CINCO-MARIAS
Tu erras... Nós erramos
EUGÊNIA PICKINA
eugeniapickina@gmail.com
Não haverá borboletas
se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses. Rubem Alves
As ruas estavam cheias de gente e a menina se sentiu desorientada no
meio de casas, barulho, falação. Na hora de escolher a refeição, pediu água em
vez de suco, uma omelete em vez de sanduíche de queijo, nervosa que estava.
Quando o garçom trouxe tudo e foi dispondo pratos e copos sobre a mesa, os
olhos encheram de lágrimas, pois naquele instante notou que havia pensado uma
coisa e comunicado outra coisa ao pai, o mediador entre eles, os filhos, e o
garçom, o canal com a cozinha do restaurante daquela cidade grande e estranha.
A mãe resolveu perguntar:
– Diga-me, não está com fome?
Sinalizou que não.
A mãe insistiu:
– Nem tocou na omelete.
Sentada à mesa, o vestido azul, as mãos no rosto, começou a chorar. Um
choro ruidoso esfarelando a vergonha, remexendo-a no peito com seus dados de
vidro, o temor de irritar os pais.
– Ah, minha filha! – disse o pai – A gente erra. Quer uma coisa, faz
outra. Ninguém gosta de falhar, mas errar nos faz aceitar como somos, e sem
desistir de melhorar.
O pai conversou com o filho mais novo e o menino aceitou dividir o
sanduíche com a irmã em troca de metade de sua omelete, resolvendo de modo
democrático o dilema da filha.
– Filha, todo mundo erra! – a mãe repetiu sorrindo.
Sim. Toda criança precisa incorporar, desde cedo, que desacertos são
fontes de aprendizado seguro. É o contato com o erro que permite ao ser humano
validar os sentimentos negativos, abrindo-se a uma intimidade segura com seus
atributos e suas vulnerabilidades.
A aceitação da imperfeição depende já na infância dos inúmeros erros
vividos em casa, na escola, nos diversos instantes do dia, tão ricos de
invencionices os começos da vida.
Há crianças que ficam muito ansiosas com seus erros, no geral tomadas
por receios. Nesses casos, elas precisam ser auxiliadas a entender que as
falhas são excelentes “artífices” das biografias humanas, à medida que embasam
resistência e persistência. A lição de tolerar a insatisfação decorrente do
erro é, portanto, fundamental na infância.
Dentro de casa, a criança que tem liberdade para errar aprende a assumir
seus equívocos, crescendo honesta e flexível consigo mesma e com os demais. Ela
terá ainda mais chance de guardar lembranças positivas dessas experiências e,
com isso, enriquecer seu mundo interior, dispondo de formas mais racionais e
criativas para enfrentar as situações adversas na vida adulta.
Um abraço, alegre semana!
*
Esta seção, cuja estreia neste blog ocorreu no dia 6 de janeiro deste
ano, traz sempre textos dedicados à infância, seus cuidados, sua educação. O
título – Cinco-marias – é uma alusão a um conhecido brinquedo
que integra um conjunto de brincadeiras e
atividades lúdicas conceituadas como Patrimônio Cultural da Humanidade.
Eugênia Pickina é educadora ambiental e terapeuta
floral e membro da Asociación Terapia Floral Integrativa (ATFI), situada em
Madri, Espanha. Escritora, tem livros infantis publicados pelo Instituto
Plantarum, colaborando com o despertar da consciência ambiental junto ao Jardim
Botânico Plantarum (Nova Odessa-SP).
Especialista em Filosofia (UEL-PR) e mestre em
Direito Político e Econômico (Mackenzie-SP), está concluindo em São Paulo a
formação em Psicanálise.
Ministra cursos e palestras sobre educação ambiental
em empresas e escolas no estado de São Paulo e no Paraná, onde vive.
Seu contato no Instagram é @eugeniapickina
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