Neio Lúcio
É quase impossível praticar as lições da
Boa-Nova, no mundo avesso à
bondade, à renúncia e ao perdão — concluíam os aprendizes de maneira geral. A
maioria das criaturas comprazem-se na avareza ou no endurecimento.
Registava
o Mestre a conceituação expendida pelos companheiros, em significativa
quietude, quando Pedro o convocou diretamente ao assunto. Jesus refletiu alguns
instantes e ponderou:
— Entre
ensino e aproveitamento, tudo depende do aprendiz.
E a
seguir, falou com brandura:
— Existiu
no tempo de David um grande artista que se especializara na harpa com tamanha
perfeição que várias pessoas importantes vinham de muito longe, a fim de
ouvi-lo. Grandes senhores com as suas comitivas descansavam, de quando em
quando, junto à moradia dele, cercada de arvoredo, para escutar-lhe as sublimes
improvisações. O admirável mestre fez renome e fortuna, parecendo a todos que
ninguém o igualaria na Terra na expressão musical a que se consagrara.
Em seus
saraus e exibições, possuía em seu serviço pessoal um escravo aparentemente
inábil e atoleimado, que servia água, doces e frutas aos convivas e que jamais
conversava, fixando toda a atenção no instrumento divino, como se vivesse
fascinado pelas mãos que o tangiam.
Muitos
anos correram quando, certa noite, o artista volta, de inesperado, ao
domicílio, findo o banquete de um amigo nas vizinhanças e, com indizível
espanto, assinala celeste melodia no ar.
Alguém
tocava magistralmente em sua casa solitária, qual se fora um anjo exilado no
mundo. Quem seria o estrangeiro que lhe tomara o lugar?
Em
lágrimas de emoção por pressentir a existência de alguém com ideal artístico
muito superior ao dele, avança devagar para não ser percebido e, sob
intraduzível assombro, verificou que o harpista maravilhoso era o seu velho
escravo tolo que, usando os minutos que lhe pertenciam por direito e sem
incomodar a ninguém, exercitava as lições do senhor, às quais emprestava, desde
muito tempo, todo o seu vigilante amor em comovido silêncio.
Foi então
que o artista magnânimo e famoso libertou-o e conferiu-lhe a posição que por
justiça merecia.
Diante da
estranheza dos discípulos que se calavam, confundidos, o Mestre rematou:
— A
aquisição de qualidades nobres é a glória infalível do esforço. Todo homem e
toda mulher que usarem as horas de que dispõem na harpa da vida, correspondendo
à sabedoria e à beleza com que Nosso Pai se manifesta, em todos os quadros do
mundo, depressa lhe absorverão a grandeza e as sublimidades, convertendo-se em
representantes do Céu para seus irmãos em humanidade. Quando a criatura, porém,
somente trabalha na cota de tempo que lhe é paga pelas mordomias da Terra, sem
qualquer aproveitamento das largas concessões de horas que a Divina Bondade lhe
concede no corpo, nada mais receberá, além da remuneração transitória do mundo.
Do livro Jesus no
Lar, obra psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.
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