O passe magnético e
suas limitações
ASTOLFO O. DE OLIVEIRA
FILHO
aoofilho@gmail.com
Em 1866, ao tratar das curas realizadas pelo Sr. Henri Jacob,
Allan Kardec explicou que existe uma diferença radical entre os médiuns
curadores e os receitistas. Enquanto estes tão somente receitam remédios, os
primeiros curam os enfermos por meio da ação fluídica, em mais ou menos tempo,
sem o emprego de qualquer remédio. O poder curativo está todo no fluido
depurado a que servem de condutores. A aptidão para curar, diz Kardec, é
inerente ao médium, mas o exercício da faculdade só se dá com o concurso dos Espíritos,
de onde se segue que, se os Espíritos não querem, o médium é como um
instrumento sem músico e nada obtém. Ele pode, pois, perder instantaneamente a
sua faculdade, o que exclui a possibilidade de transformá-la em profissão. (Revista
Espírita de 1866, págs. 347 e 348.)
Kardec relaciona, na sequência do estudo, os casos em que a ação
fluídica é impotente para promover a cura.
A ação fluídica, diz ele, pode dar sensibilidade a um órgão, fazer
dissolver e desaparecer um obstáculo ao movimento e à percepção, cicatrizar uma
ferida, porque nesses casos o fluido torna-se um verdadeiro agente terapêutico,
mas é evidente que não pode remediar a ausência ou a destruição de um órgão, o
que seria um verdadeiro milagre. Assim, a vista poderá ser restaurada a um cego
por amaurose, oftalmia, belida ou catarata, mas não a quem tivesse os olhos
estalados. Há, portanto, doenças fundamentalmente incuráveis e seria ilusão
crer que a mediunidade curadora vá livrar a Humanidade de todas as suas
enfermidades. (Idem, págs. 348 e 349.)
De forma resumida, podemos dizer então, com base nos ensinamentos
espíritas, que quatro são as causas principais que limitam a ação fluídica
curadora:
1. Falta de fé ou de receptividade do paciente
2. Comportamento do enfermo
3. A natureza do problema ou da enfermidade
4. A lei de causa e efeito.
A falta de fé ou de receptividade do paciente
Diz Martins Peralva, em seu extraordinário Estudando a Mediunidade, cap. XXVII, que existem criaturas que oferecem extraordinária receptividade aos fluidos magnéticos. São aquelas que possuem “fé robusta e sincera, recolhimento e respeito ante o trabalho que, a seu e a favor de outrem, se realiza”.
Na pessoa de fé, no momento em que recebe o passe, sua mente e seu
coração funcionam à maneira de poderoso ímã, “atraindo e
aglutinando as forças curativas”. “Já com o descrente, o
irônico e o duro de coração – esclarece Peralva - o fenômeno é naturalmente
oposto.”
A explicação desse fato é dada pelo instrutor Aulus na seguinte
passagem constante do livro Nos Domínios da Mediunidade, cap. 17, de
autoria de André Luiz:
Registrando o fenômeno, a pergunta de Hilário não se fez esperar.
- Por quê?
- Falta-lhes o estado de confiança – esclareceu o orientador.
- Será, então, indispensável a fé para que registrem o socorro de
que necessitam?
- Ah! sim. Em fotografia precisamos da chapa impressionável para
deter a imagem, tanto quanto em eletricidade carecemos do fio sensível para a
transmissão da luz. No terreno das vantagens espirituais, é imprescindível que
o candidato apresente uma certa tensão favorável. Essa tensão decorre da fé.”
Eis aí o motivo pelo qual a falta de fé do paciente constitui um dos fatores limitativos da ação fluídica curadora, fato conhecido ao tempo de Jesus, como narra o Evangelho de Marcos (cap. 6:3-6), segundo o qual Jesus curou pouquíssimos enfermos em Nazaré por causa da incredulidade de seu povo. E foi o próprio Jesus quem, admirado com a descrença de sua gente, cunhou ali uma frase que se tornaria famosa e conhecida até em nossos dias: “Ninguém é profeta em sua terra”.
