Outubro: nasce uma estrela de primeira grandeza – II
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
“O Espiritismo foi a obra de minha vida.” – Allan Kardec (Revista Espírita, jul. 1865)
26 anos antes de ter ouvido seu amigo Fortier falar-lhe
das “mesas falantes”, o jovem Rivail, então com 24 anos de idade, escreveu numa
de suas obras pedagógicas: “Aquele que houver estudado as ciências rirá, então,
da credulidade supersticiosa dos ignorantes. Não mais crerá em espectros e
fantasmas. Não mais aceitará fogos-fátuos
por Espíritos”.[1]
O moço sobrepunha ao misticismo o espírito prático e
racional da ciência e da filosofia positivista. Por isso, nada julgava sem
antes observar e experimentar, como confirmaria em O que é o Espiritismo,
cap. I, it. Oposição da ciência, editado dois anos após a publicação d’O
Livro dos Espíritos, ou seja, em 1859. Questionado, agora,
sobre em que se firmava sua crença na existência de Espíritos e sua comunicação
com os “vivos”, responderia o Codificador do Espiritismo:
Essa crença se apoia sobre o raciocínio e sobre os fatos.
Eu próprio não a adotei senão depois de meticuloso exame. Tendo adquirido, no
estudo das ciências exatas, o hábito das coisas positivas, sondei, perscrutei
essa nova ciência nos seus mais íntimos refolhos; busquei a explicação de tudo,
porque só aceito uma ideia quando lhe conheço o como e o porquê.[2]
Assim como Kardec, toda pessoa de bom senso sabe que
“contra fatos não existem argumentos”. É muito importante continuar a leitura
dessa informação do Codificador, que se estende por três páginas da obra
citada. Ela mostra-nos a diferença entre o método de pesquisa científica,
baseado fundamentalmente nas comprovações laboratoriais, e o sistema adotado
por Allan Kardec, mas ainda com base na filosofia de Auguste Comte, de quem
adaptou o método de observação e experimentação aos fatos mediúnicos. Desse
modo, criou a ciência espírita, após ter sido convidado a participar das
reuniões mediúnicas na casa da família Plainemaison, em maio de 1855. Nada mais
natural, pois agora eram os Espíritos, ou seja, inteligências providas de
livre-arbítrio, que se manifestariam de modo diverso ao da ciência física e
matemática newtoniana.
Na divulgação das manifestações dos Espíritos, Rivail
adotou o pseudônimo Allan Kardec, para não ser confundido com seu nome de
batismo, que já se destacara como educador, escritor e pedagogo francês. A
estrela nascida em Lyon, em 3 de outubro de 1804 refulge, pois, com novo nome. Desde
então, o brilho inconteste de Rivail seria eclipsado pelo de Allan Kardec, que dedicaria
todo o restante de sua existência de abnegação e devotamento ao próximo para legar
ao mundo a Terceira Revelação Divina, sob a inspiração, proteção e supervisão
de Jesus Cristo e seus emissários.
Das observações atentas e experiências realizadas com
diversos médiuns, na casa da Sra. Plainemaison, Kardec passaria a outra casa. A
da família Baudin, que se somando a outros médiuns, como as jovens Japhet e Ermance
Dufaux, também participariam ativamente dos trabalhos de intercâmbio mediúnico
codificados pelo missionário do Cristo.
Segundo Abreu[3],
Ermance de la Jonchére Dufaux, que aos doze anos já manifestara dons
mediúnicos, participou da “elaboração da segunda edição d’O Livro dos
Espíritos, que teve ampliadas as 501 questões da primeira edição para 1.019 questões. Kardec recebeu “grande incentivo” do guia
espiritual de Dufaux para a edição da Revista Espírita. Esse periódico
foi editado por Kardec de 1858 a 1869, ou seja, até o final de sua vida.
No dia 30 de abril de 1856, na casa do Sr. Roustan, a
jovem Japhet já havia transmitido a Rivail sua missão, por intermédio do
Espírito de Verdade, que o alertara para ser discreto e acrescentou: “Tomarás
mais tarde conhecimento de coisas que te explicarão o que ora te surpreende”.[4]
Humildemente, o Codificador da Doutrina Espírita aceita a missão, submetendo-se
à vontade do Senhor, mas pedindo-lhe “forças físicas e morais” para a
gigantesca tarefa.
Confirmava-se, a partir de então, o brilho dessa estrela
de primeira grandeza. Durante quase quatorze anos,
embora trabalhando exaustivamente naquela que seria, em suas palavras, a obra
de sua vida, todo o monumento da Doutrina Espírita Allan Kardec atribuiu
exclusivamente aos Espíritos.
Sabemos, entretanto,
que, guiado principalmente pelas
orientações do Cristo, Kardec submetia todas as revelações dos Espíritos ao que
ele chamou de “consenso universal”.
Só admitia uma informação como verdadeira após esta ser
confirmada por outras, recebidas em diversos lugares e por médiuns diferentes.
Foi assim que nos deixou a imortal obra do chamado “pentateuco kardequiano”[5] e
o não menos importante trabalho da Revista Espírita, que lhe serviu como
uma espécie de laboratório experimental, além de outras obras valiosas.
Suas obras viriam a ser complementadas, desde então, pela
produção de excelentes médiuns, surgidos em vários países, com ênfase no Brasil.
Também devotados e abnegados escritores e expositores, assim como seus guias
espirituais e demais Espíritos colaboradores da obra de Jesus, dão
prosseguimento ao trabalho do Codificador e esparzem sobre a humanidade as
luzes compartilhadas pelo humilde e sábio lionês, fiel servidor do Consolador,
o Espírito de Verdade, que veio para permanecer conosco para sempre. Seu servo
leal, estrela de primeira grandeza, será para sempre conhecido como Allan
Kardec.
[1] WANTUIL, Zêus (org.); Thiesen, Francisco. Allan
Kardec: o educador e o codificador. 4. ed. Brasília: FEB, 2019, p. 214.
[2] KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Tradução de
Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2009, p.
51.
[3] ABREU, Canuto. O Livro dos Espíritos e sua Tradição
Histórica e Lendária. São Paulo: Lar
da Família Universal, 1992, p. 88.
[4] WANTUIL, Zêus (org.); Thiesen, Francisco. Allan
Kardec: o educador e o codificador. 4. ed. Brasília: FEB, 2019, p. 218.
[5] 1. O Livro dos
Espíritos; 2. O Livro dos Médiuns;
3. O Evangelho Segundo o Espiritismo;
4. O Céu e o Inferno e 5. A Gênese.
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