Revista Espírita de 1869
Allan Kardec
Parte 6
Damos sequência ao estudo metódico e sequencial da Revista Espírita do ano de 1869, periódico editado e dirigido por Allan Kardec. O estudo é baseado na tradução feita por Júlio Abreu Filho publicada pela EDICEL.
A coleção do ano de 1869 pertence a uma série iniciada em
janeiro de 1858 por Allan Kardec, que a dirigiu até 31 de março de 1869, quando
desencarnou.
Cada parte do estudo, que é apresentado às
quartas-feiras, compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final
do texto abaixo.
Questões
preliminares
A. Que diferença havia, segundo Kardec, entre o
Espiritismo europeu e o americano?
B. A propósito da causa dos fenômenos espíritas, quais
foram as hipóteses emitidas ao longo dos anos em todo o mundo?
C. Que fato se deu com padre que andou fazendo curas na
região dos Hautes-Alpes?
Texto para leitura
52. A música e as harmonias celestes são o tema de duas
comunicações transmitidas por Rossini em reuniões realizadas em janeiro de 1869
em Paris, das quais extraímos resumidamente os conceitos que se seguem: I –
Para ser músico não basta alinhar notas sobre um pentagrama; assim só se
consegue produzir ruídos agradáveis. Para dar alma à música, para fazê-la
chorar, rir, uivar, é preciso que ele próprio tenha experimentado esses
diferentes sentimentos, dores, alegria, cólera. II – A harmonia é difícil de
definir e muitas vezes a confundem com a música, com os sons resultantes de um
arranjo de notas e das vibrações dos instrumentos. Mas a harmonia não é isto,
como a chama não é a luz. III – A chama resulta da combinação de dois gases e é
tangível. A luz que ela projeta é um efeito dessa combinação e é intangível,
mas o efeito é superior à causa. IV – Dá-se o mesmo com a harmonia, que resulta
de um arranjo musical e é um feito igualmente superior à causa. V – Pode-se
conceber a luz sem a chama e a harmonia sem a música. A harmonia é um sentido
íntimo da alma e é percebida em razão do desenvolvimento desse sentido. VI –
Fora do mundo material, a luz e a harmonia são de essência divina. A harmonia
do espaço é tão complexa e tem tantos graus, que muitos me são ocultos. VII – O
Espírito produz efeitos musicais agindo sobre o éter e obtém os sons que
deseja. VIII – A harmonia, a ciência e a virtude são as três grandes concepções
do Espírito. A primeira o deslumbra, a segunda o esclarece, a terceira o eleva.
IX – A harmonia é, contudo, tão indefinível quanto a felicidade, o medo, a
cólera: é um sentimento, que não se compreende senão quando se possui, e não se
possui senão quando se adquiriu. X – A música, que é a causa secundária da
harmonia percebida, penetra e transporta alguns, enquanto deixa outros frios e
indiferentes. XI – Evidentemente, o homem que goza as delícias da harmonia é
mais elevado, mais depurado que aquele que ela não consegue penetrar. Sua alma
está mais apta para sentir, desprende-se mais facilmente da matéria e a
harmonia a ajuda a desprender-se, de onde se conclui que a música é
essencialmente moralizadora, desde que leva a harmonia às almas e a harmonia as
eleva e engrandece. XII – A influência da música sobre a alma e sobre o seu
progresso é reconhecida por todo o mundo. A razão dessa influência é que é
ignorada: a harmonia coloca a alma sob o poder um sentimento que a
desmaterializa. XIII – Se a música exerce uma influência benéfica sobre a alma,
a alma que a concebe exerce igualmente influência sobre a música. É assim que a
alma virtuosa, imbuída do sentimento do bem, do belo, do grande, e que adquiriu
harmonia, produzirá obras-primas capazes de penetrar as almas mais encouraçadas
e comovê-las. XIV – Se o compositor estiver terra-a-terra, como expressará a
virtude que desdenha, o belo que ignora e a grandeza que não compreende? Suas
composições serão o reflexo de seus gostos sensuais, de sua leviandade, de sua
