sexta-feira, 18 de outubro de 2019




A morte e os seus mistérios

Ernesto Bozzano

Parte 3

Damos sequência ao estudo do clássico A morte e os seus mistérios, de Ernesto Bozzano, conforme tradução de Francisco Klörs Werneck. O estudo será aqui apresentado em 24 partes. Nossa expectativa é que ele sirva para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do texto abaixo. 

Questões preliminares

A. Os casos de aparição de defuntos no leito de morte são comuns?
B. O fenômeno de transfiguração ectoplásmica se mostra sempre combinado com outras modalidades de manifestação do mesmo fenômeno?
C. Durante o processo de transfiguração, pode o corpo do médium tornar-se momentaneamente oculto à visão das testemunhas presentes?

Texto para leitura

31. O Caso 5 foi tirado dos Annales des Sciences Psychiques e quem o relata é o Dr. Joseph Maxwell, nome assaz conhecido no campo das investigações psíquicas. O diretor da revista, Sr. Cesare de Vesme, esclarece: "O caso foi comunicado ao Dr. Maxwell por um eminente magistrado seu colega, que não deseja seja revelado seu nome; todavia, se houver investigadores sérios que desejem conhecer os nomes dos dois percipientes, bem como o da cidade em que se produziu o fenômeno, o Dr. Maxwell tudo revelará aos interessados".
32. Esta a narrativa do protagonista:
"Meu pai era doutor em medicina e sempre exerceu a profissão numa vila do sul da França. Nascera em 1812; casara-se em 1843 e, a partir dessa data, habitara na mesma casa até a morte, ocorrida em julho de 1903. Aos primeiros dias de janeiro de 1903, meu pai foi assaltado pelos sintomas da moléstia que, seis meses depois, devia levá-lo ao túmulo. Cerca de dois meses antes da sua morte, eu me encontrava no seu quarto às oito e meia da noite. Ele dormia na sua poltrona ao lado da chaminé e eu me sentara diante dele, vigiando-lhe o sono. Estávamos sós, e não tardei a perceber que sua fisionomia ia gradativamente assumindo um aspecto que não era mais o seu, até que chegou um momento em que verifiquei, positivamente, que seu rosto se transformara no de minha mãe. Dir-se-ia que sobre o rosto de meu pai se colocara a máscara de minha mãe. Note-se que, desde muito tempo, faltavam inteiramente ao meu pai os supercílios; mas naquele momento, acima de seus olhos fechados, se desenharam as vastas sobrancelhas negríssimas que minha mãe conservara até os últimos dias de vida. As pálpebras, o nariz e a boca se haviam tornado os de minha mãe. Não obstante, seu rosto parecia consideravelmente maior, mas devo observar a respeito que, no período pré-agônico, o rosto de minha mãe se hipertrofiara notavelmente, até atingir aproximadamente as proporções assumidas pela efígie que aparecia diante de mim. Observo, além disso, que a própria efígie reproduzia mais fielmente o semblante dela do que o poderia ter feito se acaso houvesse reproduzido o seu rosto alterado pela moléstia. Meu pai usava os bigodes e a barba em ponta muito curta. Barba e bigodes permaneceram; mas, contrariamente ao que se poderia supor, contribuíam eficazmente para completar os traços maternos. A aparição manteve-se intacta por dez ou doze minutos; depois lentamente se dissipou e meu pai retomou os traços normais. Cinco minutos depois despertou, e eu perguntei-lhe se sonhara porventura com sua esposa; respondeu negativamente”.
33. Continuando, o protagonista disse que durante a manifestação do fenômeno ele ficou imóvel, a observar o espetáculo que se lhe deparava, abstendo-se de estender a mão para tocar a aparição, e isto por temer que se dissipasse.
34. Segundo ele, outra pessoa também viu o que ele havia presenciado: a criada de seu pai - uma moça de 31 anos - à qual sua mãe, no leito de morte, recomendara velar por seu pai. Quando ela entrou no quarto, ele lhe disse: "Joana, olha meu pai adormecido!" - Ela exclamou: "Oh! Como se assemelha à pobre senhora! Estupefaciente! Extraordinário!"
35. A respeito do assunto, a criada Joana fez-lhe a seguinte declaração: "Recordo-me perfeitamente de que, cerca de dois meses antes da morte de vosso pai, eu subi ao seu quarto e vos encontrei com ele. Vós me dissestes: Joana, olha meu pai adormecido! - E eu logo exclamei: ‘Oh! como se assemelha à pobre senhora! É estupefaciente! É uma coisa extraordinária!’ Confirmo que vosso pai, no curso da sua última enfermidade, repetiu-me muitas vezes ter visto em várias ocasiões a aparição de sua esposa, acrescentando ter-se arrependido de haver estendido as mãos para atraí-la a si, pois que, assim agindo, provocara sempre a sua instantânea desaparição."
36. O caso exposto é de natureza espontânea e não experimental ou mediúnica e, como se viu, realizou-se à aproximação da morte do protagonista, o qual tivera, precedentemente, várias visões do fantasma daquela que chegou a materializar a própria efígie, transfigurando o seu rosto, circunstâncias estas todas a que não falta valor sugestivo, tendo em vista o fato de que os casos de "aparição de defuntos no leito de morte" são relativamente comuns e que entre eles são relativamente frequentes os casos percebidos coletivamente ou sucessivamente por várias pessoas, circunstância que confere certeza a respeito da sua objetividade. Daí resultaria que o caso em apreço poderia ser classificado como um episódio de "aparições reiteradas de uma defunta no leito de morte do marido", com o acréscimo de uma manifestação física complementar, sob forma de transfiguração do rosto do enfermo e isto, presumivelmente, com o objetivo de fazer-se notar também pelo filho.
