sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Pérolas literárias (89)



Miniaturas da Sociedade elegante

Artur Azevedo

1
Adriano Gonçalves de Macedo,
Homem de cabedais e alma sem siso,
Penetrou no seu quarto com um sorriso
Às dez horas da noite, muito a medo.

Uma carta de amante — era um segredo —
Ia abri-la, e, assim, era preciso
Que a sua esposa, dama de juízo,
Não na visse nem mesmo por brinquedo.

Dona Corália Augusta Colavida
Estaria nessa hora recolhida?
Levantou a cortina, devagar...

Mas, que tragédia após esse perigo...
Viu que a esposa beijava um seu amigo,
Sobre o divã, da sala de jantar.

2
No belo palacete do Furtado,
Palestrava a galante Mariquita
Com um pelintra afetado, assaz catita,
Bacharel delambido e enamorado.

De sobre a grande cômoda bonita,
Toma o moço um livrinho encadernado,
Revirando-o nas mãos, interessado,
Mas a jovem retoma-o, muito aflita:

- “Esse livro, Antonico, é meu breviário!”
Diz inquieta. E ele, cínico e falsário,
Arrebata-o às frágeis mãos trementes

Abriu-o. Mais o olhava e mais se ria...
Era um compêndio de pornografia,
Recamado de quadros indecentes.

3
Dom Castilho, notável latinista,
Realizara alentada conferência,
Sobre rígido assunto moralista,
Protegido dos membros da regência.

Foi um sucesso. E a esposa Ana Fulgência,
Nele via uma grande alma de artista,
Louvando-lhe a utilíssima existência
De homem probo e notável publicista.

Que primor de moral! e os companheiros
Escritores, poetas, conselheiros,
Foram levar-lhe um abraço camarada.

Numa corrida louca, esses senhores
Foram achá-lo em seus trajes menores,
No apartamento escuro da criada...


Artur Azevedo nasceu em São Luís, Maranhão, a 7 de julho de 1855 e faleceu na cidade do Rio de Janeiro a 22 de outubro de 1908. Diretor Geral de Contabilidade do Ministério da Viação, foi poeta, comediógrafo, jornalista e crítico. Membro e fundador da Academia Brasileira de Letras, ocupou a cadeira de Martins Pena. Os sonetos acima foram psicografados por Chico Xavier e fazem parte do Parnaso de Além-Túmulo.



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