O comportamento do enfermo
Muitas vezes, quando não impede a eficácia da ação fluídica
curadora, o comportamento do paciente acaba concorrendo para a reincidência do
mal, como tem sido mostrado inúmeras vezes nas obras espíritas. Refere Allan
Kardec, na Revista Espírita de 1865, págs. 205 e 206, o caso de um jovem cego
que havia sido recolhido por um espírita dedicado que se propôs curá-lo por
meio do magnetismo, pois os Espíritos haviam dito que sua cura era possível. O
tratamento não surtiu, contudo, nenhum resultado, porque o jovem, em vez de se
mostrar reconhecido pela bondade do amigo, só manifestou ingratidão e mau
procedimento, dando provas do pior caráter.
São Luís, dirigente espiritual da Sociedade Espírita de Paris,
explicou que, de fato, a enfermidade do rapaz era curável. Uma magnetização
espiritual praticada com zelo, devotamento e perseverança certamente teria
êxito, e sua visão teria sensível melhora, se os maus fluidos de que estava
cercado não opusessem um obstáculo à penetração dos bons fluidos. “No estado em
que se encontra – acrescentou São Luís –, a ação magnética será impotente
enquanto, por sua vontade e sua melhora, não se desembaraçar desses fluidos
perniciosos.”
Um retorno sério daquele moço sobre si mesmo era a única coisa que
poderia tornar eficazes os cuidados de seu magnetizador; do contrário,
perder-se-ia o pouco de luz que lhe restava e novas provações o acometeriam.
Três exemplos de como o comportamento do enfermo pode ser causa de distúrbios orgânicos, e até mesmo inviabilizar a cura, podemos colher no livro Missionários da Luz, págs. 326 a 333, de André Luiz:
1) Uma mulher adentrou o Centro Espírita portando uma nuvem negra
na região do coração, mais especificamente na área da válvula mitral. A mente,
como sabemos, pode intoxicar-se com as emissões mentais daqueles com quem
convive. A mulher tivera naquele dia sérios atritos com o esposo. Com o passe,
a porção de matéria negra deslocou-se e veio aos tecidos da superfície,
espraiando-se sob a mão irradiante, ao longo da epiderme. Se os atritos
domésticos persistissem, o efeito mórbido poderia refletir-se sobre o corpo
somático, produzindo uma lesão de consequências imprevisíveis.
2) Na mesma Casa Espírita, o grupo de médiuns passistas assistiu
um certo homem tão irritadiço e invigilante que seus rins pareciam envolvidos
em crepe negro, tal a densidade de matéria mental fulminante que os cercava.
3) Um cavalheiro idoso, tratado em seguida, apresentava o fígado e
o baço em enorme desequilíbrio; contudo, apesar de seu estado, o passe só lhe
daria naquela noite alívio, não a cura. Eis a explicação do mentor espiritual:
"Após dez vezes de socorro completo, é preciso deixá-lo entregue a si mesmo,
até que adote nova resolução". Aquele homem era portador de um
temperamento menos simpático e extremamente caprichoso. Estimava as rixas
frequentes, as discussões apaixonadas, o império de seus pontos de vista.
Encolerizava-se com facilidade e despertava a cólera e a mágoa dos que lhe
desfrutavam a companhia. Deveria, pois, ficar por algum tempo entregue a si
mesmo. Quem sabe a dor e o sofrimento não lograriam o sucesso que as curas
anteriores não conseguiram?
A natureza do problema ou da enfermidade
Como vimos inicialmente, Kardec diz, na Revista Espírita de 1866,
pág. 349, que existem doenças fundamentalmente incuráveis e seria ilusão crer
que a mediunidade curadora vá livrar a Humanidade de todas as suas enfermidades.
Ter em conta a natureza do problema ou da enfermidade do paciente constitui,
portanto, medida necessária a quem se proponha tratar das pessoas por meio da
ação fluídica curadora.
Além do caso referido no preâmbulo – ausência ou a destruição de um
órgão – é preciso ter em mente que a ação fluídica é incapaz, por si só, de
resolver os distúrbios ocasionados pela consciência culpada e os processos
obsessivos mais graves, como a subjugação. O caso Mário Silva, relatado por
André Luiz em seu livro Entre a Terra e o Céu, cap. 34, págs. 224 a 226,
é bem ilustrativo disso.
