Comunicações
mediúnicas entre vivos
Ernesto Bozzano
Parte 14
Damos prosseguimento ao estudo do clássico Comunicações mediúnicas entre vivos, de autoria de Ernesto Bozzano, traduzido para o idioma português por J. Herculano Pires e publicado pela Edicel.
Esperamos que este estudo sirva para o leitor como uma
forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do
texto indicado para leitura.
Este estudo será publicado sempre às sextas-feiras.
Questões preliminares
A. Em alguns casos de comunicação mediúnica entre vivos
verifica-se, às vezes, um ou outro erro de transmissão em meio a uma mensagem
autêntica e confirmada em todos os outros pontos. Que diz Bozzano a respeito
disso?
B. Para muitos desses investigadores, o Espírito de um
morto jamais deveria enganar-se ao transmitir o nome de um parente próximo ou
ao referir-se a alguma particularidade importante de sua própria existência
terrena. Como Bozzano analisa semelhante afirmação?
C. Quanto à comprovação da realidade das comunicações
mediúnicas entre vivos, que importância tem a experiência narrada pela Srta.
Goodrich-Freer, editora, na época, da revista The Borderland?
Texto para leitura
200. De um longo artigo que William
Stead publicou na edição de janeiro de 1909, de sua revista The Review of
Reviews, extraio o seguinte episódio:
Uma senhora amiga minha
(tratava-se da Srta. Summers) que escreve de longe por minha mão com mais
facilidade do que com a sua própria, passara o fim de semana em Halsmere,
aldeia que fica a trinta milhas de Londres. Tinha ela de vir almoçar em minha
casa na quarta-feira se já houvesse regressado à cidade. Segunda-feira à tarde
quis informar-me a respeito e, colocando a pena sobre o papel, perguntei-lhe
mentalmente se já se achava em casa e minha mão escreveu o seguinte: “Sinto
muito ter de informar-lhe que fui vítima de um incidente bem deplorável e de
que tenho vergonha de lhe contar. Parti de Halsmere às 2:27 da tarde num carro
de segunda classe, no qual vinham outras duas senhoras e um homem. Na estação
de Godalming desembarcaram as senhoras e eu continuei a viagem com o tal homem,
o qual se levantou e veio sentar-se ao meu lado. Espantei-me e o repeli, porém
ele não quis afastar-se e, em dado momento, tentou beijar-me. Fiquei furiosa e
atracamo-nos em luta corporal. Na luta, tomei-lhe o guarda-chuva e dei-lhe
repetidas pancadas, mas ele o quebrou e comecei a ter medo de ser vencida,
quando o trem parou a alguma distância da estação de Cuildford. O homem ficou
atemorizado e deixou-me livre, fugindo do carro antes que o trem chegasse à
estação. Fiquei muito cansada, mas não larguei o guarda-chuva.”
Mandei imediatamente meu
secretário à casa dessa minha amiga, com um bilhete em que expressava o meu
pesar pela agressão que ela sofrera, acrescentando por mim: “Acalme-se e na
quarta-feira me traga o guarda-chuva pertencente ao homem.” Respondeu-me ela:
“Sinto muito saber que o senhor está informado do que me aconteceu, porque
estava decidida a não contá-lo a pessoa alguma, porém o guarda-chuva era meu e
não dele.”
