CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@hotmail.com
De Londrina-PR
Foi assim que a alma da jovem
menina se acalmou: com o seu próprio recolhimento.
Fora de si, um mundo sem parada
e com diferenciados ruídos brandia vorazmente, mas no interior da jovem a paz
finalmente construíra um lar para a sua morada, para a harmonia da alma,
espírito secular.
Até aquele momento, Marie vivera
muita perturbação externa e inquietude interior. A vida material era muito
restrita, para não dizer, quase escassa. A comida era contada, existia mesmo
para o corpo sobreviver. E todas as coisas materiais, retratando somente as
mais básicas, havia em quantidade realmente limitada. No entanto, o desconforto
maior para a jovem era o relacionamento tão áspero e infeliz que passava no lar,
na verdade, em casa com a família, pois lar será chamado quando o amor, o
respeito, o entendimento existirem entre os participantes do grupo familiar,
senão todos os três, mas pelo menos um deles com a sabedoria de que os outros
dois também existem para serem desenvolvidos.
Os pais não se entendiam, tão
menos se respeitavam, e com as demais adversidades, realmente, o ambiente se
tornava desequilibrado e quase inabitável.
De mansinho, a jovem menina
deixava o casebre e buscava o lugar que a acalmava, o alto do Morro da Luz,
local bem próximo de onde morava. Recebera esse nome por ser um morro solitário
no meio de um descampado plano; ele recebia antecipadamente a luz da lua.
E era para lá que Marie rumava
quando a situação em casa estava ainda mais comprometida que de costume. No
morro, a jovem se sentava em cima de um pedacinho de papel que sempre levava e
tanto olhava a magnífica lua tentando obter respostas para as suas questões,
sossego para o seu coração.
Foi em mais uma noite assim,
numa conversa com a lua, que seu amigo se aproximou, sentou-se ao seu lado no
morro e, em paz e quieto, também passou a observar a senhora do céu.
Maravilhosamente, o luar
brilhava na calma tão própria e clara, na grandeza de sua conquista humilde e
eterna. E isso impressionava a jovem franzina. E no morro não havia flores, só
mesmo uma plantação rasteira e ressequida, mas nele a luz da lua chegava antes.
E Marie, percebendo a companhia,
começou a dizer:
– Que bom que veio, Frédéric.
Estava precisando mesmo conversar, não me lamentar, somente conversar um pouco.
– Sim, minha amiga. Estou aqui.
Como foi o seu dia? – o amigo quis saber.
– Meu dia foi como muitos
outros, mas o mais importante é que pude viver e nada de pior me aconteceu, nem
à minha família ‒ a jovem, contentada, falou.
– Sim, Marie. Quando se passa um
dia sem percalço também é muito relevante e apreciável. E muito se deve
agradecer ‒ o amigo completou.
– A comida não foi suficiente,
mas não passamos a fome de um tempo atrás, então, já é um presente. Meu pai não
nos espancou, bêbado, quando chegou do trabalho. Minha mãe não foi humilhada
quando foi levar a roupa limpa e passada à sua cliente da alta sociedade. Meus
irmãos não choraram de dor na barriga. O nosso cãozinho teve um pouco de comida
para se manter. Pude ir à escola, mesmo que descalça. Recebemos alguns baldes
de água potável. E ainda com tanta vontade, ganhei da vizinha um pedaço de bala
de açúcar derretido e enrolado como bolinhas. Quantos presentes, Frédéric,
pudemos receber! Tanto agradecemos ao Senhor ‒ concluiu a jovem.
– Pois bem, Marie, e tantos mais
pudemos vivenciar só por hoje. Como poder viver mais um dia; ter a liberdade
para ir e vir; estar com pessoas que amam mesmo que seja do seu jeito, no
entanto, amam; poder ver o céu e agora as estrelas; sorrir para quem se quer
bem; aproveitar a oportunidade de cada novo tempo; conscientizar-se da oração
para apaziguar ou simplesmente agradecer; sentir o perfume, mesmo que de poucas
flores, ainda assim, são flores; sentir o vento nos abraçar; saber que embora
esteja uma situação não muito agradável, mas somos participantes da vida e tudo
tende a se transformar, a se melhorar; lembrar-se sempre da existência de Deus,
nosso Criador e Senhor; recordar que o sol nasce sempre para um novo amanhecer.
E assim ficaram mais um
pouquinho conversando, a jovem e seu amigo.
De longe, somente a figura da
jovem era contornada e presente, mas ela continuava dialogando com seu amigo
enviado, como fazia nas noites estreladas e nos momentos mais necessitados da
luz e da sabedoria do amparo divino.
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