O Espiritismo perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 17
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de
Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa
servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do
Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas
encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. Quem é considerado o pioneiro na
pesquisa da chamada escrita direta?
B. Que diz Gabriel Delanne a propósito
da escrita direta?
C. Por que os cientistas,
provavelmente a maioria, resistem em admitir a participação dos Espíritos nos
fenômenos que colegas deles comprovaram e descreveram?
Texto para leitura
416.
Como está muito espalhada a objeção da transmissão pelo pensamento,
vamos citar outros exemplos que mostrarão quanto ela é absurda quando se quer
aplicá-la às manifestações espíritas.
417. Refere Crookes que, numa sessão
com Home, uma pequena régua, que se achava na mesa, a pouca distância das mãos
do médium, atravessou a mesa, sozinha, veio, em plena luz, até ele e lhe deu
uma comunicação (é assim que se denominam as mensagens dos Espíritos),
batendo-lhe numa das mãos. “Soletrei – diz Crookes – o alfabeto, e a régua,
cuja extremidade assentava na mesa, me batia às letras necessárias. As pancadas
eram tão nítidas, tão precisas, e estava a régua sob tão evidente influência de
um poder invisível, que perguntei: – A inteligência que dirige os movimentos
dessa régua poderá mudar o caráter desses movimentos e dar-me, por meio de
pancadas na minha mão, uma mensagem telegráfica no alfabeto de Morse? Tenho
razões para crer que o alfabeto Morse era inteiramente desconhecido dos
presentes, e eu mesmo sabia mal. Apenas pronunciara aquelas palavras, mudou o
caráter das pancadas; a mensagem continuou na forma em que eu pedira. As letras
eram dadas rapidamente, de maneira que se apanhava uma ou outra palavra, e a
mensagem perdeu-se; vi, porém, o bastante para convencer-me de que havia, na
outra extremidade da régua, um bom operador de Morse, quem quer que possa ser.”
418. Não há aqui sombra de transmissão
de pensamento, e desafiamos Chevreul, Thury e os demais a nos explicarem o que
se dá no caso, excluída a intervenção espiritual.
419. Um último fato, igualmente
probante, é lembrado por Crookes: “Certa senhora escrevia, automaticamente, por
meio da prancheta. Procurei descobrir o meio de provar que o que ela escrevia
não era devido à ação inconsciente do cérebro. A prancheta afirmava, como o faz
sempre, que, embora ela fosse posta em movimento pela mão e pelo braço dessa
senhora, a inteligência que a dirigia era a de um ser invisível, que se
utilizava do cérebro da senhora como de um instrumento de música, e assim lhe
fazia mover os músculos. Perguntei, então, à inteligência:
– Vê o que há neste aposento?
– Sim, escreveu a prancheta.
– Vê esse jornal e o pode ler? –
ajuntei, colocando o dedo num número do Times, que estava em uma mesa, atrás de
mim, mas sem o olhar.
– Sim, respondeu a prancheta.
– Bem – acrescentei eu –, se pode
vê-lo, escreva, agora, a palavra que está coberta por meu dedo, e crer-lhe-ei.
A prancheta começou por mover-se
lentamente e com muita dificuldade escreveu a palavra honra (honour); voltei-me
e vi que a palavra honra era a coberta pela ponta de meu dedo. Quando fiz essa
experiência, evitara, propositadamente, olhar o jornal, e era impossível à
senhora, ainda que o tivesse tentado, ver uma única palavra impressa, porque
ela estava sentada a uma mesa, o jornal ficava em outra, atrás de mim, e meu
corpo o encobria.”
420. O testemunho de sábios como
Crookes e Wallace é de grande valor, porque seria difícil acreditar que esses
grandes homens estivessem a divertir-se, mistificando, como vulgares farsistas,
os seus contemporâneos. Por outra parte, seu saber, o profundo hábito da
experiência, os põem ao abrigo da acusação de credulidade.
421. É preciso, pois, concluir que
eles realmente viram, que os fatos são bem reais e que os Espíritos se
manifestam aos homens. Se não temêssemos sobrecarregar a discussão, citaríamos
ainda um grande número de fatos, mas preferimos encaminhar o leitor desejoso de
instruir-se aos volumes publicados por esses sábios.
