sexta-feira, 22 de novembro de 2019




A morte e os seus mistérios

Ernesto Bozzano

Parte 8

Continuamos o estudo do clássico A morte e os seus mistérios, de Ernesto Bozzano, conforme tradução de Francisco Klörs Werneck. O estudo será aqui apresentado em 24 partes. Nossa expectativa é que ele sirva para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do texto abaixo. 

Questões preliminares

A. Há alguma relação entre os fenômenos de “transfiguração” e os fenômenos de “materialização”?
B. A que modalidades de produção dos fenômenos Bozzano se refere?
C. Com o concurso de um único médium de efeitos físicos podem manifestar-se simultaneamente dois ou mais Espíritos materializados?

Texto para leitura

106. Entre os médiuns contemporâneos com os quais se obtêm fenômenos de transfiguração, devem ser incluídos o médium alemão Heinrich Melzer, de Dresden, e o médium sueco Ana Rasmussen, que não foram citados na classificação dos casos porque Bozzano não dispunha de relatos adequados para o fazer.
107. No tocante ao médium Melzer, sabe-se que ele realizara uma série de sessões na sala do "British College of Psychic Science", cujo presidente, o Sr. James Hewat Mackenzie, publicou a respeito um relato na revista Psychic Science, em que se lê este parágrafo: "Em dado momento achamo-nos em face da máscara autêntica de um personagem chinês, máscara que veio sobrepor-se ao rosto do médium. Ninguém, a não ser quem se achasse presente, poderia apreciar o realismo impressionante de semelhante transfiguração do rosto de um europeu no de oriental e isto em consequência da substituição das personalidades mediúnicas."
108. Por sua vez, o naturalista Professor Tillyard, em uma conferência realizada no "National Laboratory of Psychic Research", aludiu a um caso análogo ocorrido com a médium Ana Rasmussen, observando a respeito: "A sessão se realizou em plena luz do dia e o médium não caiu em transe, mas somente em um estado de estupor... Seu nariz se transformou e as características faciais se tornaram as de um homem, enquanto o médium começou a conversar com timbre vocal absolutamente másculo. Todos os cientistas presentes discutiram longamente sobre diversas hipóteses para de alguma forma explicar cientificamente o estranho fenômeno a que haviam assistido."
109. Passando às induções e deduções que os fenômenos em exame sugerem, observa-se, antes de tudo, que a análise comparada dos melhores fenômenos leva logo a notar a circunstância de que uma relação indubitável existe entre os fenômenos de "transfiguração" e os das "materializações integrais de fantasmas independentes do médium" e tal relação se mostra evidente a ponto de se dever inferir que os primeiros são uma fase de exteriorização incipiente dos segundos.
110. Alexandre Aksakof já o tinha notado no seu livro Um caso de desmaterialização parcial (págs. 210-211), observando que os fenômenos de "transfiguração" eram importantes, porquanto representavam a fase inicial dos fenômenos de "materialização". A propósito da exteriorização de um fantasma materializado com a médium Sra. Compton, observa ele: "Quando a forma materializada nada mais apresenta de comum com o aspecto do médium, encontramo-nos em face de uma completa transformação. Por quem ou por que foi produzido o fenômeno? É nisto que reside a tão formidável quão espinhosa questão a resolver. É certamente inverossímil que tão radical transformação seja devida às faculdades supranormais da subconsciência do médium e quando a forma materializada responder a todas as exigências por mim formuladas para o reconhecimento legítimo de uma individualidade, obter-se-ia com isso uma prova eficacíssima em demonstração de que uma outra personalidade transcendental, independente do médium, se apoderara unicamente da substância orgânica deste último, para servir aos próprios fins. Mas, se assim for, não seria talvez mais simples para a personalidade transcendental em questão utilizar-se para tais fins do próprio corpo do médium, ou somente do seu rosto, transformando-o segundo seus desejos, sem recorrer à produção maravilhosa, mas muito mais difícil, de um corpo distinto e absolutamente diferente do corpo do médium? Se existissem fatos de tal natureza, então, entrar-se-ia na posse de uma prova admirável, tangível, visível, em demonstração de que as materializações se reduzem a um fenômeno de transmutação. Pois bem. Estes fatos existem, mas são raros e se acham dispersos na massa enorme de material grosseiro existente na literatura espírita."
