Consciência e justiça divina
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
Bom dia, amigos!
N'O Livro dos Espíritos lemos que
a lei de Deus está escrita em nossa consciência. Questão nº 621. Antes disso,
na questão 466 dessa obra, somos informados sobre a influência de bons e maus
Espíritos em nossas vidas quando, ao final, Kardec diz que é desse modo que
Deus deixa à nossa consciência a decisão sobre qual escolha fazer.
Na questão 835, somos informados de que
a consciência é nosso "pensamento íntimo" que, de acordo com o que lemos na questão 875-a, rege
nossos atos da vida pessoal, haja vista que nem sempre o "direito instituído
pelos homens é conforme a justiça".
Essa ligeira pesquisa surgiu de nossa
reflexão sobre o conto intitulado O enfermeiro, escrito por Machado de
Assis. A história relata o caso de um velho coronel rabugento, muito doente,
que era assistido pacientemente por um dedicado enfermeiro, que é o seu
narrador.
No início, o enfermeiro informa que,
durante algum tempo, estudava teologia quando foi consultado, por carta de um
padre, se aquele estava disposto a prestar serviços de enfermagem a um coronel
chamado Felisberto em troca de um bom salário. Convite aceito, o enfermeiro
viajou para a vila de residência do coronel.
Chegando lá, ficou sabendo que o
"homem era insuportável". Ninguém gostava dele. Todos os enfermeiros
que cuidaram dele desistiram do emprego. Chegou mesmo a quebrar a cara de dois
deles. Por esse motivo, o padre lhe pedira que agisse com paciência e caridade...
O doente recebeu-o bem e disse-lhe que
os enfermeiros anteriores eram preguiçosos, dorminhocos e que dois deles eram
até "gatunetes", palavra que tomei emprestada de um amigo rico de
Floripa, que desconfia de que quase todos os seus amigos e alguns parentes
estão de olho no que ele tem...
Tendo simpatizado com Procópio, o
enfermeiro, o coronel disse ao vigário que, de todos os anteriores, esse era o
melhor enfermeiro. Na primeira semana, correu tudo bem entre os dois, mas a
partir do oitavo dia começou o "inferno" para Procópio: o doente não
o deixava dormir em paz e o estava sempre ofendendo. O enfermeiro percebeu que o melhor meio de haver boa
convivência entre ambos era obedecer em tudo ao coronel, homem mau e acostumado
a humilhar todo o mundo.
Após três meses de trabalho, o
enfermeiro estava resolvido a deixar a casa do velho. Aguardava apenas uma
ocasião favorável, que surgiu no dia em que o coronel lhe deu duas bengaladas.
Procópio preparava sua mala, quando o velho o procurou para lhe pedir desculpas
e implorar que ficasse, alegando
que não valia a pena ir embora por causa de duas bengaladas de um velho
rabugento. Falou-lhe, inclusive, que já estava para morrer e que não dispensava
os cuidados do enfermeiro por nada.
Nos dias seguintes, o coronel continuou
a maltratar o enfermeiro, só o poupando das bengaladas, mas chamando-o de
"burro, camelo, pedaço d'asno, idiota" etc. O paciente não tinha mais parentes, e os
amigos só o visitavam raramente e por poucos minutos.
Algumas vezes, Procópio desejou
novamente sair da casa, mas permaneceu, por insistência do vigário. Deu a este,
entretanto, um mês de prazo para ser substituído.
Certa noite, porém, o coronel
enfureceu-se e chegou a ameaçar dar um tiro no enfermeiro. Acabou atirando-lhe
o prato de mingau, que achou frio. O prato não atingiu o enfermeiro, mas
estraçalhou-se na parede. Em seguida, o doente disse ao enfermeiro que este
iria pagar pelo prato e acusou-o de roubo.
Às 23 horas, o coronel adormeceu e
Procópio passou a ler um livro, enquanto aguardava dar meia-noite para
ministrar-lhe remédio. Adormeceu, também, e acordou com os gritos do doente,
que lhe arremessou uma moringa ao rosto. A dor foi tanta que o enfermeiro
atirou-se ao pescoço do coronel e, após lutar com este, acabou esganando-o.
Procópio, aterrado, recuou e gritou sem
ser ouvido. Tentou reanimar o coronel, mas percebeu que este havia morrido. O
enfermeiro foi para a sala ao lado e só após duas horas teve coragem de
retornar ao local do crime. Antes, relata o terror sentido naquela noite em que
lhe repercutiam na mente vozes a bradar: "Assassino! Assassino!"
E relata seu estado íntimo assim:
"Tudo o mais estava calado. O mesmo som do relógio, lento, igual e seco
sublinhava o silêncio e a solidão. Colava a orelha à porta do quarto na
esperança de ouvir um gemido, uma palavra, uma injúria, qualquer coisa que
significasse a vida, e me restituísse a paz da consciência." Confirmada a
morte do doente, maldisse a hora em que aceitara aquele emprego.
Em síntese, no dia seguinte, Procópio
já desfizera a cena do crime, curara a pancada da moringa em seu rosto,
maquiara e amortalhara o cadáver, para que ninguém percebesse as marcas de
estrangulamento em seu pescoço. Então chamou o padre e o médico e permaneceu no
local o tempo todo, simulando estar consternado pela morte do coronel... Como
todos os que estavam presentes conheciam sua dedicação ao doente, ninguém
suspeitou de seu crime.
Mandou
dizer uma missa em benefício do coronel, a cuja celebração assistiu sozinho, por não ter convidado ninguém para o evento. Distribuiu esmolas na porta da igreja e, a todos que
encontrava, falava sempre bem do coronel, chegando a contar anedotas engraçadas
sobre o "velho". Depois, viajou para o Rio de Janeiro, com a intenção
de não voltar mais à vila onde trabalhara.
Sete dias após chegar ao Rio,
entretanto, recebeu carta do vigário dizendo-lhe que achara o testamento do
coronel e que ali o enfermeiro fora constituído seu único herdeiro. Procópio
desconfiou se isso não seria mentira, e a verdadeira intenção fosse a de o prenderem, quando retornasse à
vila. Ainda assim, resolveu conferir a informação e confirmou tudo o que lera
na carta ao retornar àquele local.
Durante anos, a todas as pessoas com
quem conversava sobre o coronel, dizia que este era boa pessoa, que alguma
coisa do temperamento deste era devido às rivalidades locais; e ao dizerem-lhe que
o falecido "era o diabo" respondia que ele era, sim, um pouco
violento. Com isso, ninguém concordava, pois todos sabiam da má-fama do
coronel.
Confessa ter feito algumas doações com
o dinheiro recebido da herança, em especial para a "matriz da vila" e
à Santa Casa de Misericórdia, além de
mandar erguer túmulo à memória do coronel. Passados os anos, sem que ninguém
desconfiasse dele, Procópio diz que não mais sentia os terrores de antes.
Termina com esta ironia: "Bem-aventurados os que possuem, porque eles
serão consolados".
Não restam dúvidas de que, pelos
relatos do personagem, ele passou longo tempo arrependido do seu ato, ainda
que, até certo ponto, mais desejasse defender-se do que cometer um crime.
Excedeu-se, entretanto, movido pela raiva, e isso depõe contra ele. Por outro
lado, como foi explicado na questão 992 d'O Livro dos Espíritos, sempre
se pode melhorar, quando se ouve a censura da consciência.
Não podemos esquecer, porém, de que,
conforme disse Jesus, não cai uma folha de uma árvore sem que Deus o perceba.
Por outro lado, quem não é punido pela justiça dos homens um dia prestará
contas à justiça divina.
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