A obra
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília-DF
João, dedicado operário, trabalhara por cerca de dois anos
na construção de um edifício. Enquanto contemplava a obra terminada e olhava
para sua marmita fria, preparada carinhosamente por sua esposa, ele refletia na
transitoriedade das coisas materiais neste mundo. O prédio continha vários andares,
o operário residia em humilde casa de dois cômodos com esposa e dois filhos.
Embora ainda bastante jovem, pois estava com pouco mais de 30
anos de idade, João matutava sobre o tempo de existência das obras como aquela
e a de sua modesta casa residencial. Esta, certamente, duraria algumas dezenas
de anos a mais do que ele ainda viveria. Mas ainda que duzentos anos se
passassem, chegaria o dia em que sua moradia voltaria ao pó de onde surgira.
Da mesma forma, ainda que mais de duas centenas de anos se
passassem, o lindo prédio que ele ajudara a construir precisaria ser demolido. Assim,
não ficaria pedra sobre pedra daquelas obras, como do templo que frequentava. E
refletiu que também seu corpo físico voltaria ao pó em muito menos tempo, ainda
que vivesse mais 60 anos.
Outros operários entrariam em ação. Novas casas e novos
prédios seriam construídos. Mas será que apenas para isso eles teriam nascido?
Aprendera que não, pois ainda lhes restariam suas almas, senhoras de seus
pensamentos, de sua vontade...
Lembrou-se, então, da fala do religioso que disse aos seus ouvintes
sobre a importância de um prédio construído, mas para não se esquecerem de
agradecer a Deus pelos andaimes que serviram
aos construtores da obra... E, enquanto comia o arroz com feijão preparados com
carinho por sua esposa, João pensava nela e em todos os operários esquecidos
pelo orador.
De repente, o vento soprou por uma janela do prédio um
pedaço de papel. Após pegá-lo, leu ali as seguintes estrofes do poema de
Vinícius de Moraes intitulado: O operário em construção
[...]
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
[...]
Uma
esperança sincera
Cresceu
no seu coração
E
dentro da tarde mansa
Agigantou-se
a razão
De
um homem pobre e esquecido
Razão
porém que fizera
Em
operário construído
O
operário em construção.
Sob a luz do seu atual entendimento, João não se revoltou. Sua fé inabalável dava-lhe a
certeza de que a vida no corpo físico é breve e de que é no céu que
devemos juntar os tesouros imperecíveis da alma. Em seguida, leu a mensagem que, entre outras, começou a melhorar sua
visão de mundo. Nela estava escrito o seguinte, sob o título: O ponto de vista
A ideia clara e precisa que se faça da
vida futura dá uma fé inabalável no porvir, e essa fé tem consequências enormes
sobre a moralização do homem, porque muda completamente o ponto de vista sob o qual ele encara a vida terrena.
[...]
Ele então percebe que grandes e
pequenos se confundem como as formigas num monte de terra; que proletários e
potentados são da mesma estatura; e lamenta que essas criaturas efêmeras tanto
se fatiguem para conquistar uma posição que as elevará tão pouco e por tão
pouco tempo. É assim que a importância atribuída aos bens terrenos está sempre
na razão inversa à fé na vida futura.
Se todos pensassem assim, dir-se-á,
ninguém mais se ocupando das coisas da Terra, tudo periclitará. Não, o homem,
instintivamente, procura o seu bem-estar, e mesmo tendo a certeza de que ficará
por pouco tempo em algum lugar, ainda quererá estar aí o melhor ou o menos mal
possível. Não há quem, sentindo um espinho sob a mão, não a retire para não se
picar. Ora, a procura do bem-estar força o homem a melhorar todas as coisas,
impelido que ele é pelo instinto do progresso e da conservação, que está nas
leis da natureza. Ele trabalha, portanto, por necessidade, por gosto e por
dever, e com isso cumpre os desígnios da Providência, que o colocou na Terra
para esse fim. [...] KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Trad. de Evandro Noleto Bezerra. Brasília: FEB, cap. 2.
Continuou a frequentar com a esposa o
centro espírita situado em São Sebastião, cidade do Distrito Federal;
engajou-se em trabalhos voluntários e de estudo das obras espíritas; inscreveu
suas crianças nas aulas de evangelização daquela instituição e acompanhou, com
a esposa, a formação escolar dos filhos. Pelo seu novo entendimento da lei
divina, João nunca mais duvidou da sabedoria de Deus, pois passou a compreender
o sentido desta frase de Jesus: "A cada um será dado segundo as suas
obras". Sua esposa, alma gêmea da sua, ainda teve tempo de se
formar em pedagogia e de se tornar excelente educadora.
Por sua humildade e dedicação amorosa
ao trabalho, nunca faltou ocupação remunerada a João. Atualmente aposentado,
tanto quanto a esposa, é o feliz avô de duas netas e dois netos lindos, frutos
do casamento dos seus filhos bem sucedidos, os arquitetos Marcos e Filipe,
dedicados profissionais e espíritas reconhecidos por suas famílias e por toda a
comunidade local.
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