111. Em seguida, Aksakof procedeu à citação de dois casos de "transfiguração", com aparecimento de barba e cabelos grisalhos no rosto e na cabeça do médium, observando a respeito: "Se bem que a Sra. Killingbury denomine os casos relatados de ‘fenômenos de transfiguração’, notam-se neles circunstâncias de produção tais como barba e cabelos grisalhos, bem como aumento de peso do corpo, os quais indicam, de maneira manifesta, o desenvolvimento incipiente de um processo de transformação ectoplásmica."
112. Nota-se que ele estabelece uma justa distinção entre os casos de "transfiguração" em que o fenômeno se reduz a um simples jogo mais ou menos maravilhoso de contração e adaptação dos músculos faciais, e aqueles nos quais se encontra um princípio de adição ectoplásmica sob forma de características faciais inexistentes no médium. São estes os casos que ele tem em grande conta, porquanto representam o processo inicial dos fenômenos de materialização integral de fantasmas independentes do organismo do médium.
113. Eis a que ponto se apresenta a formidável perplexidade a resolver, a que Aksakof se refere, perplexidade que não existiria se as materializações de fantasmas fossem sempre radicalmente diferentes dos médiuns e outro tanto sucedesse com os rostos transfigurados, casos em que não se poderiam contrapor objeções sérias à interpretação espírita dos fatos, porém a produção dos fenômenos em apreço não é tão simples e nos casos das materializações, como nos das "transfigurações", se verifica muitas vezes que o rosto transfigurado ou o fantasma materializado é em parte diferente e em parte semelhante ao médium e, em determinados casos clássicos de fantasmas materializados, as semelhanças sobrepujam as diferenças, mas, ao contrário, em ambas as classes dos fenômenos, notam-se casos em que nos achamos em presença de duas personalidades radicalmente diferentes. Como explicar essas circunstâncias tendentes a sugerir interpretações opostas?
114. Em minha opinião, e baseado na análise comparada dos fatos, dever-se-ia inferir que a perplexidade em apreço deriva do fato de que os fenômenos de "transfiguração", mas sobretudo os fenômenos de "materialização", podem realizar-se com duas modalidades de produção notavelmente diferentes, a primeira das quais consistiria no fato de que a personalidade mediúnica não retiraria somente substância ectoplásmica ao médium, mas apossar-se-ia do seu "fantasma ódico" (no sentido conferido ao termo pelos ocultistas), do qual se revestiria, transformando-o, mas conseguindo dificilmente dominar com a vontade a resistência passiva oposta pela "força organizadora" latente no próprio "fantasma ódico", com a consequência de que a transfiguração ficaria sempre imperfeita, quando a segunda de tais modalidades consistiria, ao contrário, na circunstância de que a personalidade mediúnica, favorecida por condições propícias, retiraria unicamente substância ectoplásmica do médium, sem apoderar-se do seu "fantasma ódico", caso em que estaria em situação de reproduzir, de modo perfeito, o próprio simulacro materializado e isto porque a vontade da personalidade mediúnica não teria que vencer a resistência passiva da "força organizadora" inerente ao "fantasma ódico" do médium.
115. Lembro-me de ter lido nos relatórios de Florence Marryat que ela perguntou um dia ao fantasma de Katie King por que motivo se assemelhava algumas vezes ao médium e Katie King lhe respondeu: "Eu não posso impedi-lo, pois a resistência passiva que me opõe o corpo fluídico do médium é mais forte do que a minha vontade." Resposta preciosa que confirma as presunções expostas e que ao mesmo tempo demonstra que o fantasma de Katie King se servia do "corpo fluídico" ou "fantasma ódico" do médium para materializar-se. Isto é confirmado pela resposta obtida da médium Eusápia Paladino, em condições de hipnose, pelo Cel. Albert De Rochas.
116. O Sr. De Rochas relata: "Um dia Eusápia Paladino permitiu que eu a adormecesse em presença da minha esposa (ela foi tantas vezes torturada pelos homens de ciência, que se tornou medrosa). Consegui rapidamente levá-la aos estados profundos da hipnose e então, com grande espanto seu, viu aparecer à sua direita um fantasma de cor azul. Perguntei-lhe se esse fantasma seria John. ‘Não, respondeu ela, mas é desta substância de que se serve John.’ Dito isto, tomou-se de um sentimento de medo e pediu insistentemente para ser despertada, o que disse deplorando não ter podido prosseguir ulteriormente nas minhas pesquisas." (A. de Rochas: "A exteriorização da motricidade", pág. 17).
