sexta-feira, 1 de novembro de 2019




A morte e os seus mistérios

Ernesto Bozzano

Parte 5

Continuamos o estudo do clássico A morte e os seus mistérios, de Ernesto Bozzano, conforme tradução de Francisco Klörs Werneck. O estudo será aqui apresentado em 24 partes. Nossa expectativa é que ele sirva para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do texto abaixo. 

Questões preliminares

A. Pode um Espírito, no fenômeno de transfiguração, reproduzir o semblante de outro Espírito?
B. A “força organizadora” plasmadora dos seres vivos atua de forma automática?
C. Por que o caso 12 é considerado por Bozzano um exemplo único em toda a classe dos fenômenos de transfiguração?

Texto para leitura

65. Gabriel Delanne, no 2° volume da sua obra Les apparitions materialisées dos vivants et des morts (pág. 318), observa: "Existe um incidente que parece confirmar a hipótese de que o Espírito tenha o poder de modificar o ‘corpo espiritual’ e isto até o ponto de conferir-lhe uma aparência radicalmente diversa da sua própria. Ora, ainda uma vez se devem examinar a fundo os fatos, se não se quiser perder-se atrás de uma falsa pista. É verdade que o Espírito desencarnado pode à sua vontade retomar uma das formas que teve, ao voltar à Terra, reaparecendo materializado, seja como era no momento da morte, seja como era em outra época da sua vida. Mas, de assumir a fisionomia de outro se interpõe um abismo e eu não conheço exemplos de Espíritos que, voluntariamente, se tenham transformado até tomar o semblante de outro Espírito de defunto."
66. Assim disse Delanne, mas, se teve a intuição da verdade, não se deteve em comentar por quais considerações científicas a afirmativa de tal verdade se mostra legitimamente válida.
67. Apresso-me, pois, a salientar como isto serve de base para uma prova por analogia fundamental e formidável, porquanto versa sobre processos biológicos e morfológicos que determinam a organização dos seres vivos, processos que se resumem no grande fato de que uma misteriosíssima "força organizadora", imanente em todos os seres vivos e diversa em cada um deles, preside a origem da vida, a qual, no plano da existência encarnada, age ocultamente dos seres que vai plasmando.
68. Sendo essa a lei, daí se infere que, se o Espírito sobrevive à morte do corpo, então também a "força organizadora" é uma faculdade dele que deve, por sua vez, sobreviver à morte do corpo; e, assim sendo, dever-se-á reconhecer que nos fenômenos das "transfigurações", das "materializações" e das "fotografias transcendentais", quando resultam de natureza espírita, é a mesma "força organizadora" plasmadora dos seres vivos, aquela que retoma automaticamente as próprias funções não apenas estimulada pela vontade do defunto sem que necessite aí de pressupor uma ação direta, intencional, em tal sentido, do próprio defunto, assim como a mesma "força organizadora" age automaticamente na organização e plasmação dos seres vivos, sem que precise aí ainda do concurso intencional dos seres vivos que essa vai plasmando.
69. Do exposto resulta que, nos casos em que o automatismo da "força organizadora" se mostra de natureza subconsciente ou de natureza anímica, o médium não poderá fazer outra coisa senão reproduzir a própria forma exteriorizada, materializada ou fluídica, animada e inteligente, assim como existia em qualquer época da sua vida, isto é, não poderá jamais tomar o semblante animado e inteligente de uma terceira pessoa, visto que se é verdade, como indubitavelmente é verdade, que a "força organizadora" age automaticamente, então isto equivale dizer que essa tem o poder de reproduzir e não o de criar. E, ao contrário, nos casos em que o automatismo se mostra de natureza extrínseca ou espírita, o defunto comunicante não poderá fazer outra coisa senão reproduzir, por sua vez, a própria forma materializada ou fluídica, animada e inteligente, tal como existia em qualquer época da sua vida, e jamais reproduzir a forma animada e inteligente de outro Espírito, porque, repito, a "força organizadora", por ser um automatismo, reproduz e não cria.
70. Resulta daí que estes simples, mas inabaláveis, argumentos de fato bastam por si sós para demonstrar que a hipótese por mim defendida parece irrefutável, visto que, se se trata de um processo automático, então é verdade que tal automatismo não poderá fazer outra coisa senão reproduzir formas e rostos plasmados automaticamente e nunca criar novos, porquanto criar novos subentende-se um processo ativo e intencional, e já não passivo e automático.
71. Torna-se, pois, evidente, no que se refere aos fenômenos de materializações de fantasmas e rostos animados e inteligentes, que são estes os limites em que deverão ser circunscritos os poderes modeladores do Espírito humano, encarnado ou desencarnado, limites impostos pelos fatos de que o pensamento e a vontade não têm poder dirigente sobre a misteriosíssima "força organizadora" e criadora das "formas arquétipos" individuais, "força organizadora" que se identifica com a "ideia diretriz" pressentida por Claude Bernard, como se identifica com a teoria do "impulso vital criador" de Bergson e com a outra teoria análoga de Geley, sobre a existência de um "dinamismo vital organizador" posto nas fontes da vida, ao passo que tudo concorre para fazer presumir que, na manifestação de tal mistério imperscrutável do ser, nós assistimos ao manifestar, nos mundos, de um atributo da imanência divina do Universo.