despreocupação. XV – Moralizando as criaturas, o Espiritismo exercerá então uma
grande influência sobre a música, produzindo mais compositores virtuosos que
comunicarão suas virtudes às suas composições e aos que as ouvirem. XVI – O Espiritismo
terá, ninguém duvide, grande influência sobre a música futura. Seu advento
mudará a arte, depurando-a. Como sua fonte é divina, tornar-se-á o ideal e o
objetivo dos artistas, que lhe pedirão suas inspirações. (Págs. 84 a 90)
53. Mensagem assinada pelo Espírito de Halévy e dada em
Paris no dia 16-2-1869 encerra o número de março. Examinando o tema: A
mediunidade e a inspiração, diz o comunicante: I – A mediunidade abarca a
humanidade inteira, como um feixe ao qual ninguém pode escapar. II – Não há um
só homem que possa dizer: Não fui, não sou ou não serei médium. III – Sob a
forma intuitiva, cada um está em relação com várias influências espirituais,
que podem ser boas ou más. IV – Quando o homem faz mais do que ocupar-se de
pequenos detalhes de sua existência e quando se trata de trabalhos que veio
realizar mais especialmente, de provas decisivas que deva suportar, ou de obras
destinadas à instrução e elevação gerais, a intuição – também chamada de voz da
consciência – não se limita aos conselhos, mas atrai o Espírito para certos
assuntos, provoca certos estudos e colabora na obra, fazendo ressoar certos
compartimentos cerebrais pela inspiração. V – A obra será, pois, coletiva,
embora só um deva assiná-la. Mas que importa isso? A obra jamais é uma criação;
é sempre uma descoberta. Por muito tempo o músico ouviu a cotovia e o rouxinol
antes de inventar a música. VI – Sob este ponto de vista, é-se médium de todos,
é-se médium da natureza, médium da verdade, e por vezes médium muito
imperfeito, porque ela aparece de tal modo desfigurada pela tradução, que se
torna irreconhecível. (Págs. 91 e 92)
54. Um aviso muito importante abre o número de abril de
1869: a partir de 1o de abril o escritório da Revista Spirite seria o mesmo da
Livraria Espírita, na rua de Lille, no 7, onde seriam realizadas também as
sessões da Sociedade Espírita de Paris O domicílio pessoal de Kardec ficaria, a
partir da mesma data, na Avenue et Villa Ségur, no 39, atrás dos Inválidos.
(N.R.: Como já vimos, o número de abril foi escrito antes da desencarnação de
Kardec, ocorrida a 31-3-1869.) (Pág. 95)
55. A criação da Livraria Espírita é noticiada em
seguida. Diz Kardec que o interesse cada vez maior que as ideias espíritas
tinham despertado indicou a necessidade de uma casa especial para a
concentração dos documentos concernentes ao Espiritismo. Fora das obras
fundamentais da doutrina espírita havia um grande número de livros, antigos e
modernos, úteis ao complemento desses estudos e que eram ignorados do grande
público. Foi visando preencher essa lacuna que se fundou a Livraria Espírita,
uma empresa de caráter não comercial, criada por uma sociedade de espíritas que
renunciavam, pelo contrato que os liga, a toda especulação pessoal. Os lucros
auferidos pela Livraria pertenceriam à Caixa Geral do Espiritismo. (Págs. 95 e
96)
56. A Revista reproduz do jornal Salut, de Nova
Orléans, Estados Unidos, a declaração de princípios aprovada na 5a Convenção
Nacional ou Assembleia dos delegados dos espíritas das diversas cidades dos
Estados Unidos. A declaração é composta de 19 itens, dos quais destacamos, de
forma resumida, os seguintes: I – O homem tem uma natureza espiritual e uma
natureza corporal; ele é, na verdade, um Espírito revestido de uma forma
orgânica. II – O Espírito é imortal. III – Há um mundo ou estado espiritual,
com suas realidades objetivas e subjetivas. IV – A morte não transforma a
constituição mental ou o caráter moral de nenhuma pessoa. V – A felicidade,
tanto no estado espiritual quanto neste, depende do caráter, das aspirações e
