quinta-feira, 31 de março de 2022

 



CINCO-MARIAS

 

Amor serve para tudo

 

EUGÊNIA PICKINA

eugeniapickina@gmail.com

 

A mim [a criança] ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Alberto Caeiro

 

Sozinha na sala, à noite, me pus a pensar na filha da vizinha. Flávia mal completou oito anos e experimenta uma fase difícil na escola. E, nos últimos tempos, agindo como uma rainha malvada, sua mãe passou não só a ridicularizar o seu costume de usar tênis sem meias, mas também a debochar de tudo o que ela diz.

Claro. A vida é cheia de altos e baixos. Precisamos enfrentar as adversidades com coragem, sem perder a fé na humanidade. Mas como lidar no dia a dia com os maus-tratos gerados pela própria mãe?

Sei que a ideia parecia insólita, mas quis correr esse risco. Chamei a vizinha para um café. A moral já estava pronta: por vezes, a repetição da violência tem raiz na ignorância.

Depois que tomamos o café, contei uma longa história a essa mulher, porém enfatizei o fato de que devemos amor e bondade às crianças. É preciso romper com a prática dos maus-tratos, profundamente ofensiva.

De fato, nada melhor que a empatia para educar alguém que se encontra no período vulnerável do começo da vida. Pois é aí que estamos propensos a integrar exemplos e princípios que nos ajudarão a construir nossas histórias.

Amar uma criança não é só questão de sobrevivência, expliquei à mãe de Flávia. Porque é basicamente na casa que nossos filhos aprendem lições importantes para a vida. Acontece que a criança se parece com semente. Ela precisa de ambiente propício para germinar, brotar e crescer. Não é esta a essência da alegria de educar?

A mãe de Flávia chorou. Choramos. Simplesmente ela entendeu que debochar de uma criança não serve para nada, só desorienta, agride, fere, machuca – o deboche é um nocivo fungo que atravessa o corpo da criança e se aloja na alma, fazendo ninho na memória.

Amar é respeitar, fazer a criança perceber no cotidiano que é amada, cultivando-a sem conversa fiada, sem comunicação que arranca as tintas dos sentimentos e empobrece a autoestima, porque as crianças, antes de mais nada, têm de aprender a caminhar sobre a terra firme …

Ontem, cedo, vi a Flávia saindo de casa. Mochila, uniforme escolar, tênis sem meias. Porque a criança é esquecimento, o rosto suave e sorridente.

Amor serve para tudo.

 

Notinha

 

Formas de educar necessitam ser baseadas no amor, respeito e empatia. Ignorar, subornar, humilhar, ridicularizar, amedrontar, ameaçar, condicionar o afeto e debochar da criança são exemplos de maus-tratos psicológicos que pais (ou cuidadores) cometem com as crianças. A alegria de educar um filho ou uma filha depende necessariamente do esquecimento dessas atitudes maldosas, desrespeitosas, violentas.

 

*

 

Esta seção, cuja estreia neste blog ocorreu no dia 6 de janeiro deste ano, traz sempre textos dedicados à infância, seus cuidados, sua educação. O título – Cinco-marias – é uma alusão a um conhecido brinquedo que integra um conjunto de brincadeiras e atividades lúdicas conceituadas como Patrimônio Cultural da Humanidade.

Eugênia Pickina é educadora ambiental e terapeuta floral e membro da Asociación Terapia Floral Integrativa (ATFI), situada em Madri, Espanha. Escritora, tem livros infantis publicados pelo Instituto Plantarum, colaborando com o despertar da consciência ambiental junto ao Jardim Botânico Plantarum (Nova Odessa-SP).

Especialista em Filosofia (UEL-PR) e mestre em Direito Político e Econômico (Mackenzie-SP), está concluindo em São Paulo a formação em Psicanálise.

Ministra cursos e palestras sobre educação ambiental em empresas e escolas no estado de São Paulo e no Paraná, onde vive.

Seu contato no Instagram é @eugeniapickina

 

 

 

 

 

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