37. Do ponto de vista probatório é de notar no caso em apreço a feliz circunstância de ter sido visto o fenômeno de transfiguração coletivamente por duas testemunhas, e como a criada Joana não percebera a efígie da defunta logo ao entrar no quarto, circunstância que exclui a existência nela de estados passionais predisponentes de alucinação por influência de circunstâncias, deve-se reconhecer que a objetividade do fenômeno se mostra desta vez provada de maneira cientificamente adequada.
38. Sob um outro ponto de vista, manifesto é que o fenômeno de "transfiguração" não poderia ser esclarecido com a hipótese por demais simplista da contração e adaptação dos músculos faciais. Serve especialmente para demonstrá-lo o fenômeno dos "nigérrimos supercílios maternos" aparecerem sobre a cara do enfermo, desprovido de sobrancelhas. Deve-se, portanto, concluir que, nesse caso, se está em presença de um fenômeno de transfiguração com notáveis rudimentos de materialização e adaptação de substância ectoplásmica ao rosto do indivíduo.
39. Além disso, preciso é considerar que tudo concorre para demonstrar que o fenômeno de transfiguração ectoplásmica se mostra quase sempre combinado com as outras modalidades de manifestação do mesmo fenômeno no sentido de que, para completar a concretização da máscara ectoplásmica, tanto podem contribuir o fenômeno da contração e adaptação dos músculos faciais, quanto o outro fenômeno da subtração de substância viva aos tecidos do rosto e isto com o escopo de reduzir-lhe ou remodelar-lhe alguns traços, adaptando-o de tal forma à máscara do defunto que se deseja representar.
40. Ter-se-ia, portanto, de concluir que, nos casos de completa transfiguração do rosto de um vivo, concorrem todas as modalidades de manifestação que o fenômeno comporta, modalidades combinadas harmonicamente umas com as outras, por uma vontade operante - subconsciente ou extrínseca - servida automaticamente por aquela mesma misteriosíssima "força organizadora" que preside, na natureza, a organização dos seres vivos.
41. Os Casos 6 e 7 têm ligação com a condessa Helena Mainardi, nome fartamente conhecido pelos cultores de investigações psíquicas de quarenta anos passados. Helena foi um poderoso médium. Ela enviou ao Congresso Espiritualista de Londres, de junho de 1898, uma longa relação dos fenômenos obtidos em seu próprio círculo familiar, com sua mediunidade combinada com a da baronesa Rosenkrantz, também notável médium, círculo em que eram frequentes os casos de "transfiguração".
42. O relato em apreço foi publicado integralmente pela Light, da qual faço o seguinte extrato com base no que a condessa Mainardi escreveu:
"Numa noite de inverno do ano de 1898, obtivemos fenômenos muito interessantes. Achavam-se presentes a baronesa Rosenkrantz; o General Gugiani, com sua esposa; o Dr. Visam Scozzi, meu marido e eu. Uma lâmpada vermelha, colocada sobre a mesa, iluminava nossos rostos. A baronesa Rosenkrantz estava de pé, atrás da minha cadeira, fazendo ‘passes magnéticos’ sobre minha cabeça e ombros, quando, de repente, meu esposo, que estava sentado defronte, exclamou: ‘Não vejo mais minha mulher!’ Por sua vez o General Gugiani observou: ‘Dir-se-ia que a condessa desapareceu.’ O Dr. Visam Scozzi declarou que também não me via, mas que percebia no meu lugar uma coluna de substância escura. Eu ouvia perfeitamente suas exclamações, porém, por mais que tentasse, não lograva articular uma palavra, embora não houvesse deixado um só momento de ver os assistentes, os quais continuavam discutindo acaloradamente o fenômeno da minha desaparição, quando repentinamente me viram reaparecer, mas com o rosto de outra pessoa. Meu marido exclamou assustado: ‘Oh! esta não é minha senhora!’ A baronesa Rosenkrantz inclinou-se para mim, olhou-me fixamente de perto e disse: ‘Reconheço as feições de Helena Blavatsky!’ Pouco depois a máscara da Blavatsky desapareceu e tornei a ser eu mesma, reconhecida como tal por todas os assistentes, com grande satisfação”.
43. De acordo com o relato de Helena Mainardi, a baronesa Rosenkrantz foi, logo em seguida, envolvida em um influxo mediúnico e, sentando-se junto dela, exclamou: "Olha com atenção o meu rosto!" Transcorridos uns breves instantes, todos viram transformar-se o seu semblante, que se tornou muito jovem, ao passo que a baronesa é um tanto entrada em anos. O Dr. Visani Scozzi disse então: "Este é o rosto de uma jovem a quem eu conheci intimamente há vinte anos”.
44. Do ponto de vista da fidelidade da narrativa, o nome do Dr. Visani Scozzi, autor de um livro clássico sobre mediunidade, e a quem foi apresentado o relato antes de ser enviado ao seu destino, constitui um ótimo testemunho a respeito.
45. Do ponto de vista da realidade objetiva das transfigurações observadas, destaca-se a circunstância de sua natureza coletiva, a cujo respeito convém insistir sobre o fato de que foram cinco os experimentadores que observaram, coletivamente, os mesmos rostos nas transfigurações ocorridas.
46. É de notar que, na produção do primeiro episódio, sobressai o detalhe pouco comum da ocultação do médium dentro de uma nuvem de ectoplasma, o que presumivelmente deve ser atribuído à poderosa mediunidade de efeitos físicos da condessa Mainardi, potencialidade que permitiu uma emissão abundante de substância ectoplásmica que logo se concretizou na máscara da transfiguração.
47. Por último, observa-se que, em ambos os episódios, os rostos que se materializaram foram identificados, e o caso do Dr. Visani Scozzi, que reconheceu no semblante da jovem, que se manifestou, o de uma jovem senhora que conhecera vinte anos antes, é um caso bastante notável no seu gênero, porquanto a baronesa Rosenkrantz, que ele conhecera em casa da família Mainardi, sem dúvida alguma ignorava por completo a existência da jovem dama que se havia materializado por transfiguração do seu próprio rosto.

