A lição
do discernimento
Irmão X
Finda a cena brutal, em que o povo pretendia apedrejar a
mulher infeliz, na praça pública, Pedro, que seguia o Senhor, de perto,
interpelou-o, zelosamente:
– Mestre, desculpando os erros das mulheres que fogem ao
ministério do lar, não estaremos oferecendo apoio à devassidão? Abrir os braços
no espetáculo deprimente que acabamos de ver não será proteger o pecado?
Jesus meditou, meditou... e respondeu:
– Simão, seremos sempre julgados pela medida com que
julgarmos os nossos semelhantes.
– Sim – clamou o apóstolo, irritado –, compreendo a
caridade que nos deve afastar dos juízos errôneos, mas porventura conseguiremos
viver sem discernir? Uma pecadora, trazida ao apedrejamento, não perturbará a
tranquilidade das famílias? Não representará um quadro de lama para as crianças
e para os jovens? Não será uma excitação à prática do mal?
Ante as duas interrogações, o Messias observou, sereno:
– Quem poderá examinar agora o acontecimento, em toda a
extensão dele? Sabemos, acaso, quantas lágrimas terá vertido essa desventurada
mulher até a queda fatal no grande infortúnio? Quem terá dado a esse pobre
coração feminino o primeiro impulso para o despenhadeiro? E quem sabe, Pedro,
essa desditosa irmã terá sido arrastada à loucura, atendendo a desesperadoras
necessidades?
O discípulo, contudo, no propósito de exalçar a justiça,
acrescentou:
– De qualquer modo, a corrigenda é inadiável imperativo.
Se ela nos merece compaixão e bondade, há então, noutros setores, o culpado ou
os culpados que precisamos punir. Quem terá provocado a cena desagradável a que
assistimos? Geralmente, as mulheres desse naipe são reservadas e fogem à
multidão... Que motivos teriam trazido essa infeliz ao clamor da praça?
Jesus sorriu, complacente, e tornou:
– Quem sabe a pobrezinha andaria à procura de
assistência?
O pescador de Cafarnaum acentuou, contrariado:
– O responsável devia expiar semelhante delito. Sou
contra a desordem e na gritaria que presenciamos estou convencido de que o
cárcere e os açoites deveriam funcionar...
Nesse ponto do entendimento, velha mendiga que ouvia a
conversação, caminhando vagarosamente, quase junto deles, exclamou para Simão,
surpreendido:
– Galileu bondoso, herdeiro da fé vitoriosa de nossos
pais, graças sejam dadas a Deus, nosso poderoso Senhor! A mulher apedrejada é
filha de minha irmã paralítica e cega. Moramos nas vizinhanças e vínhamos ao
mercado em busca de alimento. Abeirávamo-nos daqui, quando fomos assaltadas por
um rapaz que, depois de repelido por ela, em luta corpo a corpo, saiu a
indicá-la ao povo para a lapidação, simplesmente porque minha infeliz sobrinha,
digna de melhor sorte, não tem tido até hoje uma vida regular... Ambas estamos
feridas e, com dificuldade, tornaremos para a casa... Se é possível, Galileu
generoso, restabelece a verdade e faze a justiça!
– E onde está o miserável? – gritou Simão, enérgico,
diante do Mestre, que o seguia, bondoso.
– Ali!... Ali!... – informou a velhinha, com o júbilo de
uma criança reconduzida repentinamente à alegria. E apontou uma casa de
peregrinos, para onde o apóstolo se dirigiu, acompanhado de Jesus que o
observava, sereno.
Por trás de antiga porta, escondia-se um homem, trêmulo
de vergonha.
Pedro avançou de punhos cerrados, mas, a breves segundos,
estacou, pálido e abatido. O autor da cena triste era Efraim, filho de Jafar,
pupilo de sua sogra e comensal de sua própria mesa.
Seguira o Messias com piedosa atitude, mas Pedro bem
reconhecia agora que o irmão adotivo de sua mulher guardava intenção diferente.
Angustiado, em lágrimas de cólera e amargura, Simão
adiantou-se para o Cristo, à maneira do menino necessitado de proteção, e
bradou:
– Mestre, Mestre!... Que fazer?...
Jesus, porém, acolheu-o amorosamente nos braços e murmurou:
– Pedro, não julguemos para não sermos julgados.
Aprendamos, contudo, a discernir.
Do livro Contos e
Apólogos, obra mediúnica psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.
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