sexta-feira, 10 de abril de 2020



O Espiritismo perante a Ciência

Gabriel Delanne

Parte 4

Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do texto abaixo. 

Questões preliminares

A. As questões metafísicas entram no campo de estudo dos positivistas?
B. Podemos explicar, de modo preciso, o que se chama senso íntimo?
C. No tocante ao estudo do cérebro, que contribuição devemos ao fisiologista J. Luys?

Texto para leitura

92. Os positivistas têm por objetivo o estudo da natureza pelos sentidos, pela observação e pela análise. Tudo o que se afasta dessa ordem de coisas é para eles o desconhecido, o porquê ao qual renunciam, deliberadamente, pesquisar. As realidades dos metafísicos podem existir, não as negam; mas, como não entram no domínio dos fatos sensíveis, acham inútil e perigoso querer defini-las; em suma, elas são incognoscíveis, isto é, inteiramente fora do alcance do entendimento.
93. Além da esfera dos fenômenos comprovados, existe um desconhecido que o espírito procura em vão penetrar; assim, Littré, traçando o programa da escola, recomendou absoluta neutralidade em todas as questões dogmáticas relativas à essência das coisas. Ele o afirma nitidamente nesta passagem:
“Não se conhecendo nem a origem nem o fim das coisas, não há motivo para negar que haja algo além dessa origem e desse fim (isto é contra os materialistas e os ateus), assim como não há razão para o afirmar (isto agora é contra os espiritualistas, os metafísicos e os teólogos). A doutrina positiva põe de lado a questão suprema de uma inteligência divina, pelo fato de reconhecer sua absoluta ignorância nesse sentido, como aliás acontece às ciências particulares, que lhe são afluentes, no que toca à origem e ao fim das coisas, o que implica necessariamente que, se a doutrina positiva não nega a inteligência divina, não a afirma; conserva-se perfeitamente neutra entre a negação e a afirmação, as quais se valem, no ponto em que estamos. Não é preciso dizer que ela exclui o materialismo, que é uma explicação daquilo que ninguém pode explicar. Não busca mais o que o naturalismo tem de exorbitante, pois exclama, como De Maistre, falando da Natureza: quem é esta mulher?” [1]
94. Vê-se, está bem claro, que o verdadeiro positivista não se deve inclinar para nenhum sentido; é-lhe absolutamente interdito meditar sobre os problemas que não se podem resolver pelo método direto da análise e da observação. Mas, em que pese isso, o mais ilustre representante da ciência positiva é materialista, senão em princípio, pelo menos efetivamente. Contrário ao seu programa e à realidade, afirma que a matéria pensa e crê que a Natureza se governa por si mesma. São estas conclusões que nós denunciamos como falsas, em virtude das razões que expusemos no capítulo precedente.
95. O método positivo rejeita todo instrumento de estudo que não os sentidos; mas existe em nós essa propriedade de nos conhecermos que se chama senso íntimo, e que tem seu valor, pois é por ele que somos informados da existência do pensamento. Sem dúvida, não se pode precisar em que consiste; é impossível encontrar o órgão que lhe corresponda; entretanto, ninguém recusará sua manifestação, que se afirma por um exercício ininterrupto.
96. Esse declive, por onde escorregam os positivistas, leva-os, fatalmente, ao materialismo, do qual, teoricamente, têm a pretensão de se afastarem. O desdém que mostram por tudo que não é diretamente mensurável denota a negação antecipada das realidades espirituais. Apesar de toda a sua ciência, não podem explicar o pensamento; ele se produz em condições determinadas que têm, sem dúvida, certa relação com estados especiais do cérebro; mas, como sucede com Moleschott, não lhes é possível afirmar que esse pensamento seja produto do cérebro.
97. O cérebro, sua composição, seu modo de funcionamento, tal é o campo de batalha atual onde se concentram os esforços dos partidos opostos. É penetrando nas profundezas de sua constituição íntima, perscrutando com tenacidade os recônditos desse órgão, que um sábio fisiologista, Luys, espera dar ganho de causa aos positivistas. Ele quer mostrar que a atividade intelectual é produzida simplesmente pelo jogo das forças naturais das células do córtice cerebral, estimuladas pelas excitações do exterior e trazidas pelos nervos centrípetos.