422. As manifestações espíritas não se
limitam ao movimento das mesas; a experiência revelou que os Espíritos agem
sobre os homens, de diferentes modos, para ditar suas comunicações. Mas,
qualquer que seja o seu modo de operar, é preciso que haja entre os assistentes
um indivíduo que possa ceder parte de seu fluido vital. Os que têm essa
propriedade são chamados médiuns.
423. O mais extraordinário entre os
fenômenos espíritas é, indubitavelmente, o da escrita direta. Citemos novamente
Crookes: “A escrita direta é a expressão empregada para designar a escrita que
não é produzida por nenhuma das pessoas presentes. Obtive, muitas vezes,
palavras e mensagens escritas em papéis marcados com o meu sinete particular e
sob a mais rigorosa fiscalização. Ouvi, no escuro, o lápis mover-se no papel.
As precauções preliminares tomadas por mim foram tão grandes que o meu espírito
se convencera, como se eu tivesse visto os caracteres se formarem. Mas, por
falta de espaço, limitar-me-ei a citar os casos em que meus olhos e meus
ouvidos foram testemunhas da operação. O primeiro fato, é verdade, se realizou
numa sessão escura, mas o resultado não foi menos satisfatório. Eu estava junto
da médium, a Srta. Kate Fox; não havia mais pessoas presentes, além de minha
mulher e outra senhora, nossa parenta; eu segurava as mãos da médium numa das
minhas enquanto que seus pés estavam sobre os meus. Havia papel na mesa e em
minha mão livre mantinha um lápis. Uma mão luminosa desceu do teto e depois de
haver planado perto de mim, alguns segundos, tomou-me o lápis da mão, escreveu
rapidamente numa folha de papel, deixou o lápis e, em seguida, elevou-se acima
de nossas cabeças e, pouco a pouco, se perdeu na obscuridade.”
424. Não é a primeira vez que tais
fatos se produzem. O Barão de Guldenstubbé publicou, em 1857, um livro curioso,
intitulado La Réalité des Esprits et le
phénomène merveilleux de leur écriture directe. Nesse volume, conta o autor
como foi levado a fazer essa experiência. Estava à procura de uma prova, ao
mesmo tempo, inteligente e palpável, da realidade do mundo dos Espíritos, para
demonstrar a existência da alma com fatos irrefutáveis. Colocou, pois, um papel
de carta, branco, e um lápis numa caixa; fechou-a a chave e nada disse a
ninguém. Para maior segurança, pôs a chave no bolso. Esperou 12 dias em vão,
sem notar algo de novo; qual não foi, porém, a sua surpresa, quando, a 13 de
agosto de 1856, viu certos caracteres no papel. Não podia crer em seus olhos e
repetiu a experiência dez vezes no mesmo dia, a fim de convencer-se de que não
era joguete de uma ilusão.
425. Contou a seu amigo, o conde
Ourches, o maravilhoso descobrimento; experimentaram ambos e, depois de várias
tentativas, obteve o conde uma comunicação de sua mãe, morta cerca de 20 anos
antes; a escrita e a assinatura foram reconhecidas como verdadeiras. Isso
afasta qualquer interpretação sonambúlica do fenômeno.
426. Tem-se dito que as mensagens
recebidas por esse processo são, na maior parte, insípidas. Responde Oxon,
professor da Faculdade de Oxford: “Quanto à inteligência das mensagens escritas
fora dos processos comuns, não quero saber se é ou não digna de apreço, pelo
conteúdo das comunicações. O escrito pode ser tão insensato quanto aprouver aos
críticos. Se nada há mais tolo, isso favorece meu argumento. Está ou não está
escrito? Deixemos de lado os absurdos do pensamento e nos atenhamos apenas ao
fato.”
