Moutinho e o bom
senso na prática mediúnica
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
No dia 21 de novembro de 2022, faleceu em Brasília o Sr.
João de Jesus Moutinho em avançada idade. Mineiro de Araguari, o Sr. Moutinho,
como era conhecido, estava na faixa dos 96 anos, quando desencarnou de
madrugada.
Ele começou sua atividade espírita aos 20 anos, como
palestrante e pesquisador. Então, foram 76 anos de prolífica atuação na seara
espírita.
Conforme lemos no site da Federação Espírita Brasileira
(FEB), que publicou resumidamente sua atuação, aqui em Brasília, desde 1973,
Moutinho atuou nessa casa. E, em 1978, foi eleito seu diretor, ficando no cargo
até 1986, quando assumiu a direção da Federação Espírita do Distrito Federal,
permanecendo nessa função até 2004.
Moutinho publicou, pela FEB, quatro obras: Notícias do
Reino, Os profetas, Respigas de Luz e O Evangelho sem
Mistérios nem véus.
Em crônica irônica, publicada na Gazeta de Notícias,
em 5 de outubro de 1885, Machado de Assis afirma que esteve na Federação
Espírita Brasileira e, entre outras coisas, disse que ia fundar uma “igreja
espírita” em Santo Antônio de Pádua, mas foi impedido pelo código de posturas
da Câmara Municipal da cidade, onde se lia, no artigo 113 do código: “Fica
proibido fingir-se de inspirado por potências invisíveis, ou predizer cousas
tristes ou alegres”.
E você pergunta, alma amiga: O que isso tem a ver com o
Sr. Moutinho? Até o final desta crônica ficará sabendo...
Allan Kardec afirmou que o Espiritismo é uma ciência de
observação que não se aprende em poucos anos. Para ser um sábio, diz o
Codificador, é necessário três quartas partes da existência dedicada à pesquisa
teórica e prática. Como ¾ de 96 dá 72, e Moutinho dedicou 76 anos de sua vida
ao estudo e divulgação do Espiritismo, podemos dizer que ele foi autêntico
sábio.
Pois bem, quando cheguei a Brasília em 1980, Moutinho era
o coordenador das reuniões de estudo e prática mediúnica na FEB. Eu viera de
Barreiras, BA, onde o Espiritismo começava a ocupar seu espaço e, mesmo sendo
bastante jovem aos 28 anos, como Moutinho, desde os 20 anos, eu atuava na seara
espírita. Após cerca de oito anos de estudo e prática da Doutrina Espírita, por
já tentar alguns ensaios na área mediúnica, ingressei no curso coordenado por
Moutinho, e a lição que recebi dele serviu-me como parâmetro por toda a atual
existência.
Juntamente com outros irmãos e irmãs, tentei a
psicografia, no curso oferecido pela FEB, mas, como já ocorrera antes, ao invés
de ser influenciado por uma entidade estranha, tudo o que eu escrevia era fruto
de minhas leituras acendradas, como verdadeiro “devorador” de obras espíritas.
Já havia lido as obras do chamado “pentateuco kardequiano” diversas vezes, além
de Chico, Divaldo Franco, Yvonne Pereira etc. Por outro lado, como dizem que
“em terra de cego, quem tem um olho é rei”, na Bahia, a cadeira de palestrante
das reuniões públicas era quase cativa minha. Também dirigia reuniões
mediúnicas, mas atuava como “doutrinador”...
Como não era médium, na acepção verdadeira da palavra, e
não percebia a influência de entidades espirituais enfermas ou desequilibradas,
tudo o que eu psicografava, bem como minhas poucas manifestações psicofônicas,
refletia a vontade anímica de ser “influenciado por potências invisíveis”, como
dizia Machado de Assis. E essas supostas entidades, refletindo meu parco
conhecimento espírita, só produziam textos ou falas que eu, o pretenso médium,
considerava de grande elevação.
Percebendo isso, nosso saudoso irmão Moutinho, agora no
plano espiritual, alertou-me na época: “Tudo isso é seu. Não há Espírito, a não
ser o seu em suas mensagens”. E eu me convenci definitivamente que, embora
Allan Kardec tenha dito que, de certa forma, todos somos médiuns, seria
hipocrisia de minha parte atribuir minhas ideias aos espíritos.
Precisa-se observar atentamente o que é falado ou escrito
numa reunião mediúnica, bem como submeter ao “consenso universal”, proposto por
Allan Kardec, as mensagens mediúnicas, sejam elas escritas ou faladas. Por
outro lado, assim como o médium que não estuda pode ser vítima de fraude
espiritual, o que estuda muito pode também ser transmissor de mensagens anímicas.
Principalmente quem só “recebe” mensagens de “espíritos elevados”.
Por esse motivo, é raro o médium autêntico, como
Chico Xavier, a pouco lembrada Zilda Gama, Yvonne Pereira e Divaldo Franco. Mas
há inumeráveis médiuns simples e pouco badalados no movimento espírita que nos
trazem preciosas informações dos espíritos, sejam eles perturbados e
inferiores, sejam de grande elevação, como venho observando ao longo de cinco
décadas de estudo e divulgação do Espiritismo. Alguns dos fenômenos
transmitidos por eles já pude observar em meu próprio meio familiar, cuja
comprovação seria fastidioso expor aqui. Fenômenos raros, pois, como disse
Chico Xavier, “o telefone toca de lá para cá”. E os espíritos não estão à nossa
disposição para se manifestarem quando exigimos e como queremos.
Igualmente raro é alguém como João de Jesus Moutinho, a
quem tive o privilégio de conhecer e beber da água cristalina de seus
ensinamentos. Moutinho fora também, como Allan Kardec, de muito bom senso e
sabedoria. Por esse motivo, não aceito cegamente tudo que é atribuído a uma
“potência invisível”, mas continuo observando, estudando, aprendendo e
praticando...
Obrigado, Sr. Moutinho!
Paz e luz!
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