sexta-feira, 19 de junho de 2020



O Espiritismo perante a Ciência

Gabriel Delanne

Parte 14

Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do texto abaixo. 

Questões preliminares

A. Nos primórdios do Espiritismo, três vultos eminentes da América converteram-se às ideias espíritas. Quem são eles?
B. Como a Academia e os jornais franceses se referiram, naquela fase, à doutrina e às manifestações espíritas?
C. Os cientistas ingleses tiveram comportamento igual ao que se verificou na França?

Texto para leitura

354. As meninas Fox, que os autores das pancadas acompanhavam de casa em casa, acabaram estabelecendo-se em Rochester, cidade importante do Estado de Nova York, onde milhares de pessoas vieram visitá-las e procuraram, em vão, descobrir se havia alguma impostura no caso.
355. O fanatismo religioso irritou-se com essas manifestações de além-túmulo, e a família Fox foi atormentada. A Senhora Hardinge, que se fez defensora do Espiritismo na América, conta que nas sessões públicas dadas pelas filhas da Sra. Fox correram elas os maiores perigos.
356. Nomearam-se três comissões para examinar os fenômenos e essas comissões afirmaram que a causa do ruído lhes era desconhecida. A última sessão pública foi a mais tempestuosa e, se não fora a dedicação de um qualquer, as pobres meninas teriam perecido, linchadas por uma multidão em delírio.
357. A nova do descobrimento se espalhou rapidamente e houve em toda parte manifestações espirituais. Um cidadão, Isaac Post, teve a ideia de recitar o alfabeto em alta voz e convidar o Espírito a indicar, por meio de pancadas dadas no justo momento em que as pronunciasse, as letras que deviam compor as palavras que ele quisesse ditar. Nesse dia estava descoberta a telegrafia espiritual.
358. Pouco tempo depois, os próprios batedores indicaram novo modo de comunicação. Bastava, simplesmente, se reunirem as pessoas em torno de uma mesa, porem as mãos em cima, e a mesa, levantando-se, enquanto se soletrasse o alfabeto, daria uma pancada no justo momento que se pronunciasse cada uma das letras que o Espírito quisesse designar. Este processo, apesar de muito lento, produziu excelentes resultados, e foi assim que apareceram as mesas girantes e falantes.
359. É preciso dizer que a mesa não se limitava a levantar-se num pé, para responder às perguntas que lhe faziam: agitava-se em todos os sentidos, girava sob os dedos dos experimentadores, algumas vezes se elevava no ar, sem que se pudesse ver a força que a mantinha assim suspensa. Outras vezes, as respostas eram dadas por estalos, que se ouviam no interior da madeira.
360. A par dos levianos, que viviam a interrogar os Espíritos sobre a pessoa mais amorosa da sociedade ou sobre um objeto perdido, pessoas sérias, sábias, pensadores, em vista do ruído que se fazia em torno desses fenômenos, resolveram estudá-los cientificamente, a fim de premunirem seus concidadãos contra o que chamavam de loucura contagiosa.
361. Em 1856, o juiz Edmonds, jurisconsulto eminente, que gozava incontestável autoridade no Novo Mundo, publicou um livro em que afirmava a realidade dessas surpreendentes manifestações. Mapes, professor de química, na Academia Nacional dos Estados Unidos, entregou-se a rigorosa investigação e concluiu pela intervenção dos Espíritos. O que produziu, porém, o maior efeito foi a conversão às novas ideias de Robert Hare, célebre professor da Universidade de Pensilvânia, que estudou cientificamente o movimento das mesas e consignou suas experiências, em 1856, num volume intitulado – Experimental investigations of the spirit manifestation.
362. Empenhou-se, desde então, a batalha entre incrédulos e crentes. Escritores, sábios, oradores, eclesiásticos lançaram-se na peleja, e para dar uma ideia do desenvolvimento da polêmica, basta lembrar que, já em 1854, uma petição, assinada por 15.000 nomes, tinha sido apresentada ao Congresso, solicitando que se nomeasse uma comissão, a fim de estudar o neoespiritualismo (é este o nome que, na América, se dava ao Espiritismo). O pedido foi repelido pela Assembleia, mas estava dado o impulso; surgiram sociedades que fundaram periódicos e neles continuou a guerra contra os incrédulos.
