CINCO-MARIAS
Ciúme entre irmãos
EUGÊNIA PICKINA
eugeniapickina@gmail.com
Se a criança vive em uma atmosfera amigável, sentindo-se necessária, aprenderá
a encontrar o amor no mundo. Maria Montessori
A rivalidade entre
irmãos é encontrada na natureza e a mesma coisa acontece na família humana: a
chegada de um novo irmão costuma abalar a confiança do filho mais velho, que
recebia 100% da atenção que os pais lhe disponibilizavam. Desse modo, lidar com
o ciúme entre irmãos é um desafio na educação dos filhos.
No primeiro momento,
o novo bebê é uma alegre novidade, e o filho mais velho pode até se divertir
inicialmente. Mas em pouco tempo ele se cansará e simplesmente reivindicará seu
lugar como filho único. Mas isso não vai ocorrer e, ainda, ele perceberá que
perdeu esse “privilégio” para sempre.
Uma ideia preocupante
toma a mente do primogênito: talvez o novo bebê seja mais amado do que
ele. E é nesse momento que as coisas se modificam e que o filho mais velho,
tomado pela frustração, passa a agir de modo claro (“quero que vocês levem esse
bebê de volta”) ou dissimulado (esconder a chupeta do bebê, dar um beliscão no
bebê etc.) ou, ainda, regredir para um comportamento mais infantil e manhoso. O
que tudo isso sinaliza? São tentativas de resgate daquele “lugar edílico”,
agora definitivamente perdido. Se nada for feito para ajudar a criança que vive
essa situação, a rivalidade (cuja raiz é o ciúme) tem o potencial de semear
padrões negativos que podem durar a vida inteira.
Não podemos ignorar o
fato de que uma criança é incapaz de processar criticamente suas emoções e, por
isso, quando estão emocionalmente afetadas, reagem brusca ou agressivamente,
sem condição de refletir e agir de modo adequado. No primeiro setênio, há o
predomínio do pensamento mágico e, consequentemente, as crianças não entendem a
diferença entre bairro e cidade, entre a vida e a morte etc. O cérebro está em
formação e, justamente por isso, a criança que experimenta o ciúme pode
conservar padrões baseados nessas frustrações iniciais e que, se não orientadas
pela paciência e o amor dos pais, podem influir sobre o modo de se relacionar
com o irmão ou a irmã mais nova pelo resto da vida.
O que os pais podem
fazer em relação ao ciúme que o primogênito ou a primogênita sente em relação
ao novo membro familiar?
Os pais precisam agir
como pais. Isso quer dizer assumir seu lado adulto, compreendendo que a chegada
de um novo irmão abala, sim, a confiança do filho mais velho. É razoável, desse
modo, informar o filho mais velho sobre a gravidez/chegada do irmão.
Convertê-lo em aliado é decisão inteligente e costuma promover a harmonia
familiar – o filho mais velho pode, por exemplo, ajudar os pais a escolher os
primeiros brinquedos, auxiliar na compra dos alimentos na fase das papinhas
etc. Mas nunca, nunca, os pais podem fazer o filho mais velho
responsável pelo outro, ou seja, nada de convertê-lo em babá. Quem cuida de
uma criança é o adulto na casa.
Assim como evitar a
manipulação é uma regra essencial à saúde psíquica da família, evitar comparar
os filhos – as notas, o comportamento, o temperamento, a aparência etc. – é
conduta proativa e que ajuda o ciúme entre irmãos a ser superado. O filho
observa os pais e a criança tem alta consciência de justiça – e, no dia a dia,
isso se traduz em ele e o irmão serem amados igualmente.
Para ajudar na
desconstrução do ciúme, é essencial, no lugar da competição, os pais optarem
pela cooperação. Família não é arena esportiva. Os pais precisam, com
persistência, ser modelos de empatia, incentivando solidariedade e respeito
entre os irmãos.
Não escolhemos nossos
irmãos, eles nos são impostos por nossos pais. De todos os modos, com eles
compartilhamos nossa história inicial de vida, nossas lembranças. Na idade
adulta, e também por isso, não é incomum um distanciamento entre os irmãos.
Cada um segue seu caminho, iniciando carreiras profissionais, fundando, por sua
vez, seu próprio núcleo familiar. Muitas vezes (e isso não é equivocado), os
valores que guiam nossos bonitos sentimentos fraternos são deslocados para
alguns amigos, e que são “os preciosos irmãos escolhidos”.
Notinhas
Melanie Klein faz uma
distinção entre inveja e ciúme: “A inveja é o sentimento irado de que outra
pessoa possui e desfruta de algo desejável – sendo o impulso invejoso tirá-lo
dela ou espoliá-lo. (...) O ciúme se baseia na inveja, mas envolve uma relação
com, pelo menos, duas pessoas; diz respeito principalmente ao amor que o
indivíduo sente como lhe sendo devido e que lhe foi tirado ou se acha em perigo
de sê-lo por seu rival” (1991, p. 33). Cf. Klein, M. Inveja e gratidão
e outros trabalhos (1946-1963). RJ: Imago, 1991. (Obras completas
de Melanie Klein, 3).
A família precisa
entender que, a partir do nascimento do segundo filho, terão início partilhas,
negociações, julgamentos. Os filhos são sempre muito diferentes entre si – e os
pais deveriam se alegrar por isso. Promover empatia e respeito favorecem uma
boa dinâmica familiar. No dia a dia, em vez de dizer “por que você não é
organizado como seu irmão?”, os pais podem se concentrar na atitude que
gostariam que a criança assumisse: “Você precisa organizar seu material
escolar. Por que não começa agora?”
Ter afinidade com um
ou outro filho é normal. Demonstrar preferência é prova de ignorância (imaturidade)
e atitude leviana que irá alimentar a rivalidade entre irmãos.
*
Eugênia
Pickina é educadora ambiental e terapeuta floral e membro da Asociación Terapia
Floral Integrativa (ATFI), situada em Madri, Espanha. Escritora, tem livros
infantis publicados pelo Instituto Plantarum, colaborando com o despertar da
consciência ambiental junto ao Jardim Botânico Plantarum (Nova Odessa-SP).
Especialista
em Filosofia (UEL-PR) e mestre em Direito Político e Econômico (Mackenzie-SP),
está concluindo em São Paulo a formação em Psicanálise. Ministra cursos e
palestras sobre educação ambiental em empresas e escolas no estado de São Paulo
e no Paraná, onde vive.
Seu
contato no Instagram é @eugeniapickina
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