117. Assim se pronunciou De Rochas. Observo, antes de tudo, que o experimentador dirigira à Eusápia uma pergunta formulada de maneira a sugerir de preferência uma resposta em sentido afirmativo, ao passo que Eusápia respondeu negativamente, e o fez em termos inesperados para o experimentador, o que serve para excluir a hipótese de uma presumível sugestão por parte deste último. Isto posto, observo que a explicação fornecida por Eusápia a respeito de "John", o qual se serviria do seu "fantasma ódico" para produzir os fenômenos físicos, se acha em perfeito acordo com a resposta de Katie King.
118. Não obstante, se quisermos ser precisos no uso dos termos, em vez de falar de "corpo fluídico" e do "corpo etéreo" (expressões que correspondem ao termo "perispírito" ou "invólucro do espírito"), deveríamos falar de "fantasma ódico" no sentido conferido a tal expressão por De Rochas e por todos os ocultistas, sentido que corresponde ao que a "Vidente de Prevorst" (no ano de 1820) chamou de "espírito de nervos", ou "princípio de vitalidade nervosa".
119. Observo que estas revelações da famosa "Vidente" têm grande importância, pois foram, igualmente, fornecidas em termos equivalentes per uma sonâmbula do Rev. Werner, que afirmou que "o organismo humano é vitalizado por um fluido nervoso, que é o intermediário indispensável para que a alma entre em relação com o mundo exterior", e que, por sua vez, acrescentara que "depois da morte as almas não podiam libertar-se imediatamente do fluido nervoso..., que as almas muito terrenas se saturavam dele com júbilo, porque o fluido nervoso lhes conferia o poder de retomar a forma humana e tornar-se visíveis aos vivos ou fazer-se notar por eles ou ainda entrar em contato com os mesmos, ou, enfim, produzir ruídos e sons na atmosfera terrena...".
120. À vista do que vem sendo exposto, chega-se à conclusão de que a questão formulada por Aksakof se mostra elucidável, desde que se concorde em que, nos casos de materializações de fantasmas com rostos em parte semelhantes ao do médium, se deva inferir que tal se dá porque o Espírito se serve unicamente da substância ectoplásmica subtraída ao médium, evitando apoderar-se do seu "fantasma ódico", sempre ressalvados os casos em que a vontade da entidade espiritual operante se revela a tal ponto poderosa que sobrepuje a resistência passiva oposta pela "força organizadora" imanente no "fantasma ódico". Já ao contrário, nos casos dos fenômenos de "transfiguração", em que dificilmente a entidade operante poderia evitar achar-se em contraste com a "força organizadora" inerente no organismo do médium, dever-se-ia inferir quase sempre que, quando não existem semelhanças entre o rosto do médium e o rosto que aparece por transfiguração, isso sucede por ter sido a vontade da entidade espiritual operante bastante poderosa para sobrepujar a resistência passiva que se lhe opunha.
121. Na referida dupla solução da perplexidade enunciada por Aksakof se contém, presumivelmente, uma grande parte de verdade, pois que os fatos contribuem para demonstrar ser tão necessária a segunda interpretação quanto a primeira. E como confirmação ulterior de que as personalidades mediúnicas não se servem sempre do "fantasma ódico" do médium, observo que se conhecem exemplos de materializações simultâneas de dois ou mais fantasmas, o que não poderia ser explicado com a transformação do "fantasma ódico" do médium.
122. Recordo a respeito as clássicas experiências do banqueiro F. Livermore com a médium Kate Fox, em que se manifestavam às vezes, simultaneamente, até quatro fantasmas materializados, visíveis à luz suficiente, e, hodiernamente, recordo as memoráveis experiências com o médium polaco Frank Kluski, nas quais sucedeu outro tanto.
123. Acrescento finalmente que estou em situação de confirmar o que digo por experiência pessoal, pois que nas nessas trienais investigações experimentais com a médium Eusápia Paladino, no "Círculo Científico Minerva", de Gênova, investigações em que tomaram parte com o signatário o Professor Enrico Morselli e o Dr. Giuseppe Venzano, materializou-se uma noite, no gabinete mediúnico, para depois abrir as cortinas e apresentar-se, em ambiente iluminado por um bico de gás, uma forma de mulher carregando nos braços um menino que mantinha bem alto, quase em atitude de atirá-lo.
124. Observo que o fantasma feminino apresentava particularidades de identificação pessoal e que o menino, a um dado momento, se inclinara, e, aproximando o rostinho do da forma de mulher, dera-lhe dois beijos na fronte, beijos ouvidos por todos. Ao mesmo tempo, através do intervalo das cortinas, era visível o corpo do médium estendido sobre uma maca de campanha e de quem o Prof. Morselli ligara mãos e pés. (Para melhores informações, reporto-me ao meu livro Hipótese Espírita e Teorias Científicas, bem como ao livro do Prof. Morselli Psicologia e Espiritismo, volume II, págs. 214-268.)

