terça-feira, 17 de outubro de 2017

Contos e crônicas






Os desenhos de Apolline

CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@gmail.com
De Londrina-PR

Quando ouvia o sino da matriz, principalmente, às dezoito horas, quando saía da escola e já havia cumprido o compromisso escolar, seu batimento acelerava como um despertar no tempo atual talvez por algum fato do passado, mas o coração de oito anos de Apolline era ainda tão jovem.
E o sino batia quando ela passava em frente à igreja na volta para casa. De segunda à sexta era assim. Nos fins de semana, ou se estava brincando ou fazendo a tarefa, parava, fechava os olhinhos e ouvia o som. Isso acontecia desde que a menina era bem mais novinha. Os pais achavam graça, porém, era tão profundamente que Apolline sentia.
Começou, há pouco tempo, desenhar uma casa com arquitetura mais antiga; a menina desenhava muito bem. Depois vieram o jardim, o campo de flores em volta que se estendia a alguns quilômetros, os animais ‒ quando desenhou um pequeno cachorro branco, a menina sorriu ‒, até que começou a preencher o desenho com algumas pessoas. Após a casa, vieram vários quadros de desenhos. A sequência desenvolvia-se cada dia um pouquinho.
E o tempo passava. Até que num sábado de manhã, depois de ter ouvido o sino tocar às dez horas, Apolline veio até a cozinha onde os pais estavam e disse-lhes que gostaria de mostrar-lhes os desenhos, estavam terminados. Os pais sorriram e pediram-lhe que os trouxesse.
A menina, como um corisco, foi buscá-los em seu quarto. Pegou as várias folhas desenhadas, organizou-as apoiando-as na escrivaninha e, como um raio, voltou à cozinha. Os pais estavam sentados à mesa aguardando-a. A filha colocou as folhas sobre a mesa. Eles sempre lhe deram muita atenção e amor.
Como as folhas estavam sequenciadas, à medida que eles fossem passando-as uma história começava a ser criada. Desde o primeiro desenho, os pais se surpreenderam com o que viram. Os detalhes eram muito encantadores e, ainda nas primeiras folhas, os pais já haviam desmanchado o sorriso e uma surpresa bem definida estava no semblante do casal.
O que os surpreendeu era a própria época, há uns cem anos. Aquela arquitetura, detalhes, cores, eram os mesmos questionamentos que os dois faziam mentalmente. E a filha passava-os e explicava-os com a desenvoltura de quem sabia, de fato, o que estava fazendo. E a pequena apontava algumas partes e lhes trazia as explicações. Foi um total de quinze folhas desenhadas.
A surpresa no olhar dos dois era evidente, pois estavam com os olhos arregalados e quase não piscavam. E passaram todas as folhas até chegarem à última. No fim desta, ao lado direito, estavam duas letras, poderiam ser as iniciais de algum nome ou informação. E o pai não perdeu tempo e logo lhe perguntou qual era o significado. A filha não tinha argumentações prontas nem convincentes, apenas falou com sinceridade que quando terminou os desenhos apenas fez, com muita rapidez, as duas letras.
Após a resposta, o pai, simples, mas com gosto e certo entendimento por desenhos e arte, lembrou-se de que havia folheado, numa livraria, um dia desses, um livro de grandes arquitetos dos séculos XIX e XX e uma das obras arquitetônicas apresentadas era de uma famosa arquiteta que assinava o esboço e suas obras com as mesmas letras e caligrafia com que Apolline fizera.
Os três ficaram quietos ora olhando-se, ora olhando o desenho.
O sino tocou mais uma vez no horário do meio-dia.
Ainda nesse livro, estava escrito que a mesma arquiteta amava o som do sino e adorava seu cão branco, companheiro e tão querido.

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