Mário, impressionado com a morte do menino Júlio (que fora seu
companheiro de peripécias anteriores por ocasião da Guerra do Paraguai),
conservava aflitivo complexo de culpa e tinha seu pensamento ligado ao
falecido, à maneira de imagem fixada na chapa fotográfica. Tendo passado o dia
acamado, sob extrema perturbação, sentia-se vencido, envergonhado. André Luiz
perguntou a Clarêncio se não seria possível socorrê-lo com passes magnéticos,
ao que o Ministro respondeu, seguro de si: "O auxílio dessa natureza
ampara-lhe as forças, mas não resolve o problema. Silva deve ser atingido na
mente, a fim de melhorar-se. Requisita ideias renovadoras e, no momento,
Antonina é a única pessoa capaz de reerguê-lo com mais segurança". E
acrescentou: "Tudo na vida tem a sua razão de ser. Noutra época, Silva, na
personalidade de Esteves, aliou-se a Antonina, então na experiência de Lola
Ibarruri, para se afogarem no prazer pecaminoso, com esquecimento das melhores
obrigações da vida. Atualmente, estarão reunidos na recuperação justa. Os que
se associam na leviandade, à frente da Lei, acabam esposando enormes
compromissos para o reajustamento necessário. Ninguém confunde os princípios
que regem a existência".
A mesma limitação da ação fluídica, verificada em situações como a
de Mário Silva, registra-se nos casos de subjugação, como o relatado na Revista
Espírita de 1865, págs. 4 a 18, pelo Sr. Dombre, a respeito das crises
convulsivas experimentadas por Valentine Laurent, de 13 anos. As crises, além
de se repetirem várias vezes por dia, eram de tal violência que cinco homens
tinham dificuldade de manter a jovem na cama. Tratava-se de um caso obsessivo
dos mais graves, produzido pelo Espírito de Germaine. Valentine era sensível ao
tratamento recebido do Sr. Dombre por meio da imposição de mãos, mas, tão logo
ele se afastava, voltavam as crises. Depois do tratamento por meio de passes
magnéticos e de hábeis instruções transmitidas a Germaine – o Espírito que
perturbava Valentine –, o processo obsessivo chegou ao fim e tudo se explicou.
À margem do caso, Kardec indaga: “Para que teria servido o
magnetismo se a causa tivesse subsistido?” Era preciso primeiro destruir a
causa, antes de atacar os efeitos, ou, pelo menos, agir sobre ambos
simultaneamente, ensina o Codificador, mostrando que o magnetismo, por si só, é
incapaz de curar as obsessões graves, entendimento que ele reiteraria na edição
definitiva d’ O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. 28, item 81.
A lei de causa e efeito
A lei de causa e efeito não é, como muitos pensam, uma inovação,
uma invenção do Espiritismo. Jesus a ela se reportou em várias oportunidades.
Numa delas, ensinou o Mestre que a cada um será dado conforme as suas obras. Em
outra passagem, como registra o Evangelho de Mateus (cap. 26:52), o Senhor, ao
pedir que Pedro guardasse sua espada, afirmou que todos os que lançarem mão da
espada à espada morrerão.
Ensina Allan Kardec, na Revista Espírita de 1868, pág. 85, que a
maioria das moléstias, como todas as misérias humanas, são expiações do
presente ou do passado, ou provas para o futuro. No primeiro caso, decorrem de
dívidas contraídas, cujas consequências devem ser suportadas até que tenham
sido resgatadas. Não pode, obviamente, ser curado aquele que deve passar por
uma prova que não chegou ainda ao seu final.
A mesma tese, que por sinal não constitui nenhuma novidade para os
estudiosos do Espiritismo, havia sido defendida no ano anterior, na Revista Espírita
de 1867, págs. 190 a 193, pelo Espírito de Quinemant, que tece, numa importante
comunicação, considerações valiosas em torno do magnetismo e do Espiritismo. Depois
de lembrar que a doença material é um efeito e, enquanto persistir a causa,
produzirá esta novos efeitos mórbidos, o que inviabiliza a cura, o comunicante
descreve a íntima relação que existe entre o Espiritismo, a mediunidade e o
magnetismo, que, desenvolvido pelo Espiritismo, “é a chave da abóbada da saúde
moral e material da humanidade futura”.
Aí está, portanto, um dos motivos mais frequentes de limitação da ação
magnética curadora, que deve ser levado sempre em consideração pelas pessoas
que buscam ajuda nas Casas Espíritas. Em tudo é preciso paciência, e é esta que
faz com que a pessoa enferma prossiga até o fim, fazendo a parte que lhe toca,
sem desânimo, certa de que, quando soar o momento, seu objetivo será alcançado.
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