do grau de harmonia do indivíduo com a lei divina. VI – O crescimento, o
desenvolvimento e a progressão são o destino infinito do espírito humano. VII –
O mundo espiritual não está afastado de nós, mas nos rodeia; por conseguinte
estamos constantemente sob a vigilância dos seres espirituais. VIII – Há no
estado espiritual todos os graus de caracteres, desde o mais baixo ao mais
elevado de desenvolvimento intelectual e moral. IX – Cada indivíduo gravita em
seu próprio lugar, por uma lei natural de afinidade; o céu e o inferno, a
felicidade e a infelicidade dependem antes dos sentimentos íntimos que das
circunstâncias exteriores. X – As comunicações recebidas dos Espíritos não são
necessariamente verdades infalíveis. XI – Todos os seres angélicos ou demoníacos
que se manifestaram nos negócios dos homens, no passado, eram simples Espíritos
humanos desencarnados, em diversos graus de progressão. XII – Os chamados
milagres dos tempos passados, a cura das moléstias pela imposição das mãos, a
ressurreição dos que estavam aparentemente mortos etc. foram produzidos em
harmonia com as leis universais e podem repetir-se em todos os tempos. (Págs.
96 a 99)
57. Kardec, para tornar mais fácil a análise dos
princípios que compõem a declaração aprovada pelos espíritas americanos,
repassou, um a um, ditos princípios comparando-os com os ensinamentos contidos
em O Livro dos Espíritos e no cap. II de O que é o Espiritismo. Em seguida,
observou que as diferenças havidas entre o Espiritismo europeu e o americano
resumiam-se a questões de palavras, verificando-se concordância sobre os pontos
fundamentais. (Págs. 99 a 103)
58. A única diferença entre as duas escolas limitava-se à
questão da pluralidade das existências, admitida também pelos americanos, porém
em mundos cada vez mais adiantados, enquanto o Espiritismo europeu admite a
pluralidade de existências na Terra, até que o Espírito tenha aqui atingido o
grau de adiantamento que comporta este globo, após o que o deixa por outros
mundos. O princípio da reencarnação na Terra não era, contudo, peculiar ao
Espiritismo europeu. Constituía um ponto fundamental da doutrina druídica e foi
proclamado antes do Espiritismo por filósofos ilustres, como Dupont de Nemours,
Charles Fourier, Jean Reynaud, Benjamin Franklin e tantos outros. As causas que
se opuseram à introdução dessa lei no Espiritismo americano já foram explicadas
anteriormente. Faltou aos Estados Unidos um centro de ação para coordenar os
princípios. É por isso que não existe ali, a bem dizer, um corpo metódico de
doutrina, ao contrário do que se verificou no movimento espírita europeu,
sobretudo na França. (Págs. 103 a 105)
59. As conferências proferidas pelo sr. Chevillard sobre
o Espiritismo foram objeto de um artigo do sr. Pagès de Noyez, publicado no
jornal Paris de 7/3/1869. Comentando o fato, Kardec diz que já havia
dado sua apreciação sobre o assunto no número de março e que seria supérfluo
refutar uma teoria que nada tinha de novo. Entre os que admitem a realidade dos
fenômenos – que é o caso do sr. Chevillard – quatro hipóteses foram emitidas ao
longo dos anos a respeito de sua causa: 1ª. A ação exclusiva do fluido nervoso,
magnético, elétrico ou qualquer outro. 2ª. O reflexo do pensamento dos médiuns
e dos assistentes. 3ª. A intervenção dos demônios. 4ª. A intervenção dos
Espíritos humanos, desprendidos do corpo físico, sobre o mundo corporal. Todas
essas hipóteses já haviam sido amplamente discutidas. Os que não aceitam a 4a.
hipótese, que é a hipótese pregada pelo Espiritismo, têm todo o direito de
manifestar-se, cientes de que, desses diversos sistemas, o defendido pelo
Espiritismo é o que encontrou maior número de simpatizantes e é o único
admitido pela imensa maioria dos observadores em todos os países do mundo.