Respostas às questões preliminares

A. Os casos de aparição de defuntos no leito de morte são comuns?
Segundo Bozzano, sim, e além disso são relativamente frequentes os casos percebidos coletivamente ou sucessivamente por várias pessoas, circunstância que confere certeza a respeito da sua objetividade. (A Morte e os seus Mistérios, Caso 5.)
B. O fenômeno de transfiguração ectoplásmica se mostra sempre combinado com outras modalidades de manifestação do mesmo fenômeno?
Sempre, não; quase sempre, sim. Tudo concorre para demonstrar que nesse fenômeno, para completar a concretização da máscara ectoplásmica, tanto podem contribuir o fenômeno da contração e adaptação dos músculos faciais, quanto o outro fenômeno da subtração de substância viva aos tecidos do rosto e isto com o escopo de reduzir-lhe ou remodelar-lhe alguns traços, adaptando-o de tal forma à máscara do defunto que se deseja representar. (Obra citada, Caso 5.)
C. Durante o processo de transfiguração, pode o corpo do médium tornar-se momentaneamente oculto à visão das testemunhas presentes?
Sim. Foi o que ocorreu na transfiguração da médium Helena Mainardi, caso em que se verificou a ocultação da médium dentro de uma nuvem de ectoplasma, o que presumivelmente deve ser atribuído à poderosa mediunidade de efeitos físicos da condessa, potencialidade que permitiu uma emissão abundante de substância ectoplásmica que logo se concretizou na máscara da transfiguração. (Obra citada, Caso 6.)


Observação:
Para acessar a Parte 2 deste estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2019/10/a-morte-e-osseus-misterios-ernesto_11.html





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