O
caso da paralítica que um dia foi rainha
ASTOLFO O. DE OLIVEIRA
FILHO
aoofilho@gmail.com
Assim o médium relatou a história:
“Horas antes de nossa reunião pública, com quatro irmãos que se
achavam em nossa companhia, fomos a cidade vizinha visitar uma criança doente.
Não longe da casa em que reside a pequenina enferma encontramos uma senhora
paralítica, em recanto quase isolado de extensa zona rural, que nos solicitou
orarmos com ela por alguns momentos. Muito simpática e sofredora, vivendo da
caridade pública e sem qualquer parente, a situação dela realmente nos comoveu
muito. Voltamos para a nossa reunião. E, depois de nossa habitual visita a alguns
lares de irmãos nossos, passamos ao desenvolvimento das tarefas da noite.
O Evangelho segundo o Espiritismo nos ofereceu a exame a formosa página intitulada ‘Uma realeza
terrestre’, no capítulo II, assinada por entidade espiritual que se reportava
às lutas que encontrara na posição altamente destacada que usufruiu na Terra. A
comunicação foi carinhosamente estudada por uma de nossas irmãs presentes. E,
no encerramento da reunião, o poeta Epifânio Leite nos trouxe um soneto com
dedicatória expressiva. Ele mesmo, o poeta desencarnado, informou-nos por
audição referir-se à paralítica em penúria material que havíamos visitado horas
antes.”
O soneto, assinado por Epifânio Leite, intitula-se “Refazimento” e
diz o seguinte:
Vejo-te, soberana, aos painéis da memória!
O trono te emoldura a face de outras eras…
Oprimes sem temor, espancas onde imperas,
Fulges no fausto vão de vaidade ilusória!…
A paixão te esfogueia a fome de vanglória,
Exilas e destróis, humilhas e encarceras…
Vem a morte, no entanto, entre forças austeras,
E largas sob a cinza a pompa transitória!
Foi-se o tempo… Hoje achei-te em catre duro e estreito,
Paralítica e só, parafusada ao leito!…
Chorei ao ver-te a choça e o triste quarto em ruínas!
Mas louvo o fel de agora ante o sol do futuro…
Pela dor subirás ao reino do amor puro
Em teu carro estelar de açucenas divinas!
Na apresentação do soneto, Epifânio Leite escreveu estas palavras:
“Versos dedicados à venerável irmã que conhecemos na realeza
terrestre, há quatro séculos. Culta, não espalhou os benefícios da
inteligência; amiga incondicional dos amigos e inimiga implacável dos
adversários; generosa para com os áulicos abastados e indiferente às vítimas da
penúria. Embora destacasse as vantagens da paz, incentivou, quanto pôde, as
guerras de conquista e ambição. Agradecida aos vassalos obedientes, perseguia
até à morte quantos não lhe observassem as diretrizes.
Amada e odiada, alcançou o Mais Além e, à frente da verdade,
preocupou-se com a redenção própria.
Regressou à Terra, várias vezes, apagando-se devagar, quanto ao
brilho terreno que ostentava, até que rogou a prova final, em que a
identificamos presentemente, habilitando-se no corpo enfermo e disforme, em
acentuada penúria, para a ascensão próxima à Espiritualidade Superior.
A essa irmã admirável e valorosa, capaz de omitir-se e sofrer até
a integral reparação da própria grandeza em si mesma, oferecemos aqui a nossa
pálida homenagem, desejando-lhe plena vitória em Jesus e com Jesus.”
O poeta Epifânio Leite de Albuquerque nasceu e morreu em Fortaleza-CE
(1891-1942). Autor do livro de poesias Escada de Jacó, membro da
Academia Cearense de Letras, foi juiz de Direito em Baturité, no mesmo estado.
O caso da ex-rainha, que não é o único apresentado nas obras
espíritas como prova de como funciona a Lei divina, ajuda-nos a compreender a verdade
contida em um pensamento espírita bem conhecido, sintetizado nas seguintes
palavras: O mal que nos faz mal não é o mal que nos fazem, mas o mal que nós
fazemos, porquanto na vida, se a semeadura é livre, a colheita é e será
sempre compulsória.
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