Como
o Espiritismo vê Jesus e a moral cristã
ASTOLFO O. DE OLIVEIRA
FILHO
aoofilho@gmail.com
Ramatis, por meio do médium Hercílio Maes, classifica-o, numa de suas
obras, como o médium do Cristo, fazendo distinção entre uma e outra pessoa.
Waldo Vieira não o inclui entre os vultos mais eminentes da humanidade. Jesus e a santíssima Trindade – A Igreja católica,
apostólica, romana, desde o Concílio de Niceia, em 325, considera Jesus um
dos integrantes da Santíssima Trindade, conferindo-lhe assim status de
Deus. A sentença do Concílio de Nicéia diz o seguinte: "A Igreja de
Deus, católica e apostólica, anatematiza os que dizem que houve um tempo em
que o Filho não existia, ou que não existia antes de haver sido gerado". Colhida numa lenda hindu, a ideia da Trindade foi inserida na
teologia católica a partir do século IV. Diz-nos Léon Denis ("Cristianismo
e Espiritismo", pág. 73) que essa concepção trinitária, tão obscura, tão
incompreensível, oferecia grande vantagem às pretensões da Igreja.
Permitia-lhe fazer de Jesus Cristo um deus, conferindo ao poderoso
Espírito, a que ela chama seu fundador, um prestígio, uma autoridade, cujo
esplendor sobre ela recaía e assegurava seu poder. As discussões e perturbações que suscitou essa questão agitaram os
espíritos durante três séculos e só vieram a cessar com a proscrição dos
bispos arianos, ordenada pelo imperador Constantino, e o banimento do papa
Líbero, que não quis sancionar a decisão do Concílio. É que a divindade de
Jesus fora anteriormente rejeitada por três concílios, o mais importante dos
quais foi realizado em Antioquia, no ano de 269. O que Jesus dizia de si mesmo – A Declaração de Niceia
está, como sabemos, em contradição
formal com as opiniões dos apóstolos e com as próprias palavras de Jesus.
Enquanto todos acreditavam no Filho criado pelo Pai, os bispos proclamavam o
Filho igual ao Pai, "eterno como ele, gerado e não criado", ao
contrário do que o próprio Jesus dizia de si mesmo. Eis alguns exemplos: "Se me amásseis, certamente havíeis de folgar que eu vá para o
Pai, porque o Pai é maior do que eu" (João, 14:28); "A mim, a quem o Pai santificou e enviou ao mundo, por que dizeis
vós "Tu blasfemas", por eu ter dito que sou Filho de Deus?"
(João, 10:36); "Por esse motivo, os Judeus perseguiam a Jesus e queriam
matá-lo, isto é, porque fizera tais coisas em dia de sábado. - Mas Jesus lhes
disse: Meu Pai trabalha até ao presente e eu também
trabalho" (João, 5:16); "Eu não posso de mim mesmo fazer coisa alguma. Não busco a minha
vontade, mas a vontade d' Aquele que me enviou" (João,
5:30); "Se Deus fosse vosso Pai, vós me amaríeis, porque foi de
Deus que saí e foi de sua parte que vim; pois não vim de mim mesmo, foi
Ele que me enviou" (João, 8:42); "Aquele que me confessar e me reconhecer diante dos homens, eu
também o reconhecerei e confessarei diante de meu Pai que está nos céus; -
aquele que me renunciar diante dos homens, também eu mesmo o
renunciarei diante de meu Pai que está nos céus" (Mateus,
10:32 e 33); "O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão.
