Augusto antes e depois da morte
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De Brasília, DF
Alma irmã, trago hoje à sua reflexão alguns extratos de
dois poemas de Augusto dos Anjos: o primeiro, de quando ele esteve encarnado,
publicado em sua obra intitulada Eu; e o segundo, publicado depois de sua
morte física, no livro Parnaso de Além-Túmulo,
psicografado por Chico Xavier, que contém 31 poemas de Anjos.
Em Palavras necessárias, que introduzem o livro Lindos
Casos de Chico Xavier, Ramiro Gama diz, eufórico, sobre a poesia mediúnica
de Anjos, que leu em Parnaso: “Nossos olhos caíram sobre o poema Vozes
de uma sombra e se maravilharam. Aquilo era mesmo, todo inteiro, de Augusto
dos Anjos, mas de um Augusto do Anjos melhorado, mais crente, menos pessimista.
Seu poema era bem um hino à verdade do homem eterno e redimido e, ao
mesmo tempo, uma resposta cabal ao materialismo doentio do seu Poema negro,
escrito quando encarnado.”
Deixo a você que me lê a curiosidade de ler ambos os
poemas completos, pois meu espaço aqui é curto. O que lhe quero mostrar, agora,
em pequenos recortes poéticos do que Anjos escreveu antes e depois da morte, é
que ele continua vivo e esdrúxulo, mas criativo como sempre.
Leiamos o que ele diz na primeira estrofe de Monólogo
de uma sombra, enquanto esteve na carne, e também a primeira estrofe do
poema Vozes de uma sombra, escrito post mortem.
Em Monólogo de uma sombra:
Sou uma Sombra! Venho de outras eras,
Do cosmopolitismo das moneras...
Pólipo de recônditas reentrâncias,
Larva de caos telúrico, procedo
Da escuridão do cósmico segredo,
Da substância de todas as substâncias!
Agora, em Vozes de uma sombra:
Donde venho? Das eras remotíssimas,
Das substâncias elementaríssimas,
Emergindo das cósmicas matérias.
Venho dos invisíveis protozoários,
Da confusão dos seres embrionários,
Das células primevas, das bactérias.
Parece-nos, pela comparação do que contêm ambas as
estrofes acima, que Augusto dos Anjos já possuía conhecimentos espíritas desde
seu poema escrito quando ainda estava no corpo físico. Em: Os Intelectuais e
o Espiritismo, obra de autoria do jornalista Ubiratan Machado (Niterói, RJ:
Publicações Lachâtre, 1996), ficamos certos de que, realmente, Anjos conhecera
o Espiritismo: “Um espírito nada débil que começaria o novo século fazendo
experiências espíritas era Augusto dos Anjos” (p. 214). E mais abaixo: “A sensibilidade
do poeta, porém, ficaria fundamente marcada por essas sessões, dando um toque
especial à filosofia desse pretenso materialista, que acreditava em Deus e nos
espíritos [...] psicografava Gonçalves Dias[...]” (id., p. 215).
Mas, se em Monólogo de uma sombra, o eu
poético demonstra ceticismo, em suas 31 estrofes, como lemos na última delas:
E o turbilhão de tais fonemas acres
Trovejando grandíloquos massacres,
Há de ferir-me as auditivas portas,
Até que minha efêmera cabeça
Reverta à quietação da treva espessa
E à palidez das fotosferas mortas!
Em Vozes de uma sombra, ante a realidade da vida
espiritual, desculpa-se Augusto dos Anjos em sua vigésima e última estrofe:
E apesar da teoria mais abstrusa
Dessa ciência inicial, confusa,
A que se acolhem míseros ateus,
Caminharás lutando além da cova,
Para a Vida que eterna se renova,
Buscando as perfeições do Amor em Deus.
Eu poderia, aqui, fazer uma análise de ambos os poemas.
Falaria da coincidência de existirem, nas estrofes, tais rimas, tais
classificações de versos em heroicos ou sáficos. Poderia esclarecer o leitor
sobre as figuras de linguagem presentes em ambos os poemas, a assonância, a
aliteração... Enfim, caberia fazer um estudo que comportasse um livro, só com a
comparação desses dois poemas, para demonstrar que, como já se disse, “o estilo
é o autor”. Paro, entretanto, por aqui e deixo ao leitor esse trabalho. Ora
pois...
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