sábado, 9 de julho de 2022

 



O aborto perante as leis

 

JORGE LEITE DE OLIVEIRA

jojorgeleite@gmail.com

De Brasília, DF

 

Recentemente, menina de 11 anos, grávida, foi autorizada a ser submetida a aborto, por alegar a justiça ter sido a criança estuprada. Segundo foi apurado, isso ocorreu em sua relação sexual consensual com um menino de 13 anos, quando a garota estava com dez. Por sua gravidez já estar com 22 semanas, o hospital havia negado o aborto pois, com esse tempo de gestação, o feto já está completamente formado, segundo a medicina. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) justifica o aborto quando ocorrem relações sexuais com menores de 14 anos de idade. Nesse caso, não se leva em conta a relação consensual, que, legalmente, é considerada inexistente.

N’O Livro dos Espíritos, Allan Kardec é esclarecido, na questão 358, de que o aborto, em qualquer período da gestação é crime perante a lei divina. “Uma mãe ou quem quer que seja cometerá crime, sempre que tirar a vida a uma criança antes do seu nascimento, pois isso impede uma alma de passar pelas provas a que serviria de instrumento o corpo que se estava formando”. Na questão 359, entretanto, ele é esclarecido de que se o nascimento da criança causar risco de vida para a mãe, seu aborto não será criminoso.

O artigo 128 do Código Penal estipula que o aborto praticado por médico não será punido quando: a) não houver “outro meio de salvar a vida da gestante”; b) se o aborto resultar de gravidez causada por estupro e houver consentimento da gestante ou seu representante legal para a prática daquele, no caso de incapaz. No caso de anencéfalo, por jurisprudência decorrente de decisão do STF, a partir de 2012.

Segundo a Doutrina Espírita, a lei divina sobrepõe-se à humana. Uma daquelas leis é a de conservação, à qual não se sobrepõe à de liberdade, como lemos n’O livro dos espíritos (questões 703 e 704; 825, 838 e 872).[1] Desse modo, salvo salvaguarda da vida da gestante, qualquer outra situação de aborto provocado viola a lei do Eterno, que nos recomenda não matar.

A vida é o mais precioso bem, concedido a nós por Deus. Então, vejamos o que consta na Constituição Federal do Brasil, que resguarda esse bem:  o artigo 5º de nossa Carta Magna, promulgada “sob a proteção de Deus” prevê “[...] a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Em complemento ao primeiro de todos os direitos, que é o da vida, o inciso XLVII, a) de nossa Constituição proíbe a pena de morte, salvo em caso de guerra declarada [...] (grifos meus). Abortar um ser já formado no ventre materno, cuja alma já se encontra vinculada àquele corpo e, pelos relatos espirituais, interage mentalmente com a gestante, é um verdadeiro assassinato, perante a lei divina de “não matar”.

As religiões, de modo geral, consideram que o momento da fecundação é o do surgimento da vida, com o que o Espiritismo concorda. Para alguns cientistas, segundo artigo publicado por José Francisco Botelho[2], a partir da terceira semana de gestação, já se pode considerar o feto como ser vivo. Segundo esse articulista, diz o biólogo José Roberto Goldim, professor de bioética da UFRGS, que “O feto é obviamente humano”. E complementa: “A questão é decidir quando ele se torna uma pessoa com direitos, e isso não pode nem deve ser estabelecido pela ciência”, como também não deveria ser da alçada da lei humana.

O Brasil é um país de tradição cristã e, por isso mesmo, inseriu no preâmbulo de sua Constituição a “proteção de Deus”. Ora, como lemos na Bíblia e nos Evangelhos, Deus é Amor e, nessa condição, nos ordena não matar. Desse modo, o direito constitucional à liberdade, em nosso país, não está acima do direito à vida.

O Espiritismo é uma filosofia baseada nos ensinamentos de Jesus Cristo e, portanto, segue os preceitos cristãos de moral, sob sua inspiração, que também são manifestados por meio dos espíritos libertos do corpo físico. São eles que nos alertam sobre as consequências dolorosas para o espírito expulso do corpo, bem como para a gestante e terceiros que praticam o aborto, a não ser para se preservar a vida da gestante.

Para nossa reflexão, concluo com este poema do espírito Maria Dolores, psicografado por Chico Xavier:

 

Esperança dos Céus[3]

 

Há choro dentro da noite...

É o doloroso gemido

De pobre recém-nascido

Que não encontra lugar...

Mãos insensíveis sufocam

Pequenina flor humana...

É o aborto, em lide insana,

Ferindo a Lei sem pensar.

 

Ah! Quantas almas formosas,

Nos planos em que me movo,

Sonhando nascer de novo,

No entanto, rogam em vão...

Agasalham-se no amor,

Mas, em lágrimas convulsas,

Ei-las batidas e expulsas

A golpes de ingratidão.

 

Irmãos da Terra, escutai!...

Detende a marcha do aborto,

Estendei vosso conforto

Aos companheiros do Além!...

Cada criança que surge,

Mesmo entre rudes labéus,

É uma esperança dos Céus

Para a vitória do Bem.

 



[1] KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. 4. imp. Brasília: FEB, 2017.

[2] BOTELHO, José Francisco. Em que momento o feto vira ser humano? Disponível em https://super.abril.com.br>ciencia, 1 dez. 2016. Acesso em 27 jun. 2022.

[3] XAVIER, Francisco Cândido. Caridade. Espíritos Diversos. Araras, SP: IDE, 1978, cap. 13.

 

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