98. É consequente com suas doutrinas, porque, hoje, a maior parte dos discípulos de Littré professa injustificável horror pela antiga filosofia; repele em bloco todos os fatos certos, aos quais se tinha chegado pelo estudo atento dos estados de consciência, para adotar uma psicologia nova, que absolutamente não participa de qualquer filosofia, antes constitui outra ciência.
99. Essa psicologia não se ocupa da alma e de suas faculdades, consideradas em si mesmas, senão dos fenômenos pelos quais se manifesta a inteligência e das condições invariáveis das leis que regem a sua produção. Ela não pede só à consciência que lhe faça conhecer o espírito; não se limita à ação interna, que julga, muitas vezes, ilusória, mas apela para o método das ciências naturais e dispõe, por vezes, apesar da delicadeza do assunto e do temor respeitoso que a domina, da própria experimentação, graças à patologia.
100. Seu primeiro princípio, seu ponto de partida, é o fato, admitido há pouco tempo pela ciência oficial, de que o cérebro é o órgão do pensamento, do espírito, ou melhor, que a inteligência, a alma – se quisermos compreender sob esse vocábulo o conjunto das ideias e dos sentimentos – é uma função do cérebro.
101. Retomemos, ainda uma vez, o estudo do cérebro, não mais o encarando, com Moleschott, sob o ponto de vista de sua composição química, mas em sua estrutura anatômica e em sua vida fisiológica. Seguiremos, passo a passo, o livro O Cérebro e suas funções, do fisiologista J. Luys, e poremos ainda aí, em evidência, todos os artifícios empregados para falsear as conclusões naturais dessas investigações, que são todas a favor dos espiritualistas.
102. J. Luys é um experimentador de primeira ordem; aperfeiçoou os métodos de investigação da substância cerebral, empregando uma série de cortes metodicamente espaçados, de milímetro em milímetro, quer no sentido horizontal, quer no vertical, quer no anteroposterior; e esses cortes, praticados segundo as três direções da massa sólida que se trata de estudar, foram reproduzidos pela fotografia.
103. O sistema nervoso do homem apresenta 3 grandes divisões:
1 - O cérebro e o cerebelo [2]
2 - A medula espinhal
3 - Os nervos.
104. Não trataremos aqui da medula espinhal nem dos nervos; o que nos interessa é o cérebro, que é constituído por dois hemisférios - A e C - reunidos por meio de uma série de fibras brancas transversais - B -, que fazem comunicar as partes semelhantes de cada lobo, de modo que as duas metades façam um só corpo, cujas moléculas estão todas em relação umas com as outras.
105. Cada lobo, tomado separadamente, apresenta por seu turno: 1 - Massas de substância cinzenta; 2 - Aglomerações de fibras brancas, que fazem comunicar duas partes semelhantes de cada hemisfério.
106. A substância branca, inteiramente composta de tubos nervosos justapostos, ocupa os espaços compreendidos entre a superfície dos lobos e os núcleos centrais. As fibras que a constituem representam traços de união entre tal ou qual região do córtice cerebral e tal ou qual dos núcleos centrais.
107. Podem ser consideradas como uma série de fios elétricos estendidos entre duas estações e em duas direções diferentes. As que reúnem os diversos pontos da superfície dos hemisférios aos núcleos centrais são comparáveis a uma roda, cujos raios ligam a circunferência ao centro; as outras se dirigem transversalmente e juntam duas partes semelhantes de cada hemisfério.
108. A substância cortical cinzenta se apresenta sob a aparência de uma lâmina cinzenta, ondulosa, dobrada muitas vezes sobre si mesma, e formando uma série de sinuosidades múltiplas, cujo fim é aumentar-lhe a superfície.
109. Pensou-se que havia nessas dobras certas disposições gerais; seu maior número, porém, toma as mais variadas formas, conforme os indivíduos. A espessura da camada cerebral é em média de 2 a 3 milímetros; em geral, é mais abundantemente repartida nas regiões anteriores do que nas regiões posteriores. A massa varia conforme a idade e a raça. Gratiolet notou que nas espécies de pequena estatura a massa da substância cortical é pouco abundante.
110. Quando se toma uma fatia delgada dessa matéria cinzenta do córtice cerebral e a comprime entre duas lâminas de vidro, nota-se que ela se divide em zonas de desigual transparência e que estas zonas se dispõem em uma estriação regular e fixa.