427. É o que fazemos, notando,
entretanto, que esses escritos estão longe de ser tão ridículos, como se
pretende. A propósito da escrita direta, escreve Oxon, sábio professor, que a
estudou durante 5 anos: “Há cinco anos que me é familiar o fenômeno da
psicografia (escrita dos Espíritos). Observei-o em grande número de casos, ou
com psíquicos (médiuns) conhecidos do público, ou com pessoas que possuíam o
dom de produzir esse resultado. No curso de minhas observações, vi psicografias
obtidas em caixas fechadas (escrita direta); em papel escrupulosamente marcado
e colocado em posição especial, donde não podia ser deslocado; em papel marcado
e colocado sobre a mesa, no escuro; em papel colocado sob meu cotovelo ou
coberto por minha mão; em papel, num envelope fechado e lacrado; em ardósias
ligadas. Vi escritas produzidas também quase instantaneamente e essas
experiências me demonstraram que tais escritas não eram sempre obtidas pelo
mesmo processo. Enquanto se vê, algumas vezes, o lápis escrever como se fosse
conduzido por mão, ora invisível, ora a dirigir-lhe os movimentos de maneira
visível, em outras, a escrita parece produzida por um ato instantâneo, sem
auxílio do lápis.”
428. Ao de Crookes se junta o
testemunho de Oxon. Estes sábios, operando sem ciência um do outro, chegam aos
mesmos resultados. Afirmam ambos terem visto mãos conduzirem os lápis e
escreverem frases. Não há aí com que fazer refletir os mais incrédulos?
429. Vejamos o testemunho de sábios de
outras partes da Europa. Quanto mais mostrarmos o caráter universal das
manifestações dos Espíritos, mais elas terão valor aos olhos dos homens de
boa-fé. Zöllner, na Alemanha, acaba de confirmar as experiências de seus
colegas e apoia sua narrativa em autoridades como Fechner, Weber e Schreibner.
Vejamos, ainda de Eugênio Nus, que o traduziu diretamente do alemão, o seguinte
trecho: “Na noite seguinte – é Zöllner quem fala – sexta-feira, 16 de novembro
de 1876, coloquei uma mesa de jogo com quatro cadeiras, em um quarto onde Slade
ainda não tinha entrado. Depois que Fechner, o professor Braune, Slade e eu
colocamos as mãos entrelaçadas sobre a mesa, ouviram-se pancadas nesse móvel;
eu comprara uma ardósia, que assinalamos; nela colocamos um fragmento de lápis
e Slade os pôs à beira da mesa; minha faca foi atirada, subitamente, à altura
de um pé e recaiu na mesa. Repetindo-se a experiência, viu-se que o fragmento
do lápis, cuja posição foi marcada com um sinal, ficou no mesmo lugar na
ardósia. A dupla ardósia, depois de limpa e munida de um duplo lápis, foi
segura por Slade, sobre a cabeça do Professor Braune; ouviu-se uma arranhadura
e, aberta a ardósia, lá se encontraram muitas linhas escritas. Uma cama
colocada no aposento, por trás de um biombo, transportou-se inopinadamente até
ficar a dois pés de distância da parede e afastou o biombo. Slade estava longe
da cama e lhe dava as costas; tinha as pernas cruzadas, o que todos viam”.
430. Mas então, se os Espíritos
puderam agitar guéridons[i], se lhes
foi possível escrever fazendo ver suas mãos, por que não se tornariam eles
próprios visíveis? Impressionado por estas considerações, Crookes foi levado a
constatar resultados esplêndidos que analisaremos no capítulo em que tratamos
especialmente da mediunidade.
431. Deve ter-se notado que
contentamo-nos, até agora, em referir as experiências, sem lhes dar qualquer
explicação; é que não queremos enfraquecer-lhes o alcance por comentários, que
poderiam dar lugar à crítica. Por mais estranhos, bizarros, perturbadores que
possam parecer esses fenômenos, há uma coisa certa, evidente, é que existem,
pois que foram verificados pelas sumidades da Inglaterra, da Alemanha e da
América. Além disso, em nenhum caso podem ser atribuídos à intervenção humana,
porque foram tomadas as precauções para afastar essa eventualidade.
432. Em um século de positivismo
intransigente como o nosso, tais revelações eram indispensáveis para firmar a
crença na imortalidade; desaparecida a fé com as religiões abandonadas,
tornava-se necessário o fato brutal, para restabelecer a verdade. Hoje ela se
nos impõe a todos, e apesar das negações interessadas do materialismo,
triunfará de todos os obstáculos amontoados à sua frente.
433. Os fenômenos espíritas têm sido
tão ridicularizados que é útil insistir muito nos fatos que militam em seu
favor. Os cientistas de nosso país, por tendência natural ou temor do ridículo,
não ousam entregar-se a essas investigações. Não temos a pretensão de
convencê-los, referindo-lhes os trabalhos dos seus colegas do mundo inteiro,
mas se essa leitura lhes pudesse inspirar o desejo de verificar o que há de
verdadeiro ou falso em tais asserções, nosso fim seria atingido.