Quando na quarta-feira ela veio
ao almoço, confirmou a absoluta exatidão de todos os detalhes escritos pela
minha mão sobre a aventura a ela sucedida e me mostrou o guarda-chuva, que era
dela e não do agressor. Como se pôde dar aquele erro de transmissão? Eu o
ignoro, mas talvez o erro tivesse sido retificado se eu houvesse pensado em
pedir a revisão de todos os pormenores por mim escritos. É quase supérfluo
advertir que eu não tinha a menor ideia da hora e do dia em que a minha amiga
partira e nem sombra de suspeita sobre o deplorável incidente de que ela fora
vítima. (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo
C)
201. O fato exposto não cede, em
valor teórico, ao precedente, porque na aventura sucedida à “correspondente
espiritual” de William Stead fica mais claro do que nunca que em semelhante
circunstância não podia tratar-se de informações colhidas por Stead na
subconsciência da Srta. Summers e depois reorganizadas de modo a representarem
uma falsa personificação da mesma, dando-lhe as informações mediunicamente, mas
que, ao contrário, tratava-se de uma conversa verdadeira e própria entre duas
personalidades espirituais subconscientes. (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas
entre vivos e à distância. Subgrupo C)
202. O erro de transmissão,
interpolado curiosamente no meio de tantas particularidades verídicas, não
diminui, de modo algum, a importância teórica do fato. Tal erro, provavelmente,
é consequência de um instante fugaz de interferência subconsciente. Não nos
devemos esquecer de que o estado de recepção mediúnica é uma condição passiva e
instável do espírito humano, a qual tem afinidade, por natureza, com outra
condição passiva e instável do próprio espírito, que é o estado onírico, isto
é, o reino dos sonhos. Daí a extrema facilidade com que nas comunicações
mediúnicas, sejam de vivos ou de mortos, tais elementos de sonho se interpolam
nas comunicações verídicas e constituam sempre o grande obstáculo a que
numerosos pesquisadores decidam aderir à hipótese espírita. (2ª Categoria:
Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo C)
203. Para muitos desses
investigadores, uma autêntica personalidade de morto nunca deveria enganar-se
ao transmitir o nome de um seu parente próximo ou no fato de referir-se a
alguma particularidade saliente de sua própria existência terrena. Tal
afirmação, aparentemente racional e incontestável, na realidade é completamente
errada porque não se levam em conta as imperfeições inerentes ao instrumento
onírico subconsciente de que se servem os mortos para se comunicarem com os
vivos, instrumento que requer uma passividade absoluta da mente do médium,
passividade em perpétua condição de equilíbrio instável, com frequentes
infrações e irrupções ora oníricas, ora sonambúlicas, ora autossugestivas, às
quais devem ser imputados os erros, as contradições e as imperfeições que são
encontradas em muitas comunicações de mortos. (2ª Categoria: Mensagens
mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo C)
204. De tal ponto de vista, os
erros, em tudo idênticos aos que se encontram nas comunicações de vivos, são
preciosíssimos pela sua eloquência demonstrativa em favor da tese sustentada.
Dessa forma, com base no caso exposto, devemos inferir que o fato de o erro
haver-se interpolado no meio de tantas informações verídicas não impede que
fique demonstrado que o complexo orgânico das mesmas informações seja de origem
extrínseca, ou mais precisamente, a manifestação mediúnica de um vivo. (2ª
Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo C)
205. Em consequência disso, os
mesmos erros, quando se verificam nos casos de identificação espírita, não
podem impedir que o complexo orgânico das informações verídicas fornecidas
demonstrem a origem extrínseca das mesmas informações, ou mais precisamente, a
sua natureza de manifestações mediúnicas de mortos. (2ª Categoria: Mensagens
mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo C)
206. O tema é teoricamente muito
importante e merece que se relatem outros erros de transmissão ocorridos nas
experiências em exame. Stead as relata em sua revista e Myers as recolhe em seu
trabalho publicado nos Proceedings of the S. P. R. (vol. IX, págs.
56-57). (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo
C)
207. Conta William Stead:
(...) por duas ou três vezes
interpolaram-se nas comunicações erros curiosos. Teoricamente, esses erros são
tão importantes como as mensagens corretas. O primeiro erro ocorrido com a Srta.
Summers foi a sua afirmativa de ter ido fazer um passeio no Regent Park,
quando, na realidade, ela não havia saído de casa. Eu não saberia dizer de que
modo se teria dado essa transmissão falsa. Penso, porém, que houve de minha parte
a suposição de que a Srta. Summers iria ao parque, todavia, mesmo que assim
fosse, fica sempre certo de que houve uma transmissão falsa.
Em outra ocasião, deu-se um erro
muito mais relevante. Eu me encontrava em Redcar e a minha mão transcreveu o
diálogo que a Srta. Summers teria tido com certa pessoa que ela citou.