(Págs. 105 a 108)
60. Um taumaturgo que passara sua última existência a
brincar de pessoa santa, em meio aos prodígios que realizava, quis nascer, como
menino, em condições excepcionais para atrair o respeito e a veneração das
pessoas. Essa é a explicação dada na Sociedade de Paris pelo dr. Morel Lavallée
(Espírito) a respeito da “criança elétrica”, o bebê nascido na aldeia de
Saint-Urbain, nos limites do Loire e do Ardèche, que apresentava desde o
primeiro dia fenômenos muito curiosos e inusitados. Por vezes seu berço parecia
encher-se de uma claridade esbranquiçada; não se podia tocá-lo sem sentir uma
viva reação; de suas extremidades se escapavam, por momentos, eflúvios
brilhantes que o tornavam luminoso; quando, em certos dias, se aproximava dele
algum objeto, este era tomado de um frêmito e de uma vibração sutil, que nada
podia explicar. Dr. Morel disse, no entanto, que o fenômeno em si mesmo teria
pouca duração e quem quisesse estudá-lo deveria apressar-se. (Págs. 109 a 111)
61. Um dos assinantes da Revista residente no
departamento dos Hautes-Alpes enviou a Kardec interessante relato sobre as
curas que um padre andava fazendo naquela região. O fato tivera grande
repercussão, mas, por punição, o pároco fora enviado para La Chalpe, comuna
vizinha de Abriès, na fronteira do Piemonte, onde, contudo, continuava a curar,
sem nada receber por seu trabalho.
(Págs. 111 e 112)
Respostas às
questões propostas
A. Que diferença havia, segundo Kardec, entre o
Espiritismo europeu e o americano?
Segundo ele, as diferenças que existiam entre o
Espiritismo europeu e o americano resumiam-se a questões de palavras,
verificando-se concordância sobre os pontos fundamentais. A única divergência
real entre as duas escolas limitava-se à questão da pluralidade das
existências, admitida também pelos americanos, porém em mundos cada vez mais
adiantados, enquanto o Espiritismo europeu admitia a pluralidade de existências
na Terra, até que o Espírito tenha aqui atingido o grau de adiantamento que comporta
este globo. O princípio da reencarnação na Terra não era, contudo, peculiar ao
Espiritismo europeu. Constituía um ponto fundamental da doutrina druídica e foi
proclamado antes do Espiritismo por filósofos ilustres, como Dupont de Nemours,
Charles Fourier, Jean Reynaud, Benjamin Franklin e tantos outros. As causas que
se opuseram à introdução dessa lei no Espiritismo americano já foram explicadas
anteriormente. (Revista Espírita de 1869, pp. 99 a 105.)
Entre os que
admitem a realidade dos fenômenos quatro hipóteses foram emitidas ao longo dos
anos a respeito de sua causa: 1ª. A ação exclusiva do fluido nervoso,
magnético, elétrico ou qualquer outro. 2ª. O reflexo do pensamento dos médiuns
e dos assistentes. 3ª. A intervenção dos demônios. 4ª. A intervenção dos
Espíritos humanos, desprendidos do corpo físico, sobre o mundo corporal. O sistema defendido pelo Espiritismo foi, porém, segundo
Kardec, o que encontrou maior número de simpatizantes e o único admitido pela
imensa maioria dos observadores em todos os países do mundo. (Obra citada, pp.
105 a 108.)
C. Que fato se deu com padre que andou fazendo curas na
região dos Hautes-Alpes?
Um dos assinantes da Revista residente no departamento
dos Hautes-Alpes disse que as curas feitas pelo padre tiveram grande
repercussão naquela região, mas, por punição, o pároco fora enviado para La
Chalpe, comuna vizinha de Abriès, na fronteira do Piemonte, onde, contudo,
continuava a curar, sem nada receber por seu trabalho. (Obra citada, pp. 111 e
112.)
Observação:
Para acessar a parte 5 deste estudo,
publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2025/06/revista-espirita-de-1869-allan-kardec_0261992316.html
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