sábado, 17 de janeiro de 2015

A evangélica e o Espiritismo


JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF

Amigos leitores, conta-nos Joteli que, na juventude, após passar a frequentar uma "Mocidade espírita", certo dia, há quarenta anos, foi visitado, em sua casa por uma senhora, sua prima, chamada Benedita, que era membro de Igreja Evangélica no Rio de Janeiro e leitora assídua da Bíblia. Ela era a mãe de Samuel, Pedro e João. Os dois primeiros, protestantes; o último, sem uma crença definida, para não se dizer ateu.
Dos três irmãos, João era o mais intelectualizado. Já naquele tempo, ele era mestre em Letras.
Entusiasmado com a oportunidade de realizar um diálogo esclarecedor com dona Benedita, meu ingênuo secretário guardava a ilusão de convertê-la ao Espiritismo, mas ela, por certo, pensava em afastá-lo do "diabo" e batizá-lo em sua Igreja. Assim foi que Joteli abriu O Evangelho segundo o Espiritismo e pôs-se a lê-lo ostensivamente, enquanto dona Benedita conversava com a mãe do meu tolo secretário.
Não sabia ele, porém, o que o aguardava.
Como se fora desafiada, a evangélica dirigiu-se ao nosso herói e começou sua pregação:
— Nosso Salvador é Jesus Cristo, você aceita sua salvação?
Ainda meio confuso, Joteli balbuciou um "nunca o neguei como Salvador", sem mais chance de falar o que quer que fosse, pois a inquisidora, entusiasmada pela "rendição" do oponente, disparou sua metralhadora, como se estivesse em guerra contra o soldado ímpio, que se atrevera a desafiá-la com aquela obra, para ela, produto demoníaco...
Ignorava, Benedita, que ali, no Evangelho espírita, estava a essência dos ensinos do mesmo Jesus de sua crença, tão amado por todos os cristãos: o ensino moral.
Durante cerca de uma hora, a protestante falou e falou sem parar um só momento. Contou a história da Bíblia desde o Gênesis até o Apocalipse bíblicos (Os atos dos apóstolos ficariam para outra ocasião).
A Joteli, só restou a opção de ouvir e nada dizer. Até porque, se o desejasse, sua idosa prima não o escutaria.
Há uma diferença básica entre ouvir e escutar, que não nos cabe aprofundar aqui. Mas para matar a curiosidade da leitora, digo-lhe que a primeira está ligada à percepção dos sons; a segunda à sua assimilação, ao seu entendimento, ao que Mikhail Bakhtin chama de dialogismo, salvo melhor juízo.
Não houve, portanto, interação entre os dois, mas, se de sua parte Joteli ficara decepcionado por não ter tido qualquer chance de falar, para sua interlocutora, Jeová, mais uma vez, tinha vencido o demônio.
O tempo passou, Benedita desencarnou, Joteli mudou-se do Rio, casou-se, teve três filhos e veio morar definitivamente em Brasília.
Vinte anos após, encontrou o primo João, filho caçula de Benedita, que lhe dissera ter-se tornado espírita após o falecimento materno.
— Como se deu tua conversão, se eras tão incrédulo? Perguntou-lhe Joteli.
— Numa noite inesquecível, ainda cheio de dúvidas, resolvi visitar um centro espírita no bairro de Bonsucesso. Ali adentrando, por primeira vez, tremendo de medo, pois mamãe quando viva sempre demonizou o Espiritismo, eu não disse uma só palavra a ninguém sobre quem eu era, minha família, origens, cultura e crença.
Entretanto, ao se realizar a reunião mediúnica, um dos médiuns que, como os demais participantes, eu jamais vira antes, virou-se para mim e disse-me, com o modo de falar próprio de mamãe:
— João, meu filho, eu não já lhe disse para não participar dessas reuniões demoníacas? Isso é coisa de satanás, afaste-se daqui antes que você seja lançado nas fornalhas do inferno.
— Não tive mais dúvida alguma. Aquela era mamãe...
A partir desse dia, concluiu, estudo as obras de Allan Kardec e busco divulgá-las com inabalável convicção.





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