Vivendo como porcos
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
Disse
Jesus: — “Não deiteis as coisas santas aos cães, nem atireis vossas pérolas aos
porcos”. (Mateus, 7:6.)
Os
evangelhos citam diversas frases de Jesus que nos demonstram o Amor Divino pelos
vegetais e animais, como aquela em que Ele recomenda-nos não nos preocupar com
o dia de amanhã, pois até as aves do céu e os lírios do campo são objeto da
previdência e providência do Pai.
Em
seguida, ressalta que o zelo de Deus é muito maior conosco, seus filhos, do que
com os demais seres da criação.
Os
Espíritos já haviam informado a Kardec sobre a questão da evolução do ser, da
inércia aparente à condição moral. No reino mineral, a matéria é “inerte”; no
reino vegetal, surge a sensibilidade e a vitalidade, junto da “matéria inerte”;
no animal, estão presentes a “matéria inerte”, a “vitalidade” e “uma espécie de
inteligência instintiva, limitada, e a consciência de sua existência e de sua
individualidade”. Por fim, o ser individualizado adquire “consciência do seu
futuro, percepção das coisas extramateriais e o conhecimento de Deus” (questão
585 d’O Livro dos Espíritos). É este o ser humano.
Ou
seja, as plantas não “têm consciência de sua existência”, pois “só têm a vida
orgânica” (op. cit., q. 586). Alguns animais são dotados pela natureza
de capacidade física superior à dos homens, mas agem predominantemente por
instinto, embora muitos já demonstrem “vontade determinada” e “inteligência
limitada” às suas necessidades materiais (id., q. 593). Seu
“desenvolvimento intelectual”, entretanto, “sempre bastante limitado, é devido
à ação do homem sobre uma natureza maleável, pois não há nenhum progresso que
lhe seja próprio” (id, ibid.), ao contrário do que ocorre com os seres
humanos.
Algo
muito louvável em nosso tempo é o respeito e os cuidados que a Sociedade
Protetora dos Animais tem empreendido na defesa da vida e do bem-estar de
nossos irmãos inferiores, em especial, cães e gatos. O Brasil é o
segundo país do mundo em número de animais de estimação. Dentre 74 milhões
destes, 70% são cães e 30% são gatos.
Já
disse aqui, certa vez, que me entristeci com o que ouvi de pessoa possuidora de considerável teoria espiritual,
mas que pôs o direito canino acima da justiça humana: “— Se me
deparasse com um cachorrinho se afogando e com uma criança na mesma situação, e
tivesse de escolher quem salvar, optaria por salvar o cachorro, pois a criança
pode estar passando por uma expiação, e o animal, não”. Conhecimento incompleto
sobre a Justiça Divina, que, se nos põe ante tal situação, é para que salvemos
a criança em primeiro lugar.
Fiz
pesquisa, também, sobre o número de órfãos que aguardam adoção em nosso
país: 47.000 crianças e adolescentes.
A fila
de pretensos adotantes é grande. O problema é que eles procuram crianças
inexistentes em adoção: desejam crianças brancas, de até quatro anos, sem
doença e sem irmãos. Com isso, milhares de crianças e adolescentes ficam em
abrigos e casas de acolhimento até os dezoito anos de idade.
Agora,
vou narrar cena chocante que vi há poucos dias. Ao sair do comércio, com minha esposa,
caminhávamos em direção ao carro, estacionado próximo do local, quando ela me
disse ter avistado, do outro lado da rua, uma mulher idosa colocar dentro de contêiner,
destinado a restos de alimentos e lixo, um menino com cerca de três anos de
idade. Sua intenção era a de que a criança, raquítica, recolhesse, no fundo da
lixeira, algum alimento em condição de ser reutilizado ou mesmo saciasse sua
fome com isso.
O
bicho,
poema de Carlos Drummond de Andrade, perdeu espaço para o novo animal, pois
aquele era um homem e este, quase um bebê.
No
princípio, não acreditei, pois apenas avistei a distância dois grandes contêineres.
Ao lado destes, três senhoras. Segundos depois, entretanto, vi quando, levantada
pelos braços da idosa, emergia, do fundo da lixeira, aquela criança negra,
extremamente magra e sem camisa. Talvez tenha comido restos de alimentos podres!
Em resposta
à pergunta de Kardec se a alma dos animais é semelhante à dos homens, ele é
informado de que “Entre a alma do animal
e a do homem há tanta distância quanto a que existe entre a alma do homem e
Deus” (op. cit., q. 597a). Entretanto, o que vemos é seres humanos
vivendo em situação mais degradante do que a de muitos animais. E isso desde os
primeiros anos de sua atual existência!
Tal
absurdo, ainda em nossos dias, faz-nos refletir sobre a resposta anterior dos
Espíritos a Allan Kardec na questão 592:
— Se
compararmos o homem e os animais em relação à inteligência, parece difícil
estabelecer uma linha de demarcação, porque alguns animais têm, sob esse
aspecto, notória superioridade sobre certos homens. Essa linha de demarcação
pode ser estabelecida de maneira precisa?
—
Quanto a esse ponto, os vossos filósofos não estão de acordo em quase nada. Uns
querem que o homem seja um animal, e outros que o animal seja um homem. Todos
estão errados. O homem é um ser à parte, que desce muito baixo algumas vezes ou
que pode elevar-se muito alto [...]. Pobres homens, que vos situais abaixo dos
brutos! Não sabeis distinguir-vos deles? Reconhecei o homem pela faculdade de
pensar em Deus.
Essa
consciência plena de nossos atos segue conosco, ao contrário do que ocorre com
os animais, cujo livre-arbítrio é limitado à sua vida orgânica.
No ser
humano, o amplo exercício do livre-arbítrio acarreta consequências morais que
se estendem além da vida física. Cientes disso, percebemos que não podemos
violar as Leis Divinas, como nos diz o
Espírito Antero de Quental no poema intitulado Deus:
Largos
anos passei, aí no mundo,
A
pensar, meditando na existência
De
Deus — o Ser de paz e de clemência,
Fonte
de todo o amor puro e fecundo.
Eu
fiz, na sua busca, estudo fundo
Através
toda a humana consciência,
E dos
ínvios caminhos da Ciência
Pela
Terra, no Mar, no Céu profundo.
Bem
desejava achá-lo, amá-lo e vê-lo,
E
servi-lo, adorá-lo e conhecê-lo,
Em
doce crença inalterável, viva.
Mas
não o vi jamais, porque, mesquinho,
Enveredei
aí por mau caminho:
— O
trilho da ciência positiva.
II
Eu
devia buscá-lo onde Ele mora:
Na
suma perfeição da Natureza,
E no
esplêndido encanto e na beleza,
Do
Céu, do Mar, da Lua, da Fauna, e Flora.
Eu
podia encontrá-lo em cada hora
Nessa
vida: — no amor, e na Pureza,
Na Paz
e no Perdão, e na Tristeza,
E até
na própria Dor depuradora.
Mas eu
andava cego e nada via;
E a
Vaidade escolheu para meu guia
A
Ciência falaz, enganadora!
Se o
guia fosse a Fé ou a Bondade,
Vê-lo-ia
daí na Imensidade
Como,
em verdade, O vejo em tudo agora.
(In:
LACERDA, F. de. Do País da Luz. FEB, v. 3)
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