A morte e os
seus mistérios
Ernesto Bozzano
Parte 24 e final
Concluímos o estudo do clássico A morte e os seus mistérios, de Ernesto Bozzano,
conforme tradução de Francisco Klörs Werneck. O estudo foi aqui dividido em 24 partes. Nossa expectativa
é que ele tenha servido para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados
Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de: a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do
texto abaixo.
Questões preliminares
A. Nas manifestações dos chamados “calculadores prodígios”,
que particularidade foi assinalada por Bozzano?
B. Com que palavras Frederic Amiel definiu a consciência
humana?
C. Finalizando este livro, duas conclusões importantes são
destacadas por seu autor. Quais são elas?
Texto para
leitura
369. Uma outra categoria de manifestações é a dos
"calculadores prodígios", manifestação cuja particularidade consiste
em resolver, com uma rapidez prodigiosa, cálculos da maior dificuldade e de uma
extrema complicação, rapidez que contrasta com a lentidão da mente normal no
encaminhamento para a solução dos mesmos problemas.
370. No que diz respeito às sonoridades, recordemos o
curioso fenômeno habitual em Mozart, que percebia subjetivamente, e com
simultaneidade, a sucessão e a coordenação das notas compondo uma peça de
música inteira e tirando dessa aptidão um supremo deleite estético. Partindo
dessa preciosa anomalia verificada nesse músico, observa-se uma analogia com os
fenômenos que examinamos aqui: a abolição, ou pouco que falta dela, da
sucessão, no tempo, para a audição subjetiva de uma composição melódica e,
consequentemente, para toda a coordenação de sons em ordem sucessiva.
371. Consigno ainda que a mesma característica de
"instantaneidade" do desenrolar de uma ação qualquer se encontra
entre as manifestações da transmissão telepática do pensamento e da telestesia,
que se exteriorizam através do espaço, numa duração de tempo inapreciável.
Pode-se dizer outro tanto nos casos de clarividência do passado e do futuro,
que se traduz, no sensitivo, por uma visão panorâmica no presente; do mesmo
modo, na circunstância dos fenômenos, de "bilocação" tendo relação
com a translação instantânea, no espaço, do "fantasma desdobrado".
372. Salientamos ainda que se conhecem exemplos tendentes a
demonstrar como esse mesmo sentimento pode se transmutar em uma instituição
sintética da imanência em Deus, conservando, portanto, intacta a consciência do
ser, ainda que desmesuradamente enlanguescida.
373. Esta noção foi pressentida, por exemplo, nos momentos
de excepcional intuição transcendental, pelo ilustre poeta inglês Alfred
Tennyson. Respondendo a um amigo, que havia experimentado impressão similar em
seguida a uma inalação de "clorofórmio", assim se exprimiu nestes
termos: "Jamais tive revelações deste gênero por meio de anestésicos, mas
experimentei frequentemente uma espécie de ‘êxtase no estado de vigília’
(exprimo-me assim na falta de um termo apropriado), a começar pela minha
primeira adolescência e em momentos em que me achava sozinho. Algumas vezes eu
conseguia provocar este estado, repetindo, mentalmente, o meu próprio nome, até
o instante em que a intensidade, com a qual remontava em mim a concepção de
minha individualidade pessoal, atingia o seu limite supremo. Então, esta
individualidade mesma parecia se dissolver e se esvanecer numa sensação de
conhecimentos ilimitados. Este estado de consciência não era um estado confuso,
mas o mais límpido entre os mais límpidos, o mais certo entre os mais certos e,
literalmente, indescritível. Graças a ele, a morte me parecia uma
impossibilidade ridícula. Em suma, tal extinção da personalidade (se se pode
assim definir este estado) não me parecia uma extinção do ser, mas a verdadeira
e única existência real. Sinto-me humilhado pela maneira tão completamente
imperfeita com a qual vos descrevo este sentimento, porém já não vos disse que
um tal estado é verdadeiramente impossível de se descrever?"
374. Tennyson voltou a este assunto no seu poema The Ancient Sage e o desenvolve em
magníficos versos.
375. Outro sensitivo que experimentou este mesmo sentimento
de imanência em Deus foi Vincent Turvey, autor do livro The Beginnings of Seership, no qual, já enfermo e caminhando para a
tuberculose, quis reunir, para o serviço de futuros investigadores o fruto de
suas experiências pessoais, como sensitivos clarividentes. Em uma carta ao
Professor Hyslop, dizia ele: "Começo a me capacitar de que todos nós, mais
ou menos, participamos de um Oceano da Consciência Universal e que cada vórtice
nesse oceano, em que estamos todos mergulhados, pode, por vezes, ciente ou
inconscientemente, tomar contato ou mesmo misturar-se com outros vórtices
semelhantes a ele. Em apoio do que afirmo, declaro-vos que tive, efetivamente,
a prova da realidade de tal condição do ser humano. Eu havia, então, perdido
todo sentimento de individualidade e não somente tinha a sensação de ser um
vórtice no grande Oceano da Consciência Universal como ainda sentia que eu
estava em outros vórtices (ou individualidades humanas) passadas, presentes e
futuras, que tinham existido ou que existiram nesse Oceano."
