O caso
Jacques Latour e o que ele nos ensina
ASTOLFO O. DE OLIVEIRA FILHO
aoofilho@gmail.com
No dia 13 do mesmo mês, o Espírito de Latour comunicou-se em Bruxelas,
Bélgica. Por meio de um dos médiuns e possuído de enorme agitação, ele desabafou:
"Arrependo-me! arrependo-me!"
Em seguida, em resposta a uma pergunta feita pelo dirigente dos trabalhos, ele explicou por que comparecera ali:
"Vi que, almas compassivas, teríeis piedade de mim, ao passo que outros ou
me evocavam mais por curiosidade que por caridade, ou de mim se afastavam
horrorizados."
Ato seguinte, iniciou-se uma cena indescritível que não durou mais de
meia hora, na qual o médium, juntando os gestos e a expressão da fisionomia à
palavra, deixava patente a identificação do Espírito com a sua pessoa. Às
vezes, esses gestos de cruel desespero desenhavam vivamente seu sofrimento. O
tom da sua voz era tão compungido, as súplicas tão veementes, que todos os
presentes ficaram profundamente comovidos.
E Jacques Latour continuou, suplicando piedade: "Oh! sim, piedade...
muito necessito dela... Não sabeis o que sofro... Não o sabeis, e não podereis
compreendê-lo. É horrível! A guilhotina!... Que vale a guilhotina comparada a
este sofrimento de agora? Nada! – é um instante. Este fogo que me devora, sim,
é pior, porque é uma morte contínua, sem tréguas nem repouso... sem fim!... E
as minhas vítimas ali estão ao redor, a mostrar-me os ferimentos, a
perseguir-me com seus olhares... Aí estão, e vejo-as todas... todas... sem
poder fugir-lhes! E este mar de sangue?! E este ouro manchado de sangue?! Tudo
aí está... tudo... e sempre ante meus olhos! E o cheiro de sangue... Não o
sentis? Oh! Sangue e sempre sangue! Ei-las que imploram, as pobres vítimas, e
eu a feri-las sempre... sempre... impiedosamente!... O sangue inebria-me...
Acreditava que depois da morte tudo estaria terminado, e assim foi que afrontei
o suplício e afrontei o próprio Deus, renegando-O!... Entretanto, quando me
julgava aniquilado para sempre, que terrível despertar... oh! sim, terrível,
cercado de cadáveres, de espectros ameaçadores, os pés atolados em sangue!!...
Acreditava-me morto, e estou vivo! Horrendo! horrendo! mais horrendo que todos
os suplícios da Terra! Ah! se todos os homens pudessem saber o que há para além
da vida, saberiam também quanto custam as consequências do mal! Certo não
haveria mais assassínios, nem criminosos, nem malfeitores! Eu só quisera que
todos os assassinos pudessem ver o que eu vejo e sofro... Oh! então não mais o
seriam, porque é horrível este sofrimento! Bem sei que o mereci, oh! meu Deus,
porque também eu não tive compaixão das minhas vítimas; repelia as mãos
súplices quando imploravam que as poupasse... Sim, fui cruel, decerto,
matando-as covardemente para roubá-las! E fui ímpio, e fui blasfemo também,
renegando o vosso sacratíssimo Nome... Quis enganar-me, porque eu queria
persuadir-me de que Vós não existíeis... Meu Deus, eu sou grande criminoso!
Agora o compreendo. Mas... não tereis piedade de mim?... Vós sois Deus, isto é,
a bondade, a misericórdia! Sois onipotente! Piedade, Senhor! Piedade! Eu vo-lo
peço, não sejais inexorável; libertai-me destes olhares odiosos, destes
espectros horríveis... deste sangue... das minhas vítimas... olhares que, quais
punhaladas, me varam o coração.”
Depois desse comovente desabafo, os assistentes, sensibilizados,
dirigiram-lhe palavras de conforto e consolação. Disseram-lhe, então, que Deus
não é inflexível; apenas exige do culpado um arrependimento sincero, aliado à
vontade de reparar o mal praticado.
Após várias palavras de conforto e elucidação dirigidas ao sofrido
Espírito, fez-se uma prece e ouviu-se, então, mais uma manifestação de Jacques
Latour, que, mais calmo, assim falou: "Obrigado, meu Deus!... Oh!
obrigado! Tivestes piedade de mim... Eis que se afastam os espectros... Não me
abandoneis, enviai-me os vossos bons Espíritos para me sustentarem...
Obrigado.”
Os episódios ora reproduzidos podem ser vistos na obra de Allan Kardec
intitulada O Céu e o Inferno, 2ª parte, cap. VI, que nos apresenta
comunicações feitas por criminosos arrependidos e no mesmo capítulo outras manifestações
do mesmo Espírito, que com o passar dos dias foi-se equilibrando e
compreendendo perfeitamente, com os ensinamentos espíritas, como funciona a
Justiça Divina.
Numa delas, Jacques Latour diz que se os culpados da Terra pudessem
vê-lo ficariam apavorados com as consequências de seus crimes. E fez então uma
observação que seria bom que todos lêssemos e nela meditássemos. “Que
responsabilidade – disse Latour – assumem os que recusam a instrução às classes
pobres da sociedade! Julgam que com a polícia e os guardas podem prevenir os
crimes. Como estão errados!”
Arrependido sinceramente dos crimes cometidos, ele reconheceu e disse
ainda que, se tivesse sido bem guiado na vida, não teria feito todo o mal que
fizera. Como seus instintos não haviam sido reprimidos, a eles obedeceu, pois
não conhecia freios. “Se todos os homens – acrescentou Latour - pensassem
bastante em Deus, ou, pelo menos, se todos os homens nele acreditassem,
semelhantes coisas não mais seriam praticadas.”
Essas observações, vindas de alguém que muito errou e sofreu duramente as
consequências de seus atos, reforçam o entendimento espírita acerca da
importância que tem no mundo em que vivemos a educação de nossos filhos, tarefa
que deve iniciar-se o mais cedo possível e jamais postergada, com o falso argumento
de que quando adultos eles saberão como se conduzir na vida.
Aos que pensam assim é importante lembrar que a Terra ainda é um mundo de
provas de expiações e que nossas crianças já estiveram por aqui em outras oportunidades
e tomaram um novo corpo, passando pela fase da infância, justamente para serem orientadas
e, desse modo, não mais cometerem os erros e os equívocos do passado.
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