sábado, 13 de fevereiro de 2021

 



Os que dormem nas ilusões do ego

 

JORGE LEITE DE OLIVEIRA

jojorgeleite@gmail.com

De Brasília-DF

 

Todos os personagens desta história participavam duma reunião espírita no salão da modesta casa de dona Isabel, viúva do Espírito Isidoro, com quem ela havia iniciado esse trabalho quando o marido ainda estava encarnado.[1] Os Espíritos Aniceto, André Luiz e Vicente assistiam a interessante diálogo entre cavalheiro orgulhoso, "rodeado de sombra", em especial, "ao longo do cérebro", e o Sr. Bentes, dirigente da reunião:

— Há muito [...] frequento as reuniões espíritas, à procura de alguma coisa que me satisfaça; no entanto — e sorriu irônico —, ou a minha infelicidade é maior que a dos outros ou estamos diante de mistificação mundial.

E, após breve pausa:

— Tenho estudado muitíssimo, não me furtando ao crivo da razão rigorosa. Já devorei extensa literatura relativa à sobrevivência humana e, todavia, nunca obtive uma prova. O Espiritismo está cheio de teses sedutoras, mas o terreno se mostra cheio de dúvidas. A obra de Kardec, inegavelmente, representa extraordinária afirmação filosófica; entretanto, encontramos com Richet um acervo de perspectivas novas. A metapsíquica corrigiu muitos voos da imaginação, trazendo à análise pública observações mais profundas sobre os desconhecidos poderes do homem. No exame dessas verdades científicas, o mediunismo foi reduzido em suas proporções. Precisamos dum movimento de racionalização, ajustando os fenômenos a critério adequado. Todavia, meu caro Bentes, vivemos em paisagem de mistificações sutis, distantes das demonstrações exatas.

Bentes, sereno e confiante em sua fé, respondeu-lhe:

— Concordo, Dr. Fidélis, em que o Espiritismo não deva fugir a toda espécie de considerações sérias; contudo, creio que a Doutrina é um conjunto de verdades sublimes, que se dirigem, de preferência, ao coração humano. É impossível auscultar-lhe a grandeza divina com a nossa imperfeita faculdade de observação, ou recolher-lhe as águas puras com o vaso sujo dos nossos raciocínios viciados nos erros de muitos milênios. Ao demais, temos aprendido que a revelação de ordem divina não é trabalho mecânico em leis de menor esforço. Lembremos que a missão do Evangelho, com o Mestre, foi precedida por um esforço humano de muitos séculos. Antes de morrerem os cristãos nos circos do martírio, quantos precursores de Jesus foram sacrificados? Primeiramente, devemos construir o receptáculo; em seguida, alcançaremos a bênção. A Bíblia, sagrado livro dos cristãos, é o encontro da experiência humana, cheia de suor e lágrimas, consubstanciada no Velho Testamento, com a resposta celestial, sublime e pura, no Evangelho de Nosso Senhor.

O Dr. Fidélis, do alto de sua cultura e orgulho desmedido, sorriu ironicamente, enquanto o Sr. Bentes prosseguiu com seus argumentos, dizendo por fim:

— [...] não poderemos ajuizar, com precisão, as correntes generosas de um rio caudaloso, observando tão somente as gotas recolhidas no dedal das nossas limitações.

O pesquisador, seguro de seus conhecimentos teóricos com explicação para tudo, não perdeu tempo em rebater seu contraditor:

— Você fala como homem de fé, esquecendo que meu esforço se dirige à razão e à ciência. Quero referir-me às ilações inevitáveis da consulta livre, às farsas mediúnicas de todos os tempos. Você está informado de que cientistas inúmeros examinaram as fraudes dos mais célebres aparelhos do mediunismo na Europa e na América. Ora, que esperar de uma doutrina confiada a mistificadores continentais?

O Sr. Bentes ouviu o amigo e, tranquilo, após lhe dizer que não podemos colocar em todos os médiuns a culpa pela irresponsabilidade de alguns, ponderou:

— Os médiuns são simples colaboradores do trabalho de espiritualização. Cada um responderá pelo que fez das possibilidades recebidas, como também nós seremos compelidos a contas necessárias, algum dia. Não poderíamos cometer o absurdo de atribuir a concentração de todas as verdades divinas somente na cabeça de alguns homens, candidatos a novos cultos de adoração.

A essa ponderação retrucou o Dr. Fidélis, como ainda hoje ocorre com aqueles que se fiam exclusivamente nas cabeças férteis dos teóricos terrenos, influenciados pelos inimigos da verdade e do bem:

— Vamos ver, vamos ver... Espero a mensagem dos meus com os sinais iniludíveis da sobrevivência, após a morte...

Ouvindo isso, o Espírito Aniceto falou:

— Repararam como este homem traz a mente enfermiça? É um dos curiosos doentes, encarnados. Tem vasta cultura e, todavia, como traz o sentimento envenenado, tudo quanto lhe cai nos raciocínios participa da geral intoxicação. É pesquisador de superfície, como ocorre a muita gente. Tudo espera dos outros, examina seu semelhante, mas não ausculta a si mesmo. Quer a realização divina sem o esforço humano; reclama a graça, formulando a exigência; quer o trigo da verdade, sem participar da semeadura; espera a tranquilidade pela fé, sem dar-se ao trabalho das obras; estima a ciência, sem consultar a consciência; prefere a facilidade, sem filiar-se à responsabilidade, e, vivendo no torvelinho de continuadas libações, agarrado aos interesses inferiores e à satisfação dos sentidos físicos, em caráter absoluto, está aguardando mensagens espirituais...

A conclusão de Aniceto é a de que o Dr. Fidélis é um dos doentes da alma enlaçados nos abusos das paixões e distantes do esforço em superar as atrações da matéria. Grande quantidade de pessoas jaz sob forte influência dos Espíritos provenientes das trevas, como lemos em diversas obras espíritas. Essas são criaturas que estão tendo suas últimas oportunidades de permanência na Terra, após todas as tempestades físicas e morais a que se submete nosso mundo desde a atualidade.

Quem faz das teorias materialistas estilo de vida ainda está no estágio evolutivo dos que ainda não conhecem as verdades eternas do Cristo, que o Espiritismo, Consolador prometido por Ele, veio confirmar.[2] Oremos por eles e pelos que os seguem. "São cegos conduzindo cegos", e quem os acompanha cairá com eles "num buraco", como nos disse Jesus.[3]

 



[1] LUIZ, André (Espírito). Os Mensageiros, psicografia de Chico Xavier. Brasília: FEB, cap. 45.

[2] João, 14:16, 15:26 e 16:7-13.

[3] Mateus, 15:14. 


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