363. Enquanto esses fatos se produziam no Novo Mundo, a velha Europa não ficava inativa. As mesas girantes tornaram-se uma interessante atualidade e nos anos de 1852 e 1853 muitos, em França, se ocuparam em fazê-las girar. Em todas as classes sociais só se falava dessa novidade; fazia-se a todos essa pergunta sacramental: já fez girarem as mesas? Depois, como tudo que é moda, após o momento de interesse, as mesas deixaram de ocupar a atenção e tratou-se de outros assuntos.
364. Aquela mania teve, entretanto, um resultado importante, o de fazer muitas pessoas refletirem sobre a possibilidade da relação entre mortos e vivos. Pela leitura se descobriu que aquilo que se chama a crença no sobrenatural era tão antiga como o Globo. A história de Urbano Grandier e das religiosas de Loudun, dos tremedores das Cevenas, dos convulsionários jansenistas provava que muitos fatos históricos mereciam ser esclarecidos, e, para citar apenas os mais célebres, o demônio de Sócrates e as vozes de Joana d'Arc, que a levaram a salvar a França, são ainda mistérios para os sábios.
365. A narrativa da possessão de Louviers, a história dos iluminados martinistas, dos swedenborguenses, das estigmatizadas do Tirol e, há apenas 50 anos, a do padre Gassner e da vidente de Prevorst conduziram os homens sérios a examinar os fenômenos novos. Comparou-se o Espírito de Hydesville ao que revolucionou o presbitério de Cydeville e uma teoria geral nasceu do exame de todos esses fatos. Ela está exposta nas obras de Allan Kardec.
366. As mesmas cóleras que acompanharam as manifestações espirituais na América renovaram-se em França. Os jornais, as revistas científicas e as Academias esgotaram os sarcasmos para com a nova doutrina. Chamavam, gratuitamente, os seus partidários de loucos, idiotas, impostores. Acusavam-nos de querer fazer voltar o mundo aos maus dias da superstição da Idade Média; pedia-se, mesmo, aos tribunais, que impedissem a exploração vergonhosa da credulidade pública. Os padres trovejavam do alto do púlpito contra os fenômenos espiritistas, que eles diziam ser obra do diabo. Enfim, como remate, um bispo em Barcelona mandou queimar em praça pública as obras de Allan Kardec, por contaminadas de feitiçaria!
367. É preciso uma doutrina como a nossa, que brilha por sua simplicidade e sua lógica, para conduzir os Espíritos às grandes verdades que se chamam Deus e a alma. Nossa filosofia, em sua forma primitiva, sintetiza as crenças mais elevadas dos pensadores, mas ela tem a mais por si o fato, que se impõe por si mesmo, como o Sol, o rei do dia. Mas é dever nosso afastar de nossas experiências qualquer suspeita. Indispensável é que procuremos destruir as prevenções e mostrar como são falsas, mesquinhas e incompletas, comparadas às nossas, as explicações aventadas para os fenômenos espíritas.
368. Na França a opinião pública habituou-se a confiar inteiramente em algumas sumidades literárias ou científicas, quanto aos seus julgamentos sobre os homens e as coisas, de sorte que, se essas notabilidades têm qualquer interesse em enterrar uma questão, a maior parte do público as acompanha e faz-se o silêncio, o vazio em torno das matérias em litígio. É para protestar contra esse ostracismo que reproduzimos as afirmativas de sábios da Grã-Bretanha; ver-se-á quanto esses homens íntegros pouco se inquietaram do que se diria e com que honestidade enérgica proclamaram sua opinião, solidamente baseada nos fatos.
369. Comecemos por citar as memoráveis palavras pronunciadas por William Thompson, no discurso inaugural, lido em 1871, na Associação Britânica de Edimburgo: “A Ciência é obrigada, pela eterna lei da honra, a encarar de face, e sem temor, qualquer problema que lhe seja francamente apresentado”.
370. Tal sentimento é partilhado por grande número de homens de ciência. À frente deles, William Crookes, químico eminente, a quem se deve o descobrimento do tálio e que, em Westminster, demonstrou a existência de um quarto estado da matéria, que chamou, segundo Faraday, de matéria radiante.
371. Esse químico ilustre, esse físico de gênio, Crookes, submeteu a estudo as manifestações espíritas, não com ideias preconcebidas, mas com o desejo firme de instruir-se e de só apoiar o seu julgamento na evidência.
372. Disse ele: “Em presença de semelhantes fenômenos, os passos do observador devem ser guiados por uma inteligência tão fria e pouco apaixonada, quanto os instrumentos de que faz uso. Tendo a satisfação de compreender que está na trilha de uma verdade nova, esse único objetivo deve animá-lo a prosseguir, sem considerar se os fatos que se lhe apresentam são naturalmente possíveis ou não”.
