Comunicações
Irmão X (Espírito)
A história parece brejeira, mas o fato
é autêntico.
Rafael Provenzano escutava os grandes
comentaristas do Evangelho, entre despeitado e infeliz. Atormentado de inveja.
Queria também falar às massas, comover a multidão. Nada lhe fulgia tanto aos
olhos como a tribuna. E aguardava, ansioso, o dia em que pudesse alcançar
aquele ponto saliente no espaço, de onde a sua voz conseguisse impressionar
centenas de ouvidos. Embora fixado à semelhante ambição, era empregado de
singela sapataria. E a sua especialidade era bater pinos em sola.
Bastas vezes, surpreendia-se no trabalho,
mentalizando público enorme e ele a falar, a falar sob aplausos quentes. Talvez
por isso fosse ranzinza. Conflito permanente entre a vocação e a profissão. A
família e os companheiros pagavam a diferença. A esposa e as quatro filhinhas,
em casa, sofriam-lhe a teimosia e o desespero.
Irritadiço por dá aquela palha,
classificava-se à conta de tirano doméstico. Apurava com esmero o hábito de
chacoalhar e ferir. A tensão não se limitava ao círculo mais íntimo. A
parentela toda aguentava espancamentos morais. Entre amigos era temido na
condição de crítico impertinente. Apesar de tudo isso, a paixão de Rafael era
pregar solenemente a verdade cristã nos templos espíritas.
Certa noite, quando falava Martinho, o
orientador espiritual da reunião mediúnica de que era participante, Rafael
consultou o comunicante a respeito de seus velhos propósitos.
— Sim, meu filho — comentou o
benfeitor, através do médium —, você poderá ensinar, mais tarde, das tribunas.
Agora, porém, é cedo. Convém estudar, preparar-se, aprender a servir…
E prosseguiu explicando que a banca de
solador era também lugar santo. Podia demonstrar fé e abnegação pelo exemplo,
edificar, inspirar, auxiliar…
Provenzano ouviu paciente, mas saiu
desapontado.
Decorridas algumas semanas, o grupo se
aprestava à reunião, em sala adequada. Conversa amena. Uma hora faltando para o
início das orações. Rafael chega, alegre. Participa que deseja expor ao
estimado Martinho o estudo de um belo sonho e contou aos circunstantes que, na
noite anterior, se vira espiritualmente, fora do corpo físico. Sentira-se
volitando, leve qual pluma ao vento. E contemplara nos céus um cartaz com seis
letras “A. D. P. S. B. P.”, em projeção radiante. Tomara nota de tudo ao
despertar.
Dona Emília, que supunha nos sonhos um
constante veículo para grandes ensinamentos, inquiriu dele, quanto à conclusão
a que chegara.
— Pois a senhora não compreende?
E Rafael explanou para o auditório
interessado:
— Segundo a minha intuição, as letras
querem dizer: “agora deves pregar sem bater pinos”.
E acentuou que, apesar de algum
sacrifício para a família, se dispunha a tentar outro emprego. Precisava de
tempo livre. Se isso redundasse em privações e provações, afirmava-se pronto
para o que desse e viesse. Por fim, declarou-se cansado de bater couro de boi
para calçados. Aspirava a posição diferente.
No horário justo, a pequena assembleia
se entregou às tarefas que, naquela noite, se vinculavam à desobsessão.
Atividades preparatórias. Preces. E
começou movimentado socorro às entidades enfermas. Martinho ocupava o médium
esclarecedor, que, de quando em quando, orientava os serviços, dava ideias.
Rafael pediu vez para conversar. O
instrutor, contudo, recomendou-lhe esperasse. Necessário desincumbir-se de
obrigações mais urgentes. Entender-se-iam no fim. Com efeito, ao término das
atividades, Martinho convidou-o à palavra.
Algo tímido, Provenzano narrou o
sonho, referiu-se às letras luminosas que descobrira no firmamento, como que
brilhando especialmente para ele, e reasseverou os antigos desejos. Queria ser
grande conferencista e prometia consagrar-se, de corpo e alma, aos ensinamentos
públicos do Evangelho.
O amigo espiritual, sereno, perguntou
sobre a interpretação que ele, o interessado, dera às letras. Rafael repetiu,
impávido: “agora deves pregar sem bater pinos”.
O benfeitor espiritual, todavia,
pintou expressão de complacência no rosto do médium e observou:
— Efetivamente, Rafael, você esteve
fora do corpo de carne e viu, de fato, a mensagem do Plano espiritual… Mas,
engana-se, quanto ao que julga ter lido. As letras querem dizer, simplesmente:
“antes de pregar seja bom primeiro”.
Do livro Cartas e Crônicas, obra psicografada pelo médium Francisco Cândido
Xavier.
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