Às
almas irmãs!
JORGE
LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De
Brasília, DF
Salve,
alma querida!
Estou
lendo obra interessante, que recomendo a todos os espíritas cristãos e aos
cristãos de modo geral. Trata-se do livro de Bittencourt Sampaio, publicado
pela Federação Espírita Brasileira. O título dele é A Divina Epopeia, e
o assunto principal de que trata é a reprodução parafraseada de todo o
evangelho de João, em versos decassílabos livres.
Agora
mesmo, revendo um poema de Machado de Assis, percebi que Bittencourt e o Bruxo
do Cosme Velho utilizam semelhante processo de versificação em seus poemas, no
estilo canto, quando Machado, em sua obra intitulada O Almada,
poema herói-cômico em oito cantos, como Bittencourt, também versifica suas
estrofes em decassílabos, cujo fragmento de verso final de cada estrofe, por
vezes, é completado no início da estrofe seguinte.
Bem
mais extenso do que O Almada, o evangelho de João é relatado em 21
cantos. O objetivo aqui é não somente comparar a estrutura de cada poema, mas
também mostrar a diferença do objetivo dos seus autores. Machado explica, antes
dos seus oito cantos, que o tema de seu poema “é rigorosamente histórico” e,
mais adiante, diz que buscou o cômico “no contraste da causa com seus efeitos”.
Bittencourt, ao contrário, busca o aspecto espiritual da vida e obra de Jesus
em seus cantos.
Começo
por duas estrofes do Canto IV d’O Almada:
XIII
Assim
falou Almada, e toda a mesa
Lhe
aprovou o discurso. O Vilalobos,
Em
quem os olhos fita o grão prelado,
Algum
tempo medita um bom alvitre,
E
ia já começar a sua arenga
Quando
o astuto Veloso a vez lhe toma:
“Minha
ideia, senhor, é que esse infame
Nem
alma, nem vigor, nem bizarria
Houve
do céu e que abater-lhe a proa
O
mesmo vale que esmagar brincando
Uma
pulga, um mosquito, uma formiga.
Mas
porque seja bom tapar a boca
Aos
vadios da terra, e porque vale,
Em
certos casos, afetar nas formas
Tal
ou qual mansidão, que não existe,
Cuido
que em lhe mandando uma embaixada
A
exigir-lhe a devassa...”
XIV
“Nunca!
Nunca!
(Interrompe
o vigário). Uma embaixada!
E
tal cousa, senhor, nascer-lhe pode
Tratar
de igual a igual a um bigorrilhas!
No
claro entendimento: Todo o lustre,
Valor
e autoridade a igreja perde
Se
não falar de cima ao tal pedante,
Com
desprezo, com asco. Em boa regra,
Cortesia
demanda cortesia;
Mas
um vilão que a processar se atreve
Os
prelados da casa do prelado,
Em
vez de uma embaixada, merecia
Nas
costas uma dose de cacete.
[...]
Recorto
agora fragmentos de duas estrofes do Canto XIX d’A Divina Epopeia:
Então
Pilatos a Jesus tomando,
O
mandou açoitar. E já de espinhos
Fazendo-lhe
os soldados uma coroa,
Sobre
a sua cabeça a colocaram;
E
puseram-lhe um manto cor de púrpura.
Depois
vinham dizer-lhe: “Deus te salve,
Rei
dos judeus!” E bofetadas davam-lhe.
[...]
Os
príncipes dos padres e o seu povo,
Ao
vê-lo assim bradaram:
—
“Crucifica-o!
Crucifica-o!”
E disse-lhes Pilatos:
—
“Tomai-o vós então, crucificai-o;
Porque
crime nenhum eu nele encontro.”
Crucificado
e martirizado, Jesus retorna à vida dias depois, para nos provar que o bem
sempre vencerá o mal. E, ao partir definitivamente para o reino divino,
deixa-nos a certeza de que, ainda que nos matem o corpo, o espírito
sobreviverá, pois somos imortais, e a Terra é local de expiações e provas.
Termino
com estes versos, do grande Cruz e Sousa, dedicados aos meus queridos
seguidores e leitores:
Mas
as almas irmãs, almas eleitas,
Hão
de trocar, nas regiões perfeitas,
Largos,
profundos, imortais abraços!
(Sousa,
Cruz e. Longe de tudo. In: Cruz e Sousa: poesia. Rio de Janeiro:
Agir, 1982 (Nossos clássicos; 4).
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