Tratar-se-ia de uma entrevista degenerada em disputa e foi-me transmitida uma
parte do vivíssimo diálogo verificado. Quando me encontrei com a Srta. Summers,
confrontamos as notas que havíamos tomado e observei, com grande surpresa, que
embora ela houvesse visitado naquele dia a pessoa indicada, a entrevista que se
transformou em discussão absolutamente não foi com ela, nem com a pessoa que
visitara, mas com uma amiga da Srta. Summers e outro interlocutor. Essa amiga
da Srta. Summers fora à casa desta e lhe contara, com viva emoção, o doloroso
incidente de que fora vítima e a minha mão transcrevera essa narrativa,
exagerando-lhe a importância, e isso a uma distância de 350 milhas. Eu não
conhecia pessoalmente a amiga da Srta. Summers, de modo que esta última ficou
profundamente surpresa ao ver que a questão com a sua amiga fora transmitida
com o seu próprio nome e havia sido interpolada em sua conversa verdadeira com
outra pessoa de negócios. (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à
distância. Subgrupo C)
208. Assim relatou Stead. O
primeiro caso de transmissão errada, por ele narrado, não precisa ser
discutido, pois muito provavelmente a causa que lhe atribui Stead é a
verdadeira. Quanto ao segundo é, indubitavelmente, bem extraordinário, fora do
comum e enigmático. De qualquer modo, faz ele lembrar outro erro que já discutimos
nos comentários ao Caso 10, em que o príncipe de Wittgenstein, desejando entrar
em relação psíquica com a sua “correspondente espiritual”, orientou o seu
próprio pensamento para a residência dela. Como, porém, a referida senhora se
achava longe da casa, enquanto na mesma dormia a irmã, isto fez com que o
príncipe, por efeito de “afinidade psíquica” entre as duas irmãs, entrasse em
relação com a que se achava no mesmo ambiente. (2ª Categoria: Mensagens
mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo C)
209. Seguiu-se daí que esta
narrou ao príncipe um incidente de baile com ela própria acontecido; como,
porém, ele acreditava achar-se em relação com a pessoa conhecida, verificou-se
uma interferência por autossugestão que levou a mão do sensitivo a firmar
erradamente a mensagem com o nome da irmã que ele julgava estar presente. (2ª
Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo C)
210. Pois bem, tudo concorre para
fazer-nos supor que igual interferência se tenha dado no caso de Stead e, do
mesmo modo, se poderia inferir que o pensamento deste, achando-se dirigido para
a residência de sua “correspondente espiritual” no instante em que esta
conversava com a amiga e lhe contava com viva emoção os pormenores de sua
questão, tivesse como consequência haver o estado emocional da amiga influído
nas condições de relação psíquica que naquele momento existiam entre a Srta.
Summers e Stead, determinando uma perturbação correspondente na transmissão da
mensagem em curso. (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à
distância. Subgrupo C)
211. Essa mensagem, depois de ter
sido começada normalmente com uma informação da Srta. Summers sobre o resultado
de uma entrevista comercial que tivera com um senhor que ela então nomeava,
inesperadamente se modificara, enquanto que as “ondas hertzianas da telegrafia
sem fio”, pelas quais as suas personalidades espirituais estavam conversando,
foram dominadas por outras “ondas hertzianas” mais poderosas que haviam chegado
a sintonizar-se com as primeiras, por efeito da coexistência, no mesmo
ambiente, das amigas em conversa, de sorte que esse segundo sistema de “ondas
hertzianas”, com as notícias da disputa, se sobrepôs ao primeiro sistema com o
qual se amoldou e confundiu. (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e
à distância. Subgrupo C)
212. Relato, finalmente, um
episódio muito complexo, narrado pela Srta. Goodrich-Freer, que foi editora,
com Stead, da revista The Borderland. Como se sabe, ela era sensitiva,
dotada, de modo excepcional, da faculdade de “visão no cristal” e suas
narrações sobre o assunto, publicadas nos Proceedings of the S. P. R.,
podem ser consideradas como clássicas na literatura do gênero, tanto pelo valor
intrínseco dos episódios narrados quanto pelo vigor científico com que são
expostos e detalhados. (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à
distância. Subgrupo C)
213. Em sua conferência na The
London Spiritualist Alliance, publicada na Light (1895, 13 e 30 de
abril), conta ela:
O Sr. Stead mostrava-me, algumas
vezes, longas mensagens que pareciam provindas de mim e que se referiam a
incidentes particulares, verídicos, de que porém eu não tinha consciência de
lhe haver transmitido mediunicamente coisa alguma, mensagens que talvez
emanassem do eu subconsciente, de cujas ações não sou propriamente
responsável... Pensei, portanto, que se o meu eu subconsciente possuía a
faculdade de transmitir aos outros mensagens particulares, deveria poder
referir o conteúdo de tais mensagens à minha consciência por meio da “visão no
cristal”. Combinei, pois, com o Sr. Stead, que ele me avisasse quando houvesse
recebido qualquer comunicação minha, a fim de que eu olhasse no cristal e
pudesse verificar se o meu eusubconsciente teria alguma coisa a dizer também a
mim.
