Herculano Pires e a natureza
religiosa do Espiritismo
ASTOLFO
O. DE OLIVEIRA FILHO
aoofilho@gmail.com
A discussão sobre a natureza religiosa
do Espiritismo parece infindável, apesar de todos conhecermos o que sobre o
assunto já foi escrito ou dito por vultos espíritas respeitados, como Chico
Xavier, Divaldo Franco, Dr. Bezerra de Menezes, Emmanuel, Joanna de Ângelis,
entre muitos outros.
Como a polêmica em tal caso se cinge
aos autores encarnados, alguns perguntam: - E o professor Herculano Pires? Que
escreveu a respeito?
A pergunta advém do fato que é bastante
comum vermos no Brasil o nome do professor Herculano
associado a eventos promovidos por confrades que disseminam o pensamento laico,
segundo o qual o Espiritismo é uma ciência, não uma religião.
Herculano
Pires também pensava assim?
Claro que
não. O conhecido e respeitado escritor jamais comungou semelhante ideia. O que
ele escreveu sobre a natureza religiosa do Espiritismo é bastante claro e bem conhecido.
O leitor pode conferir isso lendo a tradução d´O Livro dos Espíritos que ele fez, a pedido da LAKE, por ocasião
das comemorações do centenário da mencionada obra, ideias essas reiteradas por
ele quando da publicação pela EDICEL do livro O Tesouro dos Espíritas, de Miguel Vives y Vives.
Escreveu Herculano Pires:
“A religião espírita se traduz em espírito e
verdade. O que interessa a Deus não é a precária exterioridade dos ritos e do
culto convencional, quase sempre vazio: é o pensamento e o sentimento do homem.
A adoração da divindade é uma lei natural, tanto quanto a lei de gravidade. O
homem gravita para Deus como a pedra gravita para a Terra e esta para o Sol.
Mas as manifestações exteriores da adoração não são necessárias.
No item 653 vemos a clara resposta dos Espíritos a
respeito: ’A verdadeira adoração é a do coração. Em todas as vossas ações,
pensai sempre que o Senhor vos observa’. A vida contemplativa é condenada,
porque inútil, assim também a monacal, pois Deus não quer o cultivo egoísta do
sentimento religioso, mas a prática da caridade, a experiência viva e constante
do amor, através das relações humanas.
O Livro dos Espíritos
não deixa de lado o problema do culto religioso,
que necessita manifestar a sua religiosidade: essa manifestação se verifica nas
formas naturais de adoração, uma das quais é a prece. Pela prece o homem pensa
em Deus, aproxima-se dele, põe-se em comunicação com ele. É o que vemos a
partir do item 658. Pela prece, o homem pode evoluir mais depressa, elevar-se
mais rapidamente sobre si mesmo. Mas a prece também não pode ser apenas formal.
Por ela, podemos fazer três coisas: louvar, pedir e agradecer a Deus, mas desde
que o façamos com o coração, e não apenas com os lábios.
Temos assim a religião espírita, que mais tarde se
definirá de maneira mais objetiva ou direta
Anos mais
tarde, no livro O Tesouro dos Espíritas,
por ele traduzido, Herculano Pires voltou ao tema. Eis então, de forma
sintética, o que ele escreveu:
O
Espiritismo é a Religião em espírito e verdade, de que Jesus falou à mulher
samaritana. Mas há espíritas que não compreendem isso e negam a religião
espírita. “É possível tirarmos do Espiritismo a fé em Deus e a lei da
caridade?” (O Tesouro dos Espíritas, p.
174.)
Todo o
problema, que tanta celeuma tem levantado entre alguns irmãos intelectuais, se
resume na falta de compreensão do que seja religião. Os confrades antirreligiosos
gastam tinta e papel em quantidade por quererem provar um absurdo. “Alegam
que Kardec se recusou a chamar o Espiritismo de religião. Mas o próprio Kardec
explicou por que o evitou – não se recusou, mas apenas evitou – chamar o
Espiritismo de religião: não queria confundir uma doutrina de luz e liberdade
com as organizações dogmáticas e fanáticas do mundo religioso.” (Obra citada, pp. 174 e 175.)
Todo homem
de cultura hoje compreende que religião não é igreja, mas sentimento. Henri
Bergson ensinou que há dois tipos de religião: a social, que é dogmática e
estática, e a individual, que é livre e dinâmica. Assim pensava também Henrique
Pestalozzi, para quem a religião verdadeira é a Moralidade. Vemos aí um dos
motivos por que Kardec dizia que o Espiritismo tem consequências morais, em vez
de referir-se a consequências religiosas. “Hoje em dia, o Codificador não teria
dúvida em falar de religião, porque o conceito atual de religião é muito mais
amplo.” (Obra citada, pp. 175 e 176.)
O
Espiritismo tem três aspectos, como sabemos: o científico, no qual ele se
apresenta como ciência de observação e investigação, tratando dos fenômenos
espíritas; o filosófico, no qual procura interpretar os resultados da
investigação científica e dar-nos uma visão nova do mundo; e o religioso, no
qual nos ensina como aplicar, na vida prática, os princípios da filosofia
espírita. “Queremos, acaso, ficar apenas nos princípios, sem aplicá-los?” (Obra citada, p. 176.)
Em
face de tão claras observações, é difícil compreender os argumentos dos que
pensam de forma diferente, mas, sem dúvida alguma, cabe-nos respeitar as
opiniões contrárias e não permitir que sejam motivo de animosidade entre os próprios
adeptos do Espiritismo.
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