O discípulo ambicioso
Irmão X
Quando Judas, obcecado pela ambição, procurou
avistar-se com Caifás, no Sinédrio, trazia a cabeça incendiada de sonhos
fantásticos. Amava o Mestre - pensava, presunçoso -, entretanto, competia-lhe
cuidar dos interesses d’Ele.
A vaidade absorvia-o. A paixão pelas riquezas
transitórias empolgava-lhe o espírito. Despreocupado das necessidades próprias,
intentava resolver os problemas do Senhor, perante as forças políticas do
tempo. Valer-se-ia da influência prestigiosa dos sacerdotes, movimentaria
Jerusalém, tomaria o cetro do povo israelita, em obediência às tradições dos
reis e juízes do passado e, logo que fosse consolidado o poder, restituiria a
Jesus a direção, a honra, a chefia... O Mestre ensinava a concórdia, a
tolerância, a paciência e a esperança, mas, como efetuar as reformas
necessárias, através de simples atitudes idealistas?
E o discípulo, em atitude de homem escravizado à
ilusão, aguardava Caifás, que não se fez esperar muito tempo.
Na sala enorme, iniciaram discreta conversação.
O sumo-sacerdote, após abraçá-lo com fingida
simpatia, observou, em tom cordial:
- Com que então o Templo tem a felicidade de
contar com a sua valiosa colaboração!
- Ah! sim, é verdade - exclamou o leviano
aprendiz, sentindo-se envaidecido.
Caifás, consciente da própria importância na
administrarão de Jerusalém, voltou a dizer:
- Precisávamos de alguém, com bastante coragem,
para salvar o Messias Nazareno.
- Oh! Sim - disse Judas, contente -, compreendo a
situação.
- De fato - prosseguiu o chefe do Templo -
necessitamos de um rei que nos restaure a liberdade política e, em boa hora, os
galileus nos oferecem tal oportunidade. Aliás, tenho muito prazer em tratar com
a sua pessoa, homem providencial na realização, que não perde tempo com
palavras ociosas. Tentei abordar indiretamente outros homens daqueles que
acompanham o Nazareno, porém todos eles, ao que me pareceu, são esquivos e
indecisos. Creia, no entanto - e elevou muito o diapasão de voz, impressionando
o interlocutor pela segurança verbal -, creia, porém, que o seu gesto, anuindo
aos nossos propósitos, apressará a vitória do Messias, conferindo elevados
títulos aos seus companheiros. Terão eles destacada posição de domínio e
sentar-se-ão na assembleia mais alta do povo escolhido. É tempo de libertação
e, certo, Jesus é o rei que Jeová nos envia.
Judas não cabia em si mesmo, tal o contentamento
que lhe tornava o coração. Preocupado, no entanto, com a situação do Profeta, a
quem tanto devia, perguntou, humilde:
- E o Mestre?
Dissimulou Caifás os sentimentos sinistros que lhe
vagavam na alma e respondeu em voz quase doce:
- Compreenderá, certamente, a necessidade das
medidas aparentemente rigorosas. O Mestre, por exemplo, segundo o plano
estabelecido, será preso, por uma questão de segurança pessoal. Será detido, a
fim de que se coloque a salvo de qualquer incidente desagradável, enquanto nos
valeremos da grande aglomeração de patriotas na cidade para proclamar a nossa
independência. Liquidada a vitória inicial, com a submissão das autoridades
romanas, coroaremos o Messias, que ostentará o cetro do poder.
O discípulo exultava.
Conhecedor antigo dos efeitos da lisonja nos
corações indisciplinados e invigilantes, Caifás continuou:
- O meu prestimoso amigo, até que se resolva a
situação em definitivo, chefiará os companheiros e receberá as homenagens que
lhe são devidas. Tomará o lugar do Messias, provisoriamente, e ditará ordens,
até que ele próprio, com a garantia desejável, possa assumir o poder.
Satisfeitíssimo, o visitante indagou:
- E que devo fazer inicialmente?
O sacerdote perspicaz respondeu com naturalidade:
- Não temos tempo a perder. Formaremos a
documentação necessária.
- Como devo fazer? - perguntou ainda o aprendiz
enganado.
- Chamarei as testemunhas - esclareceu o sumo
sacerdote - e, perante nós, responderá afirmativamente a todas as interrogações
que lhe forem dirigidas. Não precisará informar-se quanto a particularidade
alguma. Bastará responder “sim” a todas as perguntas formuladas. Posso dispor
de sua lealdade?
Judas não hesitou. Estava decidido a seguir as
instruções, de modo incondicional.
Mais alguns minutos e organizou-se pequena
assembleia, com juízes e testemunhas. Dois escribas perfilaram-se para fixar as
declarações. Formada a reunião, o sumo sacerdote chamou o denunciante e iniciou
o interrogatório:
- É discípulo de Jesus, o Nazareno?
Confiante, Judas respondeu:
- Sim.
- Vem fazer declarações ao Sinédrio, como judeu
convicto da santidade da lei?
- Sim.
- Afirma que o Messias Nazareno pretende ser o rei
de Israel?
- Sim.
- Assegura que ele promete a revolução contra o
poder de César e a autoridade de Antipas?
- Sim.
- É verdade que Ele odeia os romanos?
- Sim.
- Deseja, de fato, aproveitar a Páscoa, para
começar a rebelião?
- Sim.
- Declarará a emancipação política de Israel,
imediatamente?
- Sim.
- Promete lutar contra quaisquer obstáculos para
derrubar as combinações políticas existentes entre Roma e esta província, no
sentido de coroar-se rei?
- Sim.
De posse das declarações comprometedoras, Caifás
interrompeu o inquérito, mandou que Judas esperasse na antessala e iniciou
providências junto de romanos e judeus, para que Jesus fosse preso,
imediatamente, como agitador político e explorador da confiança pública.
Em breves horas, um grupo de soldados postava-se
nas vizinhanças do Templo, à espera da ordem final, e Caifás, compensando Judas
com algum dinheiro, fez-lhe sentir a necessidade de sua orientação na prisão
inicial do Messias, assegurando que, em breve tempo, se cumpriria a redenção de
Israel.
O discípulo invigilante foi à frente de todos e
encaminhou a triste ocorrência.
E, quando os fatos marcharam noutro rumo, debalde
o Iscariote procurou avistar-se com as autoridades, tão pródigas em promessas
de poderes fascinantes.
Findo o processo de humilhações, encarceramento,
martírio e condenação de Jesus, o aprendiz infiel conseguiu encontrar o sumo
sacerdote e alguns intérpretes da lei antiga, em animada conversação no
Sinédrio.
Em lágrimas, Judas rogou que fosse interrompida a
tragédia angustiosa da cruz, e sentindo, tarde embora, que fora vítima da
própria ambição, devolveu as moedas de prata, exclamando, de joelhos:
- Socorrei-me!... Cometi um crime, traindo o
sangue inocente!... A vaidade perdeu-me, tende compaixão de mim!...
Os interpelados, porém, como velhos representantes
da ironia humana, responderam simplesmente:
- Que nos importa? Isso é contigo...
Do livro Lázaro
Redivivo, obra psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.
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