72. Vemos, em conclusão, que o Pensamento e a Vontade teriam, ao contrário, poder diferente no vasto campo da natureza inanimada, vale dizer, no domínio das criações puramente plásticas ou artísticas. Isto posto, e tornando aos fenômenos de transfiguração, concluiremos observando que se é verdade, como indubitavelmente é verdade, que as considerações expostas provam que os "Espíritos encarnados" e os "desencarnados" não têm poder dirigente sobre a modalidade pela qual funciona automaticamente a "força organizadora" e plasmadora da Vida nos mundos, então, quando se obtém um rosto radicalmente diverso do semblante do médium, se deverá inferir que a "forma organizadora" em ação não é a do médium, mas uma outra a esse extrínseca, isto é, o Espírito que sobre ele atua.
73. O Caso 12, pela excepcional modalidade de produção, é exemplo único em toda a classe dos fenômenos de transfiguração. Diz o Sr. James Smith, de Melbourne, em um interessantíssimo opúsculo intitulado: How I became a Spiritualist (Como me tornei espiritualista), que teve o primeiro contato com a fenomenologia mediúnica graças ao auxílio de um médium de "transfiguração".
74. No livro citado, narra ele o seguinte: "Pelo fim do ano de 1870, a curiosidade impeliu-me a procurar uma senhora idosa que residia em Charlton, em um casebre composto de três aposentos e tinha fama de ser um médium extraordinário. Eu esperava colhê-la em fraude, mas, pela segunda vez que a procurei, achei-me em face de uma manifestação estupefaciente. Ela era alemã e esposa de um alfaiate ambulante. Não tivera educação alguma; sua conversação era vulgar e sua personalidade destituída de qualquer atrativo. Enquanto, com os meus botões, fazia essas observações, ela caiu em transe, seu corpo foi abalado por uma sacudidela convulsiva, assaz penosa, e pouco depois, pela sua boca, se manifestou uma personalidade inteligentíssima, que não podia certamente identificar-se com a do médium. A acentuação tedesca da sua palestra desaparecera totalmente; assumira uma atitude grave e digna, a linguagem tornara-se característica e elegante, de maneira que, inesperadamente, me foi dado ouvir uma conferência interessantíssima sobre a evolução cosmogônica; e quem me falava dizia ter vivido na Terra anteriormente a qualquer aurora histórica...”.
75. A narrativa prossegue: “Em seguida, eis que se manifesta uma outra entidade espiritual que se mostrou profundamente versada nas indagações etnológicas; e, depois de me ter descrito os doze tipos principais de gênero humano, assim continuou: ‘Se na próxima vez vieres acompanhado do amigo Vievers, que é um hábil desenhista, nós te mostraremos sucessivamente, sobre a cara desta mulher, os doze tipos primitivos da raça humana. Naturalmente no dia seguinte voltei, juntamente com o amigo desenhista e a entidade manteve a palavra. Meu amigo logrou traçar, em bem sucedidos esboços, os doze tipos da humanidade primitiva tais como apareceram sobre o semblante transfigurado do médium, alguns dos quais eram a tal ponto repulsivos que causavam espanto. O amigo Vievers remeteu-me cópias que ainda conservo cuidadosamente. Os tipos aparecidos foram os seguintes: o Caraíba, o Asiático do norte, o Europeu do sul, o Africano, o Malaio e o Peruano. Como disse, alguns dos rostos eram horríveis de ver-se e isto a ponto do meu amigo Vievers se espantar com eles de tal maneira que, em dado momento, só com dificuldade cheguei a impedir que atirasse fora o lápis e fugisse.”
76. Segundo o Sr. Smith, cada tipo daquelas transfigurações se manteve por tempo bastante longo, pois que a entidade fornecia interessantes informações em torno da história de cada um deles, informações que ele transcrevia rapidamente.
77. À primeira vista dir-se-ia que esta sucessão de "tipos" representantes das raças primitivas da humanidade consistiria em projeções intencionais, não mais automáticas, de verdadeiras máscaras plásticas, criadas para a circunstância, pela vontade da entidade comunicante, assim como as modelaria plasticamente um escultor no mundo dos vivos, mas, se tomarmos na devida consideração algumas palavras com que se exprimiu a personalidade mediúnica comunicante, então será preciso concluir que também neste caso extremo, o qual se mostra único em toda a casuística dos fenômenos em apreço, também neste caso excepcional, se encontre em ação a mesma lei, enquanto que a transfiguração do rosto do médium no do pré-histórico caraíba teria sido devido à autêntica intervenção de um Espírito de caraíba, e, assim sendo, dever-se-ia inferir outro tanto para os demais episódios de transfiguração, devidos, por sua vez, à intervenção de cada um dos representantes das raças primitivas que se materializaram, os quais, por um ato de vontade, teriam posto em ação o automatismo modelador da sua "força organizadora", chegando a plasmar sua efígie tal qual era ela nos tempos remotíssimos da sua encarnação terrena.
78. Os "esboços" executados pelo artista desenhista constituiriam já um primeiro encaminhamento para a contribuição de documentações da investigação científica dos fenômenos de transfigurações, mas não são eles acessíveis e, em consequência, não podem ser utilizados na pesquisa científica. Todavia, o professor Marco Tullio Falcomer, de Veneza, o qual há muitos anos enviou a Bozzano o opúsculo de James Smith, achava-se em relações epistolares com este último e disse que o Sr. Smith publicara em fototipia, em uma revista australiana, a coleção dos desenhos em apreço. O nome dessa revista não chegou, porém, ao conhecimento de Bozzano e, por isso, não é citado na obra ora em estudo.