Pelo que respeita ao dia e à hora, ninguém o sabe, nem os anjos que estão no
céu, nem mesmo o Filho, mas somente o Pai" (Marcos, 13:31); "Jesus então lhes disse: Ainda estou convosco por um pouco de
tempo e vou em seguida para aquele que me enviou" (João,
7:33); "Havendo Jesus dito estas coisas, elevou os olhos ao céu e
disse: Meu Pai, a hora é vinda; glorifica a teu Filho, a fim de
que teu Filho te glorifique" (João, 17:1); "Então, soltando grande brado, Jesus disse: Meu Pai, às
tuas mãos entrego o meu espírito. E, tendo pronunciado essas palavras,
expirou" (Lucas, 23:46); "(Após a ressurreição) Ele diz a Madalena: Vai a meus irmãos e
dize-lhes que eu vou para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e
vosso Deus" (João, 20:17). Ademais, a Declaração de Niceia contradiz não somente o que Jesus
dizia de si mesmo, mas de igual modo o que os apóstolos e os evangelistas
disseram sobre o Mestre de Nazaré: "Ao mesmo tempo, apareceu uma nuvem que os cobriu e dessa nuvem
saiu uma voz que fez se ouvissem estas palavras: Este é meu filho
bem-amado; escutai-o" (Transfiguração no monte Tabor. Marcos, 9:7); "Respondendo-lhe, Simão Pedro disse: Tu és o Cristo,
filho de Deus vivo. Jesus então lhe disse: Bem-aventurado és, Simão,
filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue quem to revelou, mas
sim, meu Pai, que está nos céus" (Mateus, 16: 13 a 17); "Varões israelitas - falou Pedro -, ouvi minhas palavras. Jesus
Nazareno foi um varão, aprovado por Deus entre vós, com virtudes e
prodígios e sinais que Deus obrou por ele no meio de vós" (Atos, 2:22); "Jesus de Nazaré foi um profeta, poderoso em obras e
palavras diante de Deus e de todo o povo" (Lucas, 24:19); "Só há um Deus - diz S. Paulo - e um só mediador entre Deus e os
homens, que é Jesus-Cristo, homem" (I Epístola a Timóteo,
2:5). Jesus segundo Roustaing – Vê-se assim que jamais o Cristo ou os
apóstolos atribuíram ao Mestre a
condição de divindade. Ele seria, portanto, um homem? Para os rustenistas, seguidores da obra de J. B. Roustaing, que
publicou em 1866 o livro "Os Quatro Evangelhos", Jesus não é Deus
nem homem. Ensina a doutrina contida no livro publicado por Roustaing que o
Nazareno não possuiu um corpo como o nosso, pois que tinha tão somente um
corpo fluídico. Teria sido, portanto, um agênere, um Espírito materializado,
o que ajudaria a explicar uma série de fenômenos e seu desaparecimento da
face da Terra dos 12 aos 30 anos. Kardec repeliu, porém, tal ideia, mostrando que a doutrina veiculada
por Roustaing transformaria em um engodo, em uma simulação, o nascimento de
Jesus, a gravidez de Maria e os sofrimentos do Senhor ante o Calvário. Diz Kardec em "A Gênese", cap. 15, item 66: "Se
tudo nele fosse aparente, todos os atos de sua vida, a reiterada predição de
sua morte, a cena dolorosa do jardim das Oliveiras, sua prece a Deus para que
lhe afastasse dos lábios o cálice das amarguras, sua paixão, sua agonia,
tudo, até ao último brado, no momento de entregar o Espírito, não teria
passado de vão simulacro..." E o Codificador do Espiritismo, repelindo enfaticamente a ideia de
que Jesus foi um agênere, conclui: "Tais as consequências lógicas
desse sistema, consequências inadmissíveis, porque o rebaixariam moralmente, em
vez de o elevarem. Jesus, pois, teve como todo homem um corpo carnal
e um corpo fluídico, o que é atestado pelos fenômenos materiais e pelos
fenômenos psíquicos que lhe assinalaram a existência". Jesus não é Deus, mas um messias divino – Para
J. Herculano Pires, a Bíblia é a codificação da primeira revelação cristã, o
Espiritismo, a codificação da terceira revelação, e o Evangelho representa a
segunda, "a que brilha no centro da tríade dessas revelações",
tendo na figura do Cristo o sol que ilumina as duas outras, uma como que
"intervenção direta do Alto para a reorientação do pensamento terreno"
(Introdução ao Livro dos Espíritos, LAKE, 3a edição, abril de
1966, págs. 11 e 12). Léon Denis diz que Jesus "ascendeu à eminência final da evolução"
e o conceitua como "governador espiritual deste planeta"
("Cristianismo e Espiritismo", pág. 79), bem antes de Emmanuel
descrever-lhe o papel como cocriador e orientador do planeta em que vivemos,
em sua obra "A Caminho da Luz", cap. 1, psicografada por Francisco
Cândido Xavier e publicada pela FEB em 1939. Ensina Emmanuel (“A Caminho da Luz”, cap. 1): “Rezam as tradições do
mundo espiritual que na direção de todos os fenômenos, do nosso sistema,
existe uma Comunidade de Espíritos Puros e Eleitos pelo Senhor Supremo do
Universo, em cujas mãos se conservam as rédeas diretoras da vida de todas as
coletividades planetárias. Essa Comunidade de seres angélicos e perfeitos, da
qual é Jesus um dos membros divinos, ao que nos foi dado saber, apenas já se
reuniu, nas proximidades da Terra, para a solução de problemas decisivos da
organização e da direção do nosso planeta, por duas vezes no curso dos