373. Com tais ideias, começou ele seus estudos sobre o Espiritismo; duraram perto de 10 anos e foram publicados com o título Recherches sur les phénomènes du Spiritualisme, traduzido do inglês por J. Alidel. Nesse livro, ele declara lealmente os resultados do seu inquérito, tal como se lhe apresentaram; não contente do testemunho dos sentidos, construiu instrumentos delicados, que medem matematicamente as ações espirituais.
374. Longe de temer o ridículo, Crookes assim responde aos que o induziam a dissimular a fé, para não se comprometer: “Tendo-me assegurado da realidade desses fatos, seria uma covardia moral recusar-lhes meu testemunho, só porque minhas precedentes publicações foram ridicularizadas por críticos e pessoas que nada conhecem do assunto, além de cheios de preconceitos para verem e julgarem por si próprios. Direi, simplesmente, o que vi e que me foi demonstrado por experiências repetidas e fiscalizadas, e preciso ainda que me provem não ser razoável o esforço por descobrir a causa dos fenômenos inexplicados”.
375. Poder-se-ia acreditar que Crookes foi uma brilhante exceção; seria erro grosseiro supô-lo, e se afirmação de tal homem é inestimável para a nossa causa, ainda é ela aumentada, consolidada pela de outros sábios que se deram ao trabalho de estudar o Espiritismo.
376. Citaremos, em primeiro lugar, Cromwell Varley, engenheiro chefe das companhias de telegrafia internacional e transatlântica, inventor do condensador elétrico. É ainda um físico, cuja assertiva não é menos nítida que a de Crookes. Ele fez experiências em sua casa, com as mais rigorosas condições de fiscalização, e sua convicção é absoluta. Numa de suas cartas, ele escreveu: “Não fazemos mais do que estudar o que foi objeto das pesquisas dos filósofos, há dois mil anos; se uma pessoa bem versada no conhecimento do grego e do latim, ao mesmo tempo a par dos fenômenos que, em tão grande escala, se produzem, desde 1848, quisesse traduzir cuidadosamente a escrita daqueles grandes homens, o Mundo logo saberia que tudo o que se passa agora é nova edição de velha face da história; estudada por espíritos ousados, chegou ela a um grau que diz bem alto do crédito desses velhos sábios clarividentes, porque se elevaram acima dos acanhados preconceitos do século e, ao que parece, estudaram o assunto em proporções, que, sob vários aspectos, ultrapassam, de muito, nossos conhecimentos atuais”.
377. Outro sábio, célebre naturalista, que descobriu, ao mesmo tempo em que Darwin, a lei de seleção, Alfred Russel Wallace, faz também profissão de fé espírita, em carta dirigida ao Times, que nós relataremos ao expor os fatos sobre os quais se baseia nossa convicção. Narremos somente em que condições ele foi levado a ocupar-se com as manifestações dos Espíritos.
378. Existe em Londres, independentemente da Sociedade Real, que é a Academia de Inglaterra, um grêmio de sábios – a Sociedade Dialética; conta ela homens notáveis como Thomas H. Huxley, Sir John Lubbock, Henry Lewes e outros.
379. Esta sociedade resolveu, em 1869, estudar os pretendidos fenômenos espíritas, a fim de esclarecer o público. Nomeou-se uma comissão de 30 membros e, 18 meses depois, apresentou ela o seu relatório, inteiramente favorável às manifestações espíritas. Segundo o hábito, a Sociedade, vendo suas ideias desmentidas pelos fatos, recusou imprimir as conclusões dos seus comissários. Assim, também a Academia de Medicina repeliu o trabalho de Husson sobre o magnetismo animal, o que prova que as corporações sábias são as mesmas em todos os países; elas se compõem de ilustres mediocridades, que empenam, aterrorizadas, diante de todas as novidades.
380. Quando uma novidade, como o Espiritismo, se manifesta de maneira anormal e força a atenção pública, pela singularidade dos seus processos, logo se eleva um clamor de reprovação e procura-se sufocar oficialmente as teorias que tiveram a irreverência de produzir-se fora dos laboratórios diplomados desses senhores.
381.  Felizmente, para honra do gênero humano, encontram-se ainda homens que não recuam diante da verdade e Wallace é desse número. Membro da junta de investigação, pôde observar uma série de fatos que o convenceram, e publicou um livro, Miracle and modern Spiritualism, onde suas experiências são relatadas por extenso.