Algum tempo depois, o Sr. Stead
me disse que havia recebido o relatório de uma viagem que o meu eu
subconsciente dizia ter feito para visitar certa pessoa. Apressei-me, portanto,
a controlar a verdade do fato por meio da “visão no cristal”, onde vi a imagem
da Sra. Piper sentada numa poltrona, vestida com um penteador leve e
aparentando um aspecto de cansada e doente. Deve-se notar, a propósito, que
durante a sua permanência na Inglaterra, a Sra. Piper usava habitualmente
vestidos pretos e mostrava-se de excelente saúde.
Voltei-me para o Sr. Stead,
dizendo: “Supondo que a minha visita seria à Sra. Piper.” “Justamente isto”,
respondeu ele. (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância.
Subgrupo C) (Continua no próximo número.)
Respostas às questões
preliminares
A. Em alguns casos de comunicação mediúnica entre vivos
verifica-se, às vezes, um ou outro erro de transmissão em meio a uma mensagem
autêntica e confirmada em todos os outros pontos. Que diz Bozzano a respeito
disso?
Bozzano entende que o erro de transmissão, interpolado no
meio de tantas particularidades verídicas, não diminui, de modo algum, a
importância teórica do fato. Tal erro, provavelmente, é consequência de um
instante fugaz de interferência subconsciente. Não nos devemos esquecer de que
o estado de recepção mediúnica é uma condição passiva e instável do Espírito
humano, a qual tem afinidade, por natureza, com outra condição passiva e
instável do próprio espírito, que é o estado onírico, isto é, o reino dos
sonhos. Daí a extrema facilidade com que nas comunicações mediúnicas, sejam de
vivos ou de mortos, tais elementos de sonho se interpolam nas comunicações
verídicas e constituam sempre o grande obstáculo a que numerosos pesquisadores
decidam aderir à hipótese espírita. (2ª Categoria: Mensagens mediúnicas entre
vivos e à distância. Subgrupo C)
B. Para muitos desses investigadores, o Espírito de um
morto jamais deveria enganar-se ao transmitir o nome de um parente próximo ou
ao referir-se a alguma particularidade importante de sua própria existência
terrena. Como Bozzano analisa semelhante afirmação?
Diz Bozzano que tal afirmação, aparentemente racional e
incontestável, é na realidade completamente errada, porque os que assim pensam
não levam em consideração as imperfeições inerentes ao instrumento onírico
subconsciente de que se servem os mortos para se comunicarem com os vivos,
instrumento que requer uma passividade absoluta da mente do médium, passividade
em perpétua condição de equilíbrio instável. Como isso nem sempre é possível, é
às frequentes infrações e irrupções ora oníricas, ora sonambúlicas, ora
autossugestivas, que devemos imputar os erros, as contradições e as
imperfeições encontradas em muitas comunicações dos chamados mortos. (2ª
Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo C)
C. Quanto à comprovação da realidade das comunicações
mediúnicas entre vivos, que importância tem a experiência narrada pela Srta.
Goodrich-Freer, editora, na época, da revista The Borderland?
O fato narrado pela Srta. Goodrich-Freer é realmente digno
de nota. Sensitiva e dotada, de modo excepcional, da faculdade de “visão no
cristal”, suas narrações sobre o assunto, publicadas nos Proceedings of the
S. P. R., podem ser consideradas como clássicas na literatura do gênero.
Ela procurou, então, verificar se as mensagens por ela transmitidas a um médium
distante poderiam ser transmitidas também à sua própria consciência e, desse
modo, vista por ela, graças à sua faculdade de “visão no cristal”. Bozzano
relata neste livro como se deu a experiência, que resultou positiva. (2ª
Categoria: Mensagens mediúnicas entre vivos e à distância. Subgrupo C)
Observação:
Para acessar a Parte 13 deste estudo, publicada na
semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2024/05/comunicacoes-mediunicas-entre-vivos.html
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