A arte e a novela dos nossos dias
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
Numa das aulas de literatura a que
assisti, anos atrás, na UnB, uma de nossas professoras disse-nos que
“literatura é mentira”. Como aluno disciplinado que sempre me esforcei em ser,
ouvi calado o que a mestra disse, embora intimamente discorde disso. História e
literatura, muitas vezes, se confundem, embora a segunda seja considerada
ficção, irrealidade. Quantas vezes, porém, a história não é “irreal” e
reformulada, sobretudo pelos que assumem o poder? Nesse caso, o vencedor
enxerga as coisas sob forma diferente da que é vista pelo vencido.
Do meu modesto ponto de vista, a mimese
literária, termo criado por Platão, ampliado em sua conceituação por
Aristóteles e apropriado, entre outros, pelo francês René Girard, é a própria
“realidade” trabalhada artisticamente. “Realidade” acontecida, acontecendo ou
possível de acontecer. Salvo casos
especiais, como os da literatura fantástica. Por isso, a mimese objetiva imitar
algo visto ou representar a natureza e as ações dos seres, estejam eles vivos
ou mortos. Mas a visão pode ser real ou imaginária. E aqui entram os devaneios
de Gaston Bachelard (A poética do espaço).
O Dicionário
Aurélio informa-nos alguns conceitos de literatura que ratificam meu juízo
sobre essa palavra: “1. Arte de compor ou escrever trabalhos artísticos em
prosa ou em verso. 2. O conjunto de trabalhos literários dum país ou duma época
[...]”. Literário, esclarece-nos Aurélio, é também adjetivo “respeitante a
letras, à literatura ou a qualquer espécie de cultura adquirida pelo estudo ou
pela leitura”. Ou seja, tudo o que se escreve, lato sensu, é literatura.
Nesse sentido, os roteiros de filmes e
novelas enquadram-se na definição literária. Como as novelas imitam a
realidade, ou, pelo menos, tentam convencer o telespectador atual de que “agora
é assim”, observamos uma mudança radical entre o que era encenado anos atrás e
o que vemos agora no Brasil. Refiro-me à representação do amor.
Antes, era o rapaz que se ajoelhava aos
pés da dama e a pedia em casamento. Agora é esta quem o pede em matrimônio ou
para ficarem juntos. Antes, nos filmes e novelas, um beijo dado,
inesperadamente, pelo amado, era retribuído com um forte tapa da musa. Agora, é
ela quem se atira aos braços dele, para beijá-lo, sem qualquer pudor... Quando
não lhe desabotoa a roupa em caliente
encontro.
As consequências disso têm sido
desastrosas, para quem confunde “ficção” com “realidade”. Como exemplo, cito as
novelas da Globo. Elas não retratam mais o amor e sim o sexo. No último sábado,
6 de julho, liguei rapidamente a TV no canal citado, enquanto preparava meu
jantar e, em poucos minutos, o que vi passar, na novela das dezenove horas,
confirmou minha impressão atual sobre a mensagem de tais programas, abertos ao
público em geral.
Eis a cena que presenciei,
representada, num quarto, entre uma jovem e um rapaz seminus: ela de calcinha e
soutien; ele, só de cueca. O rapaz,
com a cara apalermada, já de pé; a moça, deitada na cama.
Ele: — Fulana, acorda, vamos continuar
a tese. Não sei o que aconteceu comigo. Dormi e não me lembro de mais nada.
Ela: — Fulano, espera... Não sei como
adormeci e também não me recordo do que aconteceu conosco... Acho que colocaram
alguma droga em nossa bebida. Depressa, vamos voltar à tese.
Desliguei a TV...
Au revoir, amour!
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