terça-feira, 4 de abril de 2017

Contos e crônicas



Um príncipe chamado João

CÍNTHIA CORTEGOSO
cinthiacortegoso@gmail.com
De Londrina-PR

O menino João não morava em um castelo, nem se vestia com roupas finas, muito menos tinha empregados à sua volta. Ele não falava idiomas diferentes do seu e nem adquirira cultura. Para comer, tinha apenas o necessário para sobreviver. Brinquedos, ele mesmo construía com pedacinhos de pau, tampas de garrafas plásticas e outros intermináveis badulaques que encontrava. Adorava estudar, mas nem sempre podia ir à escola, era longe demais e quando não podia então ficava em casa estudando por conta.
Amigos, João tinha demais; as pessoas se aproximavam e desejam essa amizade sem nenhum interesse, pois o menino era a simplicidade e pobreza em grau elevado, também no mesmo grau era de educação, atenção, amor, fraternidade, bondade, afeição, caridade. Era encantado pelos animais, plantas e pelos pequeninos insetos. Atraía muitos desses para bem pertinho sem querer, assim ele pensava.
O local onde morava era muito simples e muitas outras pessoas ali moravam também. Havia as mesmas dificuldades e sofrimentos paras seus moradores e os seus olhos eram de tristeza e desesperança, no entanto, os olhos de João reluziam esperança e amor. Eram olhinhos de luz.
O menino, certo dia, teve bastante paciência e carinho com um cavalinho-de-deus que se enroscou numa planta com muitos galhinhos finos. Se fosse outro menino, seria mais provável deixar o pequenino inseto, preso, lá mesmo; entretanto, com calma e amor e falando muitas frases bondosas, João desvencilhou o pequenino verde e o devolveu à liberdade.
Outro dia ainda, observando uma menina mais nova que ele, em frente a uma mercearia do bairro simples, e já conhecendo o motivo por aquela visita ‒ enorme vontade, há tempo, de comer um doce ‒, João não teve dúvidas, foi até o dono do local e, com toda educação e delicadeza, pediu-lhe que lhe desse uma guloseima, pois não podia pagá-la, para, assim, presentear a pequena menina que estava doente de tanta vontade de comê-la. E realmente ganhou o doce e presenteou a pequena.
Os gatinhos, mesmo ariscos por natureza, viam de longe o menino João e vinham a seu encontro; os cachorrinhos eram seus grandes companheiros; os pássaros dançavam a revoada feliz; as outras crianças pobres corriam para perto dele.
As pessoas dali sempre diziam que o menino tinha mel, tamanha era sua doçura e não menos a sua bondade.
E tanto sofria com as maldades observadas de toda espécie, das insignificantes às nocivas demais. Ele não compreendia como o ser humano conseguia ser ainda assim, mas, ao mesmo tempo, compreendia, de alguma forma, que cada um se encontra num estágio com suas proezas, defeitos, dificuldades, tristezas, dores e conquistas. Cada um com sua responsabilidade. No entanto, no coração de João as benéficas qualidades ocupavam quase todo o espaço, seu coraçãozinho era muito bondoso.
E numa noite de frio durante a madrugada, como a única forma de aquecer e iluminar as casas era por meio de lampiões acesos e todas elas possuíam um, foi numa das casas vizinhas da de João que, por um descuido, ao deixar o lampião muito na beirada da mesa, ele caiu e rapidamente o fogo se alastrou sem ter chance de abafá-lo. A estação seca de inverno contribuiu para o alastramento do fogo e como as casas eram construídas de madeira e outros materiais inflamáveis e muito próximas umas das outras, em pouquíssimo tempo, uma enorme chama criou vida e ganhou altura.
O desespero tomou conta do simples lugar; quem conseguiu escapar a tempo tentava buscar ajuda aos menos felizes que, lamentavelmente, não tiveram a mesma sorte. Mas o fogo ganhava força e suas chamas imperavam naquele triste momento. Choro, desespero, dor embalavam o local. João tentou, com outros, várias maneiras de salvar os desafortunados, no entanto, muitos deles ficaram presos em seus casebres.
A fumaça cinza e entristecida tomava o ar; por ser pobre e muito distante o bairro popular, o socorro demorou a chegar e menos pôde ser feito pelos sofridos moradores. Após o desastre da chama e a ajuda dos bombeiros, felizmente, o incêndio foi apagado e também foi realizado o possível para auxiliar os necessitados.
O desconsolo abraçou o lugar. Todos perderam suas casas e o pouco que tinham. O que seria deles? Era o comum pensamento. Os sobreviventes estavam totalmente enfraquecidos pelo esforço, pelo susto, pelo desespero. Uns andavam de um lado para outro sem noção do que fazerem; não havia quase nenhum lugar de pé; um ou outro casebre insistia em continuar, as cinzas de tudo estavam no chão. E muitas pessoas haviam morrido; João perdera o avô e a avó, seus grandes companheiros, aliás, sua única família.
O menino olhava para tanta destruição e já doía muito a dor da perda dos avós. Mas João tinha força e muita fé, acreditava que para tudo havia uma causa e sua consequência e se já havia tanta desesperança e tristeza não seria de nenhuma ajuda ele também se desesperar e ser mais um a precisar de cuidados.
Na verdade, João foi a luz naquela escuridão de lamento, foi a esperança para aqueles corações sem vida e desanimados, foi os braços a embalar as crianças chorosas, foi as mãos com água e comida a alimentarem os restantes moradores, foi o consolo aos animaizinhos machucados e carentes, foi a paz e o amor, foi as palavras doces de uma oração a um desvalido em sua última hora, foi a coragem dos socorristas, foi a determinação no momento da fraqueza em continuar, foi o bálsamo no olhar e a doçura ao falar, João foi até cada sobrevivente e abraçou cada irmão seu. E o céu, em silêncio, assistia a tudo.
O menino era uma alma bondosa que só conhecia o desejo de amparar. João, de fato, era um anjo em forma de menino, animado com a luz de Jesus, que em mais uma existência veio para amar e ensinar com bondade; as características, inclinações e conquistas serão presentes em todo tempo e lugar.
Com pelo menos um anjo assim, Deus abençoa os grupos de seus filhos. São aquelas pessoas que, com benevolência no olhar, fortalecem outros olhares, curam e enchem de vontade os outros corações para quererem viver e melhorar-se.
E a mão suave de João consolava mais uma criança que acabara de ser resgatada com vida de um dos casebres acinzentados pelas chamas.

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