376. Para quem que não tenha passado pela experiência acima
descrita, é bem difícil conceber no que consiste este sentido da imanência em
Deus, ou, de outra forma, da "Consciência Cósmica". A teologia mais
antiga na civilização dos povos - a do Budismo - o ensina sempre pela doutrina
do Nirvana, doutrina que, para muitos, significa, de uma forma errada, a
extinção da consciência individual, quando ela, na realidade, prescreve que a
meta final do ser é a assimilação em Deus, ainda que a consciência do ser aí
fique intangível, mas aí seja somente elevada a proporções incomensuráveis.
377. É bem o que haviam intuitivamente percebido Tennyson e
Turvey. Resulta daí que, pela lei da analogia, dever-se-ia concluir que o
Microcosmo Homem, reintegrando-se no Macrocosmo Deus, concorreria, por uma
medida infinitesimal, para constituir o Ser Infinito e participaria, de modo
não menos infinitesimal, de Sua natureza, ainda que seja conservada a
consciência do ser. Assim, e da mesma maneira, milhares de células compõem o
organismo humano e concorrem, a título infinitesimal, para constituir a
personalidade físico-psíquica, participando de sua natureza, pela mesma
infinitesimal proporção, permanecendo intacta a individualidade que lhe é
própria.
378. Ainda que possa ser assim, não insistiremos sobre
estas especulações filosóficas. Queremos, no entanto, observar como os exemplos
acima ratificam o que se disse a respeito do assunto: a saber, que a
característica da "simultaneidade", em oposição à da
"sucessão" - nas rememorações pictográficas da "visão
panorâmica" - é também a característica de todas as faculdades
supranormais existentes na subconsciência. Assim sendo, é lícito deduzir daí
que esta mesma característica - tanto para as funções da memória quanto para o
processo da ideação, a transmissão à distância do pensamento, a translação no
espaço, ou, ainda, para o sentimento da imanência em Deus - constitui a
modalidade pela qual se exercem as faculdades espirituais no ambiente
espiritual.
379. Essa maravilhosa perspectiva sobre a existência de
além-túmulo foi como que esclarecida no espírito profundamente filosófico de
Frederic Amiel por ocasião da revivescência de uma recordação de sua infância,
que ele esquecera havia mais de quarenta anos.
380. Disse Amiel: "Nossa consciência é, pois, como um
livro cujas folhas, viradas pela vida, se cobrem e se ocultam sucessivamente, a
despeito de sua semitransparência, mas, ainda que o livro esteja aberto na
página do presente, o vento pode voltar, durante alguns segundos, as primeiras
páginas para leitura. E, por ocasião da morte, essas folhas deixariam de
sobrepor e veríamos todo o nosso passado ao mesmo tempo? Seria a passagem do
sucessivo à simultaneidade, isto é, do tempo à eternidade? Compreenderemos,
então, em sua unidade, o poema ou o episódio misterioso de nossa existência,
soletrada, até então, frase por frase? Seria essa a causa de glória que envolve
tantas vezes a fronte e a face daqueles que acabam de morrer? Haveria, neste
caso, analogia com a chegada do viajante ao cimo de uma montanha, de onde se
desdobra, diante dele, a configuração de uma região percebida antes por
relances? Pairar sobre a própria história, adivinhar o sentido dela no concerto
universal e no plano divino seria o começo da felicidade. Até então se tinha
sacrificado à lei; agora se saboreava a beleza da lei. Tinha-se penado sob o
chefe da orquestra; torna-se agora ouvinte surpreso e encantado. Só havia
divisado o seu pequeno caminho na neblina; agora um panorama maravilhoso de
perspectivas imensas se desdobra de repente diante de sua visão extasiada. Por
quê?". (Henri-Frederic Amiel, Fragments
d'un journal intime, vol. II, pás. 172.)