milênios conhecidos. A primeira verificou-se quando o orbe terrestre se
desprendia da nebulosa solar, a fim de que se lançassem, no Tempo e no
Espaço, as balizas do nosso sistema cosmogônico e os pródromos da vida na
matéria em ignição, do planeta, e a segunda, quando se decidiu a vinda do
Senhor à face da Terra, trazendo à família humana a lição imortal do seu Evangelho
de amor e redenção”. Allan Kardec, comentando a resposta dada à pergunta 625 d' O Livro
dos Espíritos ("Qual o tipo mais perfeito que Deus ofereceu ao homem,
para lhe servir de guia e de modelo? R.: Vede Jesus"), escreveu:
"Jesus é para o homem o tipo da perfeição moral a que pode aspirar a
humanidade na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo, e a
doutrina que ele ensinou é a mais pura expressão de sua lei, porque ele
estava animado do espírito divino e foi o ser mais puro que já apareceu sobre
a Terra". Jesus foi um enviado do Pai à Terra – Em "O
Evangelho segundo o Espiritismo" (cap. 1, item 4), Kardec esclarece que
o papel de Jesus "não foi simplesmente o de um legislador moralista
sem outra autoridade além da palavra". "Ele veio cumprir as
profecias que haviam anunciado a sua vinda, e a sua autoridade provinha da
natureza excepcional do seu Espírito e da sua missão divina". O mesmo ensino se lê em "Obras Póstumas", págs. 136 e
seguintes: "Jesus era um messias divino pelo duplo motivo de que de
Deus é que tinha a sua missão e de que suas perfeições o punham em relação
direta com Deus" (...). "Para que Jesus fosse igual a Deus, fora
preciso que ele existisse, como Deus, de toda a eternidade, isto é, que fosse
incriado" (...). "Digamos que Jesus é filho de Deus, como todas as
criaturas, que ele chama a Deus Pai, como nós aprendemos a tratá-lo de nosso
Pai. É o filho bem-amado de Deus, porque, tendo alcançado a perfeição, que
aproxima de Deus a criatura, possui toda a confiança e toda a afeição de Deus". Em "A Gênese" (cap. 15:2), o Codificador ensina que, como
homem, "Jesus tinha a organização dos seres carnais; porém, como
Espírito puro, desprendido da matéria, havia de viver mais da vida espiritual
do que da vida corporal, de cujas fraquezas não era passível". No
mesmo passo, o Codificador esclarece que, pelos imensos resultados que
produziu, "a sua encarnação neste mundo forçosamente há de ter sido
uma dessas missões que a Divindade somente a seus mensageiros diretos confia,
para cumprimento de seus desígnios". Não há nada melhor que a moral de Jesus –
A moral evangélica recebeu com a Doutrina Espírita não apenas a sanção, a
confirmação, mas a certeza de sua expansão em todo o mundo, para
concretização da profecia proferida por Jesus no conhecido sermão
profético: "Levantar-se-ão muitos falsos profetas que seduzirão
a muitas pessoas; - e porque abundará a iniquidade, a caridade de muitos
esfriará; - mas aquele que perseverar até ao fim será salvo. - E
este Evangelho do reino será pregado em toda a Terra, para servir de
testemunho a todas as nações. É então que o fim chegará" (Mateus,
24:11 a 14). Com efeito, Kardec escreveu na primeira de suas obras: "A
moral dos Espíritos superiores se resume, como a do Cristo, nesta máxima
evangélica: Fazer aos outros o que quereríamos que os outros nos fizessem, ou
seja, fazer o bem e não fazer o mal" ("O Livro dos
Espíritos", Introdução, item VI). Mais tarde, ele explicaria o porquê
dessa assertiva: "A moral que os Espíritos ensinam é a do Cristo,
pela razão de que não há outra melhor" ("A Gênese",
cap. 1, item 56). Em seguida, no mesmo trecho, o Codificador esclarece: "O que
o ensino dos Espíritos acrescenta à moral do Cristo é o conhecimento dos
princípios que regem as relações entre os mortos e os vivos, princípios que
completam as noções vagas que se tinham da alma, de seu passado e seu futuro,
dando por sanção à doutrina cristã as próprias leis da natureza". Na verdade, o que ele entrevê, com relação ao vínculo entre o
Espiritismo e a doutrina evangélica, é exatamente a confirmação do que Jesus
havia predito, na curiosa promessa sobre o Consolador: "Se me amais,
guardai os meus mandamentos, e eu pedirei a meu Pai e ele vos enviará outro
Consolador, a fim de que fique eternamente convosco: - o Espírito de Verdade
que o mundo não pode receber, porque não o vê; vós, porém, o conhecereis,
porque permanecerá convosco e estará em vós. Mas, o Consolador, que meu Pai
enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e fará vos lembreis de tudo
o que vos tenho dito" (João, 14:15 a 26 e 16:7 a 14). De fato, já na obra fundamental da Doutrina, afirmam os Espíritos
superiores: "Estamos encarregados de preparar o Reino de Deus
anunciado por Jesus, e por isso é necessário que ninguém possa interpretar a
lei de Deus ao sabor das suas paixões, nem falsear o sentido de uma lei que é
toda amor e caridade" (L.E., item 627). |
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