sábado, 21 de junho de 2014

O humanitismo de Quincas Borba na atualidade


JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

Salut!
Aderindo ao humanitismo de Quincas Borba, Genebaldo não perdia uma só conferência do grande orador Francelino Perivaldo, depois que essa filosofia se tornou popular. Desse modo, nunca lhe esquecera a Genebaldo uma certa exortação francelina ao término de brilhante palestra deste, como de resto ocorria em suas demais apresentações. Ante lotado auditório de cerca de 501 pessoas,  sendo que estava presente de fato, em espírito, apenas uma, o palestrante apelou:
— Queridos irmãos humanitistas, compareçam e convidem vossos amigos, parentes e conhecidos a participarem de meu seminário no dia X, às 20h, na casa Y. Na saída deste centro de convenções, recebereis convites impressos, ao módico preço de dez centavos cada um, cuja arrecadação servirá simplesmente para cobrir os gastos com divulgação e organização do evento.
Aqueles que puderem mais adquiram cem ou mais convites, os que puderem menos, comprem ao menos um; e quem nada puder pagar, leve, assim mesmo, dez convites gratuitos. O importante é divulgar nosso brilhante trabalho em prol do humanitismo.
Aplausos, vivas e hurras foram ouvidos estridentemente nesse instante. E Genebaldo saiu dali refletindo em como era importante divulgar uma filosofia de vida tão bela como aquela. Foram arrecadados trinta e três mil euros e trinta centavos.
Passou então a estudar a nova filosofia durante os dois anos em que pôde conviver com o admirável Francelino. Em seu entusiasmo, editou um jornalzinho, por conta própria, no qual também expunha suas conclusões e contribuições decorrentes dos estudos feitos sobre o humanitismo, a seu ver a mais completa filosofia já criada por alguém na Terra.
Certo dia, porém, foi surpreendido com uma crítica severa de Perivaldo, em palestra pública deste. Embora o tribuno não citasse nome, recriminava veementemente as pessoas “exibidas” que buscavam a autopromoção, a pretexto de divulgar a nova filosofia. Percebendo a indireta, Genebaldo entristeceu-se, mas não arrefeceu seu entusiasmo. Refletiu que o que ouvira apenas expressava a fome de humanitas... E continuou a divulgar os novos princípios com redobrado amor e humildade.
O tempo passou, Genebaldo mudou-se para outra cidade. Ali, conheceu novo grupo de adeptos do humanitismo coordenado por Rubião. Resolveu então participar de um estudo organizado por seu coordenador, que estava a serviço do grande chefe da organização local, o Palha. Já no primeiro dia de sua presença, ouviu a recomendação do coordenador do estudo, o Rubião, para que ninguém ali tentasse alcançar posições de destaque, haja vista que um dos princípios humanitistas é o de que o mal não existe. Consequentemente, para o bem geral, seria necessário que apenas o humanitas prevalecesse. E completou dizendo que havia diversas formas de alguém buscar o destaque pessoal e trabalhar em prol da realização de seus interesses pessoais. Todas condenáveis.
Uma delas tinha por objetivo alcançar bens materiais; outra, ascendência sobre as pessoas; outra ainda, bens espirituais. Todas elas estavam erradas, pois antes de mais nada era preciso satisfazer a fome de humanitas e apenas nisso estava o nosso dom da imortalidade.
Humanitas, como princípio da filosofia humanitista, é a síntese do universo, e este é o homem. Assim, pois, não existe morte nem morto, vez que o fim de uns resulta na continuação de outros. Numa guerra por alimentos, humanitas se materializa no vencedor. Se o alimento é um campo de batatas, não pode haver sua divisão entre os dois povos que as disputam, porque desse modo o alimento seria escasso para ambos os lados. Assim, a guerra se justificaria pela plena satisfação à fome de humanitas. Ao vencido, ódio ou compaixão; “ao vencedor, as batatas”.
Quarenta anos depois, Genebaldo observou a justeza dessas colocações. O tribuno humanitista tornou-se destaque em sua pátria, recebendo de humanitas farta provisão de alimentos, que lhe proporcionaram adquirir outro dom: a saúde física e espiritual. O coordenador dos estudos ascendeu a diretor de sua casa humanitista; e Genebaldo descobriu que era insubstituível, pois assim como só existiu um Beethoven, só existiria um Genebaldo, o bolha.
A única condição imposta a Genebaldo por humanitas foi a de deixar as batatas ao vencedor e contentar-se em ser  bolha de água fervente que a manipula  eternamente, em seu nascer e renascer, assim como ocorreria com o próprio Quincas Borba, que nada mais era do que a reencarnação de Santo Agostinho.
Não entendeu, amiga leitora? Leia então meu romance Quincas Borba e tente compreender a mensagem subliminar que ali está.
Au revoir.



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