JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
Meu amigo Agricultor,
citado na última crônica, compareceu com sua família a uma festa familiar, no
último fim de semana. Comemoravam-se os aniversários de alguns membros da
família, dentre os quais estava sua filha Cris.
Durante o evento, nosso personagem conheceu um senhor
septuagenário, como ele, muito simpático, chamado Elias, com quem conversou
sobre diversos assuntos. Em dado momento, enveredaram para o tema
cultura. Então, ambos concordaram que sabedoria, por vezes, nada tem a ver com
conhecimento escolar.
— Machado de Assis —
disse Agricultor — ao que se sabe, não concluiu o antigo primário, e é um
dos gênios da literatura brasileira.
— Jesus — respondeu
Elias, adepto da Igreja Batista — não frequentou escola, no entanto é o filho
unigênito de Deus e o ser mais sábio de todas as épocas da humanidade.
Embora Agricultor
discorde da ideia de “filho unigênito de Deus”, como creem os evangélicos ser o
Cristo filho único de quem ele nos ensinou ser nosso Pai, até aí a
conversa fluiu sem oposição. Em dado momento, porém, Elias saiu-se com esta:
— É preciso começar
cedo, no estudo, pois depois de velho não adianta mais...
Agricultor, modesto como sempre,
concordou em parte, mas adiantou a seu interlocutor que nunca é tarde para
aprender algo, ainda mesmo nos bancos escolares.
Não sei se Elias
ficou satisfeito com o que ouviu, mas, como é muito educado e respeitoso, mudou
de assuntos, tais como futebol e outras amenidades. Então, alma amiga, vou repetir-lhe
a história ouvida do Agricultor, parecida com a minha, neste breve
espaço.
Órfão de pai aos 11
anos de idade, tal como outros seis irmãos, desde então, ele percebeu quanto sua
família precisava unir-se em torno da sobrevivência. Desse modo, assim como
seus irmãos, começou a trabalhar aos 13 anos.
Chegado à idade do
serviço militar, imaginou fazer carreira e engajou-se no Exército, como soldado,
após sua aprovação em primeiro lugar no curso de cabo, sem que nunca o tenham
promovido nessa graduação. Ele que, sem conhecimento da carreira militar,
pensava alcançar ali altos postos, foi depois selecionado para o curso de
sargento. E só. Passados dois anos, como aluno do curso, mas recebendo o soldo
de soldado há três anos, ciente e desiludido com aquela realidade, foi promovido
a sargento na área de “auxiliar de saúde”. A partir disso, sabia que suas novas
promoções jamais dependeriam doutros cursos.
Transferido de
estado, morou na Bahia durante três anos. Então, como eu, mudou-se da Bahia
para Brasília, agora já casado, e replanejou seu futuro. Aqui, retomou seus
estudos escolares interrompidos no segundo ano do ensino médio, no Rio de
Janeiro, por força das atividades militares como soldado.
Estava com 32 anos de
idade, quando se formou em letras. Durante o dia, atuava em sua especialidade
militar. À noite, lecionava no centro de ensino, hoje extinto, chamado
Compacto. A diretora dessa instituição, admirada com a dedicação de nosso amigo,
admitiu sua inscrição em curso de especialização em língua portuguesa na mesma
instituição em que ele se formara. Então, alma boníssima, ela adaptou os dias
dele no magistério aos de aluno na especialização.
Concluído o curso do
meu amigo, um professor que lhe fora colega na instituição em que aquele
acabara de se especializar, optou por cursar mestrado noutro país. Então, Agricultor
ocupou sua vaga, cheio de emoção, ao lembrar-se, no primeiro dia de aula, de seu
falecido pai, semianalfabeto, que sonhara proporcionar boa educação, no lar e
na escola, para seus filhos...
Nosso amigo já estava
com 40 anos, quando foi aprovado na seleção para o cargo de professor de língua
portuguesa na Secretaria de Educação do Distrito Federal. Aos 42 anos de idade,
foi empossado no cargo efetivo de consultor da Câmara Distrital. Aos 52,
concluiu a especialização; aos 55, terminou o mestrado, aos 62, concluiu seu
doutorado, todos na Universidade de Brasília (UnB). Não satisfeito, cinco anos
depois, concluiu o estágio cultural pós-doutoral na Universidade Estadual da
Bahia (UNEB).
Por fim, lembra ao
novo amigo Elias que tudo isso começou quando Agricultor já estava com
30 anos de idade, continuou nas décadas seguintes e não quer parar nem mesmo
após a desencarnação, por sua certeza de que “a morte não existe”. Apenas
trocará temporariamente a roupa física pela espiritual.
Na próxima crônica,
relatarei um acontecimento extraordinário narrado pelo agricultor durante a
festa de aniversário de sua filha, citada no início desta narração. Apenas
concluo que nunca é tarde para aprender, pois o corpo envelhece, mas a alma
proativa e reativa está sempre em busca de novidades.
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