CINCO-MARIAS
Situações de medo na infância
EUGÊNIA PICKINA
eugeniapickina@gmail.com
A educação desde o início da vida poderia realmente mudar o presente e o futuro
da sociedade. Maria Montessori
Na cidade onde eu cresci conheci a senhora Nicola. Uma moça ruiva e uma
criança de minha idade vinham visitá-la às vezes. Minha mãe se referia a eles
como a família da senhora Nicola.
A senhora Nicola não falava conosco normalmente. Mas quando a família dela
aparecia, da janela da cozinha, ela gritava logo cedo meu nome, me oferecia
café com leite e me chamava para brincar com o neto dela nos fundos da casa,
onde havia um balanço preso num cinamomo, que dava para a rua.
Na verdade, eu não me lembro da aparência desse menino, mas lembro do
medo que ele tinha de cachorro. Desde o começo, quando ele escutou meu
cachorro latindo ansioso na varanda da minha casa, comunicou-me a aversão que
sentia por esses animais. Disse que os odiava, e a senhora Nicola perguntou:
“Como assim? O que os cachorros fizeram a você?”
Lastimável.
As crianças usam a palavra “ódio” para se referir a temas variados. No
caso desse menino, na época pressenti que ele estava bastante apavorado. Em vez
de ser empática, a senhora Nicola ameaçou castigá-lo caso ele insistisse no
ódio.
Aquilo não fez sentido para mim. Se na época eu fosse habilidosa na arte
da persuasão, explicaria à senhora Nicola que não ajudamos uma criança com medo
fazendo-lhe ameaças… Porque isso só reforça o medo. Para mim não havia dúvida
que de certa forma o medo que o neto da senhora Nicola nutria por cachorro
naquela manhã de sol só se fizera mais invencível. E, muito aérea, eu o
imaginei velhinho sem ter passado pela feliz experiência de brincar com um cão,
amigo divertido e fiel. Coitadinho, pensei e suspirei.
No verão seguinte, a senhora Nicola se mudou para a capital e nunca mais
a vi e nem a família dela.
Notinha
Os medos são frequentes na infância e variam de acordo com a idade, o
temperamento e a história de cada criança. Nos primeiros anos, as crianças se
inquietam ao separar-se de seus pais ou ao ter contato com pessoas ou objetos
desconhecidos. Entre quatro e seis anos, as crianças geralmente podem se
impressionar frente a animais diversos, personagens fantásticos, escuridão. As
mudanças associadas aos medos se devem a aspectos cognitivos e psicológicos
relacionados a cada etapa de desenvolvimento.
Os pais podem/devem ajudar a criança que sente medo assumindo certas
atitudes criativas, como, por exemplo, atuar com empatia, explicando à criança
que às vezes todos nós sentimos medo, sem depreciar o que ela sente, pois isso
pouco a pouco lhe dará certeza de que essas situações são comuns e é possível
superá-las. Os pais não devem nunca ridicularizar a criança, nem a ameaçar, nem
forçar situações, isto é, não é decente obrigar uma criança se aproximar de
coisas/situações que a perturbem. Infelizmente, essa atitude só agravará o
temor e causará dano à sua autoestima. Dar tempo ao tempo;
afinal os pais, para educar a criança, precisam sempre demonstrar amor,
paciência e respeito.
*
Esta seção, cuja estreia neste blog ocorreu no dia 6 de janeiro deste
ano, traz sempre textos dedicados à infância, seus cuidados, sua educação. O
título – Cinco-marias – é uma alusão a um conhecido brinquedo
que integra um conjunto de brincadeiras e
atividades lúdicas conceituadas como Patrimônio Cultural da Humanidade.
Eugênia Pickina é educadora ambiental e terapeuta
floral e membro da Asociación Terapia Floral Integrativa (ATFI), situada em
Madri, Espanha. Escritora, tem livros infantis publicados pelo Instituto
Plantarum, colaborando com o despertar da consciência ambiental junto ao Jardim
Botânico Plantarum (Nova Odessa-SP).
Especialista em Filosofia (UEL-PR) e mestre em
Direito Político e Econômico (Mackenzie-SP), está concluindo em São Paulo a
formação em Psicanálise.
Ministra cursos e palestras sobre educação ambiental
em empresas e escolas no estado de São Paulo e no Paraná, onde vive.
Seu contato no Instagram é @eugeniapickina
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