Respostas às questões preliminares

A. Pode um Espírito, no fenômeno de transfiguração, reproduzir o semblante de outro Espírito?
Não. Tanto Bozzano quanto Gabriel Delanne dizem que não existem exemplos de Espíritos que, voluntariamente, se tenham transformado até tomar o semblante de outro Espírito. (A Morte e os seus Mistérios, Casos 10 e 11.)
B. A “força organizadora” plasmadora dos seres vivos atua de forma automática?
Sim. A "força organizadora" a que Bozzano se refere age automaticamente na organização e plasmação dos seres vivos, sem que nisso precise do concurso intencional dos seres vivos que vai plasmando. (Obra citada, Casos 10 e 11.)
C. Por que o caso 12 é considerado por Bozzano um exemplo único em toda a classe dos fenômenos de transfiguração?
O principal motivo que levou Bozzano a classificar como único esse caso é que, numa das sessões narradas pelo Sr. James Smith, houve uma sucessão de "transfigurações" por intermédio do mesmo médium, cada qual apresentando um rosto próprio pertinente a personalidades diversas que teriam vivido em épocas bastante recuadas. Enquanto as imagens eram copiadas por um desenhista presente à reunião, a entidade oferecia informações explicativas do que ali estava sendo apresentado. (Obra citada, Caso 12.)


Observação:
Para acessar a Parte 4 deste estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2019/10/a-morte-e-osseus-misterios-ernesto_25.html






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