Respostas às questões preliminares

A. Nos primórdios do Espiritismo, três vultos eminentes da América converteram-se às ideias espíritas. Quem são eles?
O juiz Edmonds, jurisconsulto eminente, que publicou um livro em que afirmava a realidade das manifestações espíritas; o professor de química Mapes, que na Academia Nacional dos Estados Unidos entregou-se a rigorosa investigação e concluiu pela intervenção dos Espíritos, e o professor Robert Hare, da Universidade de Pensilvânia, que estudou cientificamente o movimento das mesas e consignou suas experiências, em 1856, num volume intitulado – Experimental investigations of the spirit manifestation. (O Espiritismo perante a Ciência, Terceira Parte, Cap. I - Provas da imortalidade da alma pela experiência.)
B. Como a Academia e os jornais franceses se referiram, naquela fase, à doutrina e às manifestações espíritas?
Os jornais, as revistas científicas e a Academia esgotaram os sarcasmos para com a nova doutrina e chamavam, gratuitamente, seus partidários de loucos, idiotas, impostores, acusando-os de querer fazer voltar o mundo aos maus dias da superstição da Idade Média. (Obra citada, Terceira Parte, Cap. I - Provas da imortalidade da alma pela experiência.)
C. Os cientistas ingleses tiveram comportamento igual ao que se verificou na França?
Não. Eles debruçaram-se sobre os fenômenos e não tiveram receio de publicar o resultado de suas pesquisas. William Crookes, por exemplo, longe de temer o ridículo, assim respondeu aos que o induziam a dissimular a fé, para não se comprometer: “Tendo-me assegurado da realidade desses fatos, seria uma covardia moral recusar-lhes meu testemunho, só porque minhas precedentes publicações foram ridicularizadas por críticos e pessoas que nada conhecem do assunto, além de cheios de preconceitos para verem e julgarem por si próprios. Direi, simplesmente, o que vi e que me foi demonstrado por experiências repetidas e fiscalizadas, e preciso ainda que me provem não ser razoável o esforço por descobrir a causa dos fenômenos inexplicados”. (Obra citada, Terceira Parte, Cap. I - Provas da imortalidade da alma pela experiência.)

Observação:
Para acessar a parte 13 deste estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/06/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel_12.html




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