sábado, 27 de agosto de 2016

Contos e crônicas



Não somente o trabalho... O amor move o mundo

JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

No meu tempo, após os 50 anos, já se era considerado velho. E não havia essa história de idoso, não. Era-se velho mesmo e ponto final. Afinal, estávamos no século XIX.
Pois bem, um dia, mais exatamente naquele último sábado, 1º de abril de 1893, do alto dos meus quase 54 anos, fui convidado por Mário de Alencar a participar de um baile comemorativo do seu casamento no Club Beethoven. Naturalmente, em nome de nossa velha amizade, e do meu gosto por um baile, ali compareci, acompanhado de Carolina.
Estávamos rodeados de grandes amigos, além do Mário e esposa: Rui Barbosa, Sílvio Dinart (Visconde de Taunay), Belmiro Braga, Salvador de Mendonça, Joaquim Nabuco e... no salão do baile, entre outras formosas mulheres, uma linda sobrinha de Carola, no auge de suas dezoito primaveras. Enquanto, na sala ao lado, Carolina conversava com as ilustres damas, esposas de nossos amigos, vi sua sobrinha acenar-me para segui-la à sala de dança. Ali entrando, convidei-a para bailar, mais como troça, em vista de nossa grande diferença de idade. Para minha surpresa, ela não somente aceitou o convite, como também me pediu outro beijo, quando lhe pespeguei um respeitoso ósculo na linda bochecha.
Sim, leitor, para meu espanto, Corina, como se chamava a jovem, sussurrou-me ao ouvido estas doces palavras: — Outro beijo, querido, quero outro beijo.
Naquele instante, o mundo girou 360º à nossa volta e, sem me importar com mais nada, atendi seu pedido com todo o meu afeto que, a bem da verdade, já remontava a alguns anos.
Dançamos. E enquanto bailávamos, ela perguntou-me, cheia de emoção:
— Você me ama muito, muito mesmo?
Naquele instante, suas palavras de dois anos atrás vieram-me à memória, quando lhe perguntei se me amava:
— Amo-o muito e muito mesmo.
Não é preciso lhe dizer, leitora curiosa e maldosa, que minha resposta, agora, não foi outra:
— Amo-a muito e muito mesmo.
É impressionante como o amor faz-nos repetir sempre as mesmas palavras, enquanto o coração canta sinfonias divinas.
Depois dessa confissão, Corina se afastou. Talvez para não a notarem e fazerem mau juízo de nós. Talvez... não, amiga, não posso crer que ela fosse leviana, mesmo em se tratando de um amor a alguém tão maduro, enquanto ela reverdecia e se abria em flor.
Cerca de uma hora após, Carolina chamou-me para retornarmos a casa, pois estava com forte dor de cabeça. Coisa da maturidade, amiga, reforçada pelas longas leituras, à luz do lampião, que a amada esposa fazia para mim, também já com as vistas cansadas pelo ofício das letras.
Três dias após o baile, levei a esposa querida a uma loja, na rua do Ouvidor, para renovar-lhe o figurino com as roupas da última moda francesa. Ali, fomos atendidos por gentil e bela jovem que, certamente, ainda não ouvira notícias sobre mim. As comunicações, nessa época, não possuíam a celeridade da TV e da internet atuais. A saia e blusa compradas por Carolina precisavam de pequenos ajustes, desse modo, ficamos de retornar à loja meia hora depois.
Regressei à casa comercial só, a pedido da esposa, que desejava ver umas bolsas francesas em outra loja. No meu retorno ao estabelecimento comercial, ao adentrar o recinto, a jovem vendedora reconheceu-me imediatamente e atendeu-me com um belo e brejeiro sorriso. Recebi a encomenda e, de saída, ouvi-a dizer baixinho a um colega, ao tempo que apontava seu lindo dedinho em minha direção:
— Lindão!
Foi o bastante para que o amor juvenil recrudescesse em minha alma de velho, mas não velha alma. Porém não era ela o troféu cobiçado...
O olhar da vendedora fez-me acreditar no amor de Corina.
Ao chegar a casa, enquanto Carolina descansava de sua nova cefaleia em nosso tálamo, dei vazão aos meus devaneios e reescrevi os últimos oito “Versos a Corina”:

Corina, ao teu poeta, esta doce ilusão
Que acalenta e rejuvenesce o coração
É como o céu sem nuvem, suave, tranquilo,
Que em toda a sua glória e paz há de atraí-lo.
E nada mais no mundo é como teus prazeres,
Pois tu só, puro amor, acima de outros seres,
Fazes-me despertar dos sonhos como a flor
Mais bela do jardim edênico do amor.

Nunca deixes de amar, leitor e leitora, pois, assim como o trabalho, o amor “move o mundo”.


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Um comentário:

  1. Esta, até Machado assinaria embaixo. Obrigado, amigo Astolfo, por publicar nossos devaneios literários.

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