Tropeços linguísticos para lamentar sem
juízo
JORGE LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
— Que Deus nos ajuda a
resolver os graves problemas morais desta nação! Assim começa o breve discurso
daquele parlamentar, o que é para
lamentar. Se ainda fosse “nos acuda”...
Mas Ele acudiu-o. Enviou-me a esclarecer-lhe que todos os
verbos terminados em “ar”, na terceira pessoa do singular do presente do
subjuntivo, devem ser flexionados com terminação em “-e”. Exemplos: ajudar, comprar e pensar: Que Deus
(ele) nos ajude; que ela compre; que ele pense...
Já os verbos com terminações –er, -ir: comer, fazer, sair, fugir, acudir, entre outros, da segunda e terceira conjugações, devem ser
flexionados, na terceira pessoa do singular do presente do subjuntivo, assim: Que ela coma... Que ele faça... Que ela saia... Que o D. não fuja e que o Senhor nos acuda...
— É nessas horas que
Deus nos ajuda... Muito bem, Jó, aqui você está usando o presente do
indicativo, e não o presente do subjuntivo citado acima.
Continuando sua peroração, o deputado diz: — Há vinte anos atrás, eu estive em Cuba... E eu monologo baixinho:
— Mas se foi “há” vinte anos, por que o “atrás”, se os
gramáticos nos ensinam que o verbo haver,
no sentido de tempo passado, dispensa o advérbio atrás? Bastar-lhe-ia dizer: — Há
vinte anos, estive em Cuba... Também
a própria flexão do verbo em primeira pessoa já indica quem esteve em Cuba: “eu
estive”... Nesse caso, o “eu” é opcional.
Mais adiante, o membro do legislativo sai-se com esta: — Neste país, houveram muitos avanços na área da medicina...
E eu digo para o meu umbigo:
— Coitado, não aprendeu na escola que o verbo “haver” com o
significado de “existir”, “ocorrer”, não se flexiona no plural; caso contrário,
ele diria que houve muitos avanços... Por outro lado, se ele não
está no país a que se refere, deve dizer “Naquele
país”, “Nesse país”, e não “Neste
país” (Cuba).
Corrigindo o congressista: Nesse país (Cuba, onde ele esteve vinte anos atrás), houve muitos
avanços na medicina... Percebeu, leitor, que, na frase entre parênteses,
dispensei o há e apenas mantive o atrás? Quando o há está presente na referência
a tempo passado, não precisa do atrás;
e o contrário também é certo: havendo atrás
não é necessário há na indicação de tempo passado. A objetividade é outra
qualidade importante da comunicação, por isso, cortei o “há” na frase corrigida
acima.
Outro problema de muita gente boa é com a pronúncia de
certas palavras. Um juiz disse à sua secretária num tribunal:
— Dona Tempesta, peça ao Dr. Epílogo para apor sua rúbrica na petição.
Como é que pode? O homem chegou a juiz, está sempre falando
uma palavra usual no fórum equivocadamente
e jamais o chamaram à parte para lhe dizer:
— Excelência, a pronúncia desta palavra não é “rúbrica” e, sim, “rubrica”.
Com economia de palavras, o juiz poderia dizer: “[...] peça
ao Dr. Epílogo para rubricar a petição”.
O promotor, para não ficar atrás do magistrado, acusou o réu
com a seguinte catilinária:
— Esse cabra é um delinguente que assassinou sua vítima
com “ineksorável” crueldade.
— Delinquente,
doutor, corrigiu-o o defensor público em particular. E outra coisa, a pronúncia
de “inexorável” não é com “ks”, mas sim com “z”. Escreve-se com “x”, mas pronuncia-se
com “z”. Assim, ó: “inezorável”. Volte lá e peça desculpas pelo “açaçinato” do
“indioma”.
Amigo leitor, na dúvida da pronúncia ou grafia dum vocábulo,
consulte o Vocabulário Ortográfico da Língua
Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, o quase desconhecido VOLP, ou um
bom dicionário atualizado do idioma pátrio. Eles trazem, entre barras, a letra
indicadora da pronúncia do x, que ora pode ser /ks/, como em anexo, ora /ch/, como em xícara, ou /z/
como é o caso de inexorável.
Até aqui, tudo bem, o problema foi quando o defensor pediu
ao juiz:
— Excelência, “desiguína” outra testemunha para depor...
E o promotor deu-lhe o troco:
— Também o nobre colega errou na pronúncia de “designa”;
então, estamos quites, pois esta palavra se pronuncia /dezígna/.
Ansioso pelo fim do caso, o juiz ordenou à secretária:
Hajam vistas os graves gravames
idiomáticos dessa seção, decido suspendê-la
para que, somente após esclarecidos
todas as dúvidas linguísticas, eu a possa concluir. Destarte, determino à dona Tempesta que faça a
revisão de nossos textos e nos encaminhe, tempestivamente, uma cópia da
sentença dessa audiência.
Antes de ser demitida, a secretária entregou ao seu chefe o
seguinte texto:
Haja vista a nossa ignorância, somente haverá o epílogo desta sessão
quando um bom professor de língua portuguesa nos facultar que sejam esclarecidas todas as dúvidas
linguísticas desta audiência.
Coitada, foi punida por ser a única que sabia escrever
corretamente e com estilo.
Agora, tenta inutilmente ser contratada como professora de
português naquele fórum. Porém, desde
então, quem, diariamente, passa por aquela vara lê o seguinte aviso: “Audiência
‘só mente’ amanhã”.
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