Respostas às questões preliminares

A. Há alguma relação entre os fenômenos de “transfiguração” e os fenômenos de “materialização”?
Segundo Aksakof, sim. O grande pesquisador russo considerava importantes os fenômenos de "transfiguração" porque representavam a fase inicial dos fenômenos de "materialização". Nesse fato residia, pois, a relação entre os dois fenômenos. (A morte e os seus mistérios, Caso 15.)
B. A que modalidades de produção dos fenômenos Bozzano se refere?
Bozzano diz que, baseado na análise comparada dos fatos, dever-se-ia inferir que os fenômenos de "transfiguração" e sobretudo os fenômenos de "materialização" podem realizar-se com duas modalidades de produção bem diferentes. A primeira consistiria no fato de que a personalidade mediúnica não retiraria somente substância ectoplásmica ao médium, mas apossar-se-ia do seu "fantasma ódico" (no sentido conferido ao termo pelos ocultistas), do qual se revestiria, transformando-o. A segunda consistiria, ao contrário, na circunstância de que a personalidade mediúnica, favorecida por condições propícias, retiraria unicamente substância ectoplásmica do médium, sem apoderar-se do seu "fantasma ódico", caso em que estaria em situação de reproduzir, de modo perfeito, o próprio simulacro materializado. (Obra citada, Caso 15.)
C. Com o concurso de um único médium de efeitos físicos podem manifestar-se simultaneamente dois ou mais Espíritos materializados?
Sim. Bozzano cita a respeito as experiências do banqueiro F. Livermore com a médium Kate Fox, em que se manifestavam às vezes, simultaneamente, até quatro fantasmas materializados, e, hodiernamente, as memoráveis experiências com o médium polaco Frank Kluski, nas quais sucedeu outro tanto. O mesmo fato ocorreu em sessão realizada com o concurso da médium Eusápia Paladino. (Obra citada, Caso 15.)


Observação:
Para acessar a Parte 7 deste estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2019/11/a-morte-e-osseus-misterios-ernesto_15.html





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