381. Desejando resumir, em um parágrafo final, o que acabou
de ser exposto, diremos que, no tocante às manifestações da "visão
panorâmica", se os fisiólogos e psicólogos se tinham limitado a afirmar a
correlação incontestável, pelas leis da equivalência, entre as atividades
opostas, morfológica e psíquica (no significado de uma correspondência
paralela, e não de uma conversão absoluta), ninguém teria pensado em
contradizê-los. Eles, porém, pretenderam que as suas induções "sobre a
rapidez da circulação cerebral" ou "sobre a regressão da memória na
histeria" se mostravam suficientes para explicar, fisiológica e
psicologicamente, os fatos, sem que restassem, na expectativa de uma solução,
questões de outra natureza. Tem-se o dever de reconhecer que, assim apresentadas,
as suas presunções foram parcialmente justificáveis, porquanto eles não
conheciam ainda a existência da fenomenologia metapsíquica, única capaz de
esclarecer os enigmas da psicofisiologia.
382. Isto não impede que o seu ponto de vista, nos dias
presentes, pareça bastante acanhado e deficiente para que se espere
inverossimilmente que alguém se satisfaça com ele. Ainda que se pense nele, é
fato que, quando se estudam os fenômenos em questão em suas multiformes
modalidades de manifestação, quando se os considera em suas relações com o
grupo das faculdades supranormais existentes na subconsciência, e se verifica
que a característica essencial da "visão panorâmica", isto é, a
"simultaneidade", em oposição à "sucessão" na percepção dos
estados de consciência, é, também, sob formas diversas, a característica de
todas as modalidades de manifestação das faculdades supranormais
subconscientes, então, é-se levado, inevitavelmente, a concluir que a
"visão panorâmica", embora reveladora da existência subconsciente de
uma "memória sintética", pertence, por sua vez, ao grupo das
manifestações supranormais subconscientes.
383. Tais conclusões, combinadas com o fato de que a
"memória sintética" é de natureza permanente, indicam que a sua sede
não pode ser achada na substância, cambiante por excelência, dos centros
corticais, mas que se deve buscar os seus traços em "algo" que é
permanente e exterior a esses centros mesmos, ainda que intimamente ligados a
eles por natureza.
384. Ora, esta indução, logicamente necessária, leva a
admitir a existência de um "corpo etérico", sede natural das
faculdades supranormais subconscientes, cuja existência já fora demonstrada,
baseando-se nos fenômenos da "exteriorização da sensibilidade", da
"autoscopia interna", da "bilocação" e do "desdobramento
fluídico" no leito de morte. Já vimos como estas conclusões se tornaram
susceptíveis de se acharem validadas dedutivamente, assim como o demonstraram o
Professor Bergson e o Dr. Geley.
385. Resta, portanto, estabelecer que a "memória
sintética", donde derivam os fenômenos da "visão panorâmica",
pertence ao grupo das faculdades espirituais inerentes à subconsciência humana,
faculdades que existiriam lá pré-formadas, em estado latente, na expectativa do
momento em que surgirão e começarão a se exercer no meio espiritual, da mesma
maneira que no embrião existem, pré-formadas e em estado latente, as faculdades
de sentido terrestre, na expectativa do instante em que surgirão e começarão a
se exercer no meio terrestre.
Respostas às
questões preliminares
A. Nas manifestações
dos chamados “calculadores prodígios”, que particularidade foi assinalada por
Bozzano?
Essas manifestações têm como particularidade a rapidez
prodigiosa na resolução de cálculos da maior dificuldade e de extrema
complicação, rapidez essa que contrasta com a lentidão da mente normal no
encaminhamento para a solução dos mesmos problemas. O fato lembra a velocidade
com que Mozart compunha uma peça de música inteira. (A morte e os seus mistérios. Conclusões.)
B. Com que
palavras Frederic Amiel definiu a consciência humana?
Segundo Amiel, nossa consciência é como um livro cujas
folhas, viradas pela vida, se cobrem e se ocultam sucessivamente, a despeito de
sua semitransparência, mas, ainda que o livro esteja aberto na página do
presente, o vento pode voltar, durante alguns segundos, as primeiras páginas
para leitura. (Obra citada. Conclusões.)
C. Finalizando
este livro, duas conclusões importantes são destacadas por seu autor. Quais são
elas?
A primeira diz respeito à existência de um "corpo etérico",
sede natural das faculdades supranormais subconscientes, cuja existência já
fora anteriormente demonstrada. Os fatos observados levam a essa mesma
conclusão. A segunda refere-se à "memória sintética", donde derivam
os fenômenos da "visão panorâmica", a qual, segundo Bozzano, pertence
ao grupo das faculdades espirituais inerentes à subconsciência humana. (Obra citada. Conclusões.)
Observação:
Para acessar a Parte 23 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/03/a-morte-e-osseus-misterios-ernesto.html
Como consultar as matérias deste
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