Notas:
[1] Revue de Philosophie Positive, jan. 1880.
[2] Embora o autor refira apenas o cérebro e o cerebelo, é mais correto dizer: o cérebro e o cerebelo, a protuberância anular e o bulbo raquidiano, a menos que se prefira dizer simplesmente o encéfalo. Em verdade, podemos, com Testut, considerar o sistema nervoso do homem formado de duas classes de órgãos, grupados em duas grandes divisões: 1) órgãos centrais - centros nervosos - que constituem o sistema nervoso central; 2) órgãos periféricos - nervos - que constituem o sistema nervoso periférico. O sistema nervoso central é formado por um eixo de substância nervosa, que ocupa integralmente a cavidade óssea constituída pelo crânio e pela coluna vertebral; é o neuro-eixo, eixo encéfalo-medular ou cerebrospinal ou ainda mielencéfalo. Dois órgãos proeminentes formam esse eixo nervoso: o encéfalo e a medula espinal, aquele de forma ovoide, ocupando a cavidade craniana, esta de forma tronco-cônica alongada, enchendo a cavidade ou canal existente na coluna vertebral, formada pelo empilhamento das vértebras. Deixando de lado, como faz o autor, a medula espinal e os nervos periféricos, encaremos apenas o encéfalo, pois é deste que faz parte o cérebro, a que o autor empresta interesse todo particular.  (Nota da Editora.)

Respostas às questões preliminares

A. As questões metafísicas entram no campo de estudo dos positivistas?
Não. Os positivistas têm por objetivo o estudo da natureza pelos sentidos, pela observação e pela análise. Tudo o que se afasta dessa ordem de coisas é para eles o desconhecido, o porquê, ao qual renunciam, deliberadamente, pesquisar. As realidades dos metafísicos podem existir, não as negam; mas, como não entram no domínio dos fatos sensíveis, acham inútil e perigoso querer defini-las. (O Espiritismo perante a Ciência, Primeira Parte, Cap. II, O materialismo positivista.)
B. Podemos explicar, de modo preciso, o que se chama senso íntimo?
Não se pode precisar em que consiste essa propriedade de nos conhecermos, que se chama senso íntimo; é impossível encontrar o órgão que lhe corresponda; entretanto, ninguém recusará sua manifestação, que se afirma por um exercício ininterrupto. (Obra citada, Primeira Parte, Cap. II, O materialismo positivista.)
C. No tocante ao estudo do cérebro, que contribuição devemos ao fisiologista J. Luys?
Autor do livro O Cérebro e suas funções, Luys aperfeiçoou os métodos de investigação da substância cerebral, empregando uma série de cortes metodicamente espaçados, de milímetro em milímetro, quer no sentido horizontal, quer no vertical, quer no anteroposterior; e esses cortes, praticados segundo as três direções da massa sólida que se trata de estudar, foram reproduzidos pela fotografia. (Obra citada, Primeira Parte, Cap. II - O cérebro e suas funções.)

Observação:
Para acessar a 3ª Parte deste estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/04/o-espiritismoperante-ciencia-gabriel.html




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