434. Pintaram os adeptos do
Espiritismo com tão absurdas cores, que muitas pessoas supõem tratar-se de
doentes ou alucinados. Há dificuldade em se apresentar, de público, um
partidário de Allan Kardec, como um bom burguês prosaico; entretanto, é o que é
fácil de verificar, frequentando-se a sociedade espírita. Em vez de fisionomias
desfiguradas, com os olhos a brilharem de febre, veem-se pessoas honestas, que
experimentam, tranquilamente, e discutem os resultados obtidos com tanto sangue
frio e lucidez como em qualquer outro meio em que se estude.
435. O preconceito tem tão poderoso
império sobre os homens, ainda os mais distintos, que não nos devemos espantar
da vigorosa oposição, quando trazemos as mãos cheias de ideias em antagonismo
com as vistas gerais. Eis a carta de um amigo de Crookes, que descreve
perfeitamente esse estado psicológico: “Não posso – respondia ele ao célebre
químico – achar resposta razoável aos fatos que V. expõe. E é curioso que eu
mesmo, ainda com tendência e desejo de crer no Espiritismo, com fé em seu poder
de observação e sua perfeita sinceridade, experimente a necessidade de ver por
mim e me é penoso pensar que preciso de muitas provas. Digo penoso, porque noto
que não há razões que possam convencer um homem, a menos que o fato se repita
tantas vezes, que a impressão pareça tornar-se um hábito do espírito, um velho
conhecimento, uma coisa conhecida há tanto tempo, que dele não se possa mais
duvidar. É uma das faces curiosas do espírito humano e os homens de ciência a
possuem em alto grau, mais que os outros, creio eu. Não devemos, por isso,
dizer que um homem é desleal porque resiste muito tempo à evidência. A velha
muralha das crenças deve ser abatida à força dos golpes.”
436. É esta também a nossa opinião, e
assim se explica a persistência com que reunimos o maior número possível de
documentos, para implantar a convicção nas almas sinceras. Se recusarem
seguir-nos em todas as consequências que tiramos da observação, ao menos não se
poderá dizer que nossas crenças não tenham um ponto sério de partida.
437. Os espiritistas não são fanáticos
nem sectários; não querem impor a quem quer que seja a teoria que deduziram da
imparcial apreciação dos fatos. Se lhes demonstrarem amanhã que estão em erro,
abandonarão imediatamente sua maneira atual de ver, para se colocarem ao lado
da verdade, porque o seu método é, antes de tudo, o racionalismo. Até agora,
porém, consideram sua doutrina a mais provável e continuam a ensiná-la.
[i]
Guéridon - mesa pequena de um só pé.
Respostas às questões preliminares
A. Quem é considerado o pioneiro na pesquisa da chamada
escrita direta?
O pioneiro no tocante a esse fenômeno
foi o Barão de Guldenstubbé, que publicou, em 1857, um livro curioso,
intitulado La Réalité des Esprits et le
phénomène merveilleux de leur écriture directe. Nesse volume, conta o autor
como foi levado a fazer essa experiência. (O
Espiritismo perante a Ciência, Terceira Parte, Cap. II - As teorias dos
incrédulos e o testemunho dos fatos.)
B. Que diz Gabriel Delanne a propósito da escrita direta?
Delanne a considera o mais
extraordinário dentre os fenômenos espíritas, e cita, a propósito, vários fatos
colhidos nas experiências de William Crookes com a médium Kate Fox. (Obra
citada, Terceira Parte, Cap. II - As teorias dos incrédulos e o testemunho dos
fatos.)
C. Por que os cientistas, provavelmente a maioria, resistem
em admitir a participação dos Espíritos nos fenômenos que colegas deles
comprovaram e descreveram?
O fato se explica pela dificuldade que
existe em modificarmos nossas crenças milenares. “A velha muralha das crenças
deve ser abatida à força dos golpes”, disse a Crookes um de seus amigos, e
Delanne pensa de igual modo. (Obra citada, Terceira Parte, Cap. I - Provas da
imortalidade da alma pela experiência.)
Observação:
Para acessar a parte 16 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/07/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel.html
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