CINCO-MARIAS
Conflitos entre irmãos
EUGÊNIA PICKINA
eugeniapickina@gmail.com
O que é a tolerância? É o apanágio da humanidade. Somos todos cheios de
fraquezas e de erros; perdoemo-nos reciprocamente as nossas tolices, tal é a
primeira lei da natureza. Voltaire
Os conflitos fazem parte de todas as relações, incluindo, na infância, o
dia a dia dos irmãos, pois é natural que as pessoas, desde pequenas, manifestem
necessidades e gostos distintos, por vezes incompatíveis, e isso não é
necessariamente mal.
É sabido que muitas variáveis influenciam a relação dos irmãos: os pais,
o ambiente, a cultura, a própria personalidade, a ordem de nascimento, as
doenças ou acidentes de infância que cada criança experimenta etc.
Contudo, estudos distintos concordam que o conflito entre irmãos é normal,
comum e, por isso, participa de modo espontâneo da história individual de quem
não é filho único.
Em casa, no dia a dia, as crianças pequenas vão, é óbvio, precisar da
ajuda do adulto para enfrentar as situações de divergências, aprendendo, com
esse auxílio materno ou paterno, a entender pouco a pouco os conflitos de um
modo (mais) positivo. Imaginemos que temos uma criança que gosta de jogar
futebol e o irmão mais novo gosta de andar de bicicleta. Os dois podem ter
gostos diferentes, e nenhum deles está errado. Os pais precisam, então,
aprender a dizer: “o seu irmão gosta mais de jogar bola e você gosta mais de
bicicleta, há momentos em que vou jogar bola e outros em que vou estar com você
para andarmos juntos de bicicleta”. Em termos simples: não tem de ser um contra
o outro. A atitude dos pais é que sinaliza aos pequenos uma maneira de ver as
diferenças em um contexto mais conciliatório do que competitivo e, em
consequência, conviver sem a ameaça constante de ciúmes ou antagonismos.
Os pais não podem ter medo do conflito. No entanto, como muitos pais se
assustam diante de um conflito entre irmãos, costumam falar coisas como “vocês
são irmãos, precisam se dar bem” em vez de dizer-lhes que precisam lidar com as
diferenças e ainda assim se respeitarem.
A maioria dos pais tem um segundo filho para que os irmãos cresçam na
companhia de uma pessoa de confiança para a vida inteira. No entanto, sabemos
que os filhos são distintos, têm histórias próprias e, já na infância, vão
entrar em choque. O que fazer então? Os pais podem, sim, se envolver no
cotidiano das rusgas entre irmãs pequenos, mas sempre convidando as crianças a
resolver as situações por si próprias e para que alcancem um patamar de
compreensão e respeito.
Sem esquecer que todas as crianças merecem ser amadas da forma que
precisam de ser amadas, a principal obrigação dos pais é criar um ambiente de
paz em casa, evitando, por exemplo, as comparações entre os filhos. Vamos a uma
cena comum: há dois irmãos, um com 8 e outra com 5 anos; a de cinco anos acabou
de comer o prato de macarrão, ao contrário do irmão de oito, que tem mais
resistência para comer. A mãe ou pai diz: “Olha só, João! Alice é mais nova do
que você e já acabou de comer, quem é o bebê da família?” Qual é a intenção de
um adulto ao dizer isso a uma criança? Que o irmão precisa comer mais depressa
que a irmã, porque é o mais velho? Claro que essa atitude não tem o menor
fundamento do ponto de vista educativo e, no plano prático, apenas fará com que
o irmão mais velho se sinta diminuído, incapaz, humilhado e exposto, promovendo
entre os irmãos um espírito de competição, desunião e intolerância.
Aos pais que queiram educar os filhos com base no afeto e no respeito, é
sempre aconselhável se informarem sobre as necessidades de cada filho,
adquirindo ainda noção do desenvolvimento de cada criança, pois é extremamente
injusto pedir certas coisas que os filhos ainda, por imaturidade, não conseguem
dar…
A família é sumamente importante em nossas vidas, pois assume a condição
de agente socializador imprescindível para o nosso desenvolvimento. Na infância
(e na adolescência), as brigas entre irmãos fazem parte do crescimento – e os
pais, na retaguarda, devem dar oportunidade de os irmãos resolverem o conflito sozinhos,
estimulando, com persistência, tolerância, respeito e autonomia.
Notinha
Na infância, o filho único, mais sujeito à solidão, depende de que os
pais promovam atividades que o coloquem em contato com outras crianças. E filho
único pode, sim, ser uma criança amável e tolerante se os valores da sua
educação forem devidamente estruturados na convivência familiar.
*
Esta seção, cuja estreia neste blog ocorreu no dia 6 de janeiro deste
ano, traz sempre textos dedicados à infância, seus cuidados, sua educação. O
título – Cinco-marias – é uma alusão a um conhecido brinquedo
que integra um conjunto de brincadeiras e
atividades lúdicas conceituadas como Patrimônio Cultural da Humanidade.
Eugênia Pickina é educadora ambiental e terapeuta
floral e membro da Asociación Terapia Floral Integrativa (ATFI), situada em
Madri, Espanha. Escritora, tem livros infantis publicados pelo Instituto
Plantarum, colaborando com o despertar da consciência ambiental junto ao Jardim
Botânico Plantarum (Nova Odessa-SP).
Especialista em Filosofia (UEL-PR) e mestre em
Direito Político e Econômico (Mackenzie-SP), está concluindo em São Paulo a
formação em Psicanálise.
Ministra cursos e palestras sobre educação ambiental
em empresas e escolas no estado de São Paulo e no Paraná, onde vive.
Seu contato no Instagram é @eugeniapickina
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