segunda-feira, 9 de outubro de 2023

  



 Apontamentos do ancião

 

Irmão X 

 

Em face dos aborrecimentos que lhe fustigavam o espírito, ante a opinião pública a desvairar-se em torno de sua memória, humilde “jornalista morto” ouviu sereno ancião, que lhe falou com sabedoria:

Quando Jesus transformou a água em vinho, nas bodas de Caná, os maledicentes cochicharam, em derredor:

— Que é isto? um messias, incentivando a embriaguez?

Mais tarde, em se reunindo aos pescadores da Galileia, a turba anotou, inconsciente:

— É um vagabundo em busca de pessoas tão desclassificadas quanto ele mesmo. Por que não procura os principais?

Logo às primeiras pregações, a chusma dos ignorantes, ao invés de reconhecer os benefícios da Palavra Divina, comentou, irreverente:

— É insubmisso. Vive sem horários, sem disciplinas de serviço.

À vista da multiplicação dos pães e dos peixes, a massa não se comoveu quanto seria de esperar. Muita gente perguntou, franzindo sobrancelhas:

— Como? um orientador sustentando ociosos?

Limpando as feridas de alguns lázaros que o buscavam, afirmou-se, em surdina:

— Vale-se da insensatez dos tolos para impressionar!

E quando o viram curar um paralítico, no sábado, consideraram os inimigos gratuitos:

— Agride publicamente a Lei.

Por aceitar a consideração afetuosa de Maria de Magdala, murmuraram os maledicentes:

— É desordeiro comum. Não consegue nem mesmo afivelar a máscara ao próprio rosto, dando-se à companhia de vil criatura, portadora de sete demônios.

Ao valer-se da contribuição de nobres senhoras, qual Joana de Cusa, no desdobramento do apostolado, soavam exclamações como estas:

— É um explorador de mulheres piedosas! Vive do dinheiro dos ricos, embora passe por virtuoso!

Porque se demorasse alguns minutos, junto de publicanos pecadores, a fim de ensinar-lhes a ciência de renovação íntima, acusavam-no, sem compaixão:

— É um gozador da vida como os outros!

Se buscava paisagens silenciosas para o reconforto na oração, gritava-se com desrespeito:

— Este é um salvador solitário, orgulhoso demais para ombrear com o povo.

Como se aproximasse da samaritana, com o propósito de socorrer-lhe a alma, indagou-se com malícia:

— Que faz ele em companhia de mulher que já pertenceu a vários maridos?

Atendendo às súplicas de um centurião cheio de fé, a leviandade intrigou:

— É um adulador de romanos desbriados.

Visitando Zaqueu, escutou apontamentos irônicos:

— É um pregador do Céu que se garante com os poderosos senhores da Terra…

Abraçando o cego de Jericó, registrou a inquirição que se fazia ao redor de seus passos:

— Que motivos o prendem a tanta gente imunda?

Penetrando Jerusalém, no dia festivo, e impossibilitado de impedir o regozijo de quantos confiavam em seu ministério, afrontou sentenças sarcásticas:

— Fora com o revolucionário! Morte ao falso profeta!…

Censurando o baixo comercialismo do grande Templo de Salomão, dele disseram abertamente:

— É criminoso perseguidor de Moisés.

Levantando Lázaro no sepulcro, gritavam não longe:

— É Satanás em pessoa!…

Reunindo os companheiros na última ceia, para as despedidas, e lavando-lhes os pés, observaram nas vizinhanças do cenáculo: 

— É pobre demente.

Ao se deixar prender sem resistência, objetou a multidão:

— É covarde! comprometeu a muitos e foge sem reação!

Recebendo o madeiro, berraram-lhe aos ouvidos:

— Desertor! pagarás teus crimes!

No martírio supremo, era apostrofado sem comiseração:

— Feiticeiro! de onde virão teus defensores?

Torturado, em plena agonia, ouviu de bocas inúmeras:

— Salva a ti mesmo e desce da cruz!

E antes que o cadáver viesse para os braços maternos, trêmulos de angústia, muita gente regressou do Gólgota, murmurando:

— Teve o fim que merecia, entre ladrões.

O velhinho fez intervalo expressivo e ajuntou:

— Como sabe, isto aconteceu com Jesus-Cristo, o Divino Governador Espiritual do Planeta.

Sorriu, afável, e rematou:

— Endividados como somos, que devemos aguardar, por nossa vez, das multidões da Terra?

Foi, então, que vi o pobre escritor desencarnado exibir uma careta de alegria, que se degenerou em cristalina e saborosa gargalhada…

 

Do livro Luz acima, obra mediúnica psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.

 

 

 

 

 

 

 

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