refletir sobre a maternidade e a
importância de dar carinho, amamentar, estar presente, fortalecer o vínculo,
porque ter um filho é uma responsabilidade muito grande.
Quando eu era menina o dia das mães se resumia a um cartão com formato
de coração, um beijo e um abraço. Às vezes eu inventava no caderno um poema
curto ou, no jardim de casa, cantava músicas sem fim, no coração uma só frase
alastrante: “senhora, eu vos amo tanto”.
A julgar pela mãe que somos, também a mãe que tivemos.
Cuidar e educar os filhos enquanto são dependentes, segundo as
frequentes demandas que integram a infância, sinceramente é coisa indefinível
que mistura amor, dever e felicidade – e é aqui que o tipo de mãe se revela...
Notinhas
Quando o pediatra e psicanalista D. W. Winnicott concebeu a ideia
de mãe suficientemente boa, partiu de uma estruturação familiar em
torno do modelo nuclear – pai, mãe e filhos, na Inglaterra em meados do século
XX. A mãe winnicottiana pode dedicar-se à tarefa materna
porque está suficientemente protegida pelo suporte familiar e social.
A colaboração ativa do marido alivia, por exemplo, a realidade do filho que
chega. Assim, no caso de mães brasileiras constantemente perturbadas pela dura
realidade da pobreza, desigualdade, desamparo, a mãe suficientemente
boa ganha, sem dúvida, novas texturas em razão também do entorno vulnerável
da maternagem.
Cf. D. W. Winnicott (original publicado em 1956). Textos
Selecionados: da Pediatria à Psicanálise: Obras escolhidas. RJ: Imago,
2000.
*
Esta seção, cuja estreia neste blog ocorreu no dia 6 de janeiro deste
ano, traz sempre textos dedicados à infância, seus cuidados, sua educação. O
título – Cinco-marias – é uma alusão a um conhecido brinquedo
que integra um conjunto de brincadeiras e
atividades lúdicas conceituadas como Patrimônio Cultural da Humanidade.
Eugênia Pickina é educadora ambiental e terapeuta
floral e membro da Asociación Terapia Floral Integrativa (ATFI), situada em
Madri, Espanha. Escritora, tem livros infantis publicados pelo Instituto
Plantarum, colaborando com o despertar da consciência ambiental junto ao Jardim
Botânico Plantarum (Nova Odessa-SP).
Especialista em Filosofia (UEL-PR) e mestre em
Direito Político e Econômico (Mackenzie-SP), está concluindo em São Paulo a
formação em Psicanálise.
Ministra cursos e palestras sobre educação ambiental
em empresas e escolas no estado de São Paulo e no Paraná, onde vive.
Seu contato no Instagram é @eugeniapickina
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