O Espiritismo
perante a Ciência
Gabriel Delanne
2ª Parte
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de Gabriel Delanne, conforme
tradução da obra francesa Le Spiritisme
devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa servir para o leitor
como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do
texto abaixo.
Questões preliminares
A. As transformações da matéria obedecem a alguma lei?
B. Que dedução se pode tirar quando se examina o
desenvolvimento da vida ao longo dos períodos geológicos?
C. A força e a matéria são princípios independentes um do
outro?
Texto para
leitura
35. Existem terras como a nossa, que obedecem a regras
invariáveis, cuja harmonia é de tal forma grandiosa, que o espírito, espantado
e confuso diante de tantas maravilhas, não pode duvidar de que uma profunda
sabedoria tenha presidido ao seu planejamento. Não é preciso lembrar a um sábio
como Moleschott a extrema complicação da máquina celeste e a harmonia que a
caracteriza, a qual, obviamente, não pode ter nascido do caos nem ser fruto do
acaso.
36. As transformações da matéria se fazem em virtude de
leis imutáveis, guiadas pela mais inflexível lógica; eis por que acreditamos em
uma inteligência suprema, reguladora do Universo.
37. Sabemos, como Moleschott, que nada se cria, que nada se
perde em nosso pequeno mundo. A Astronomia nos ensina que a Terra rodopia em
torno do Sol através dos campos da extensão e sabemos que a gravidade retém em
sua superfície todos os corpos que a compõem. Podemos compreender
perfeitamente, portanto, que ela não adquire nem perde coisa alguma em sua
incessante carreira. Provam-nos as novas descobertas que todas as substâncias
se transformam umas nas outras, que os corpos, estudados à luz da química,
diferem pelo número e pela proporção dos elementos simples que entram em sua
composição. Nada é mais exato e ninguém pensa em contestar essas verdades
demonstradas.
38. Se encararmos a multiplicidade enorme das trocas que se
realizam entre todos os corpos, o que mais nos surpreende não são essas
combinações em si, mas o maravilhoso conhecimento das necessidades de cada ser
que elas atestam. Nada se perde no imenso laboratório da Natureza. Todos os
seres, por ínfimos que nos pareçam, têm sua utilidade para o bom funcionamento
do conjunto da criação; cada substância é utilizada de forma a produzir seu
máximo de efeito, e a “circulação da matéria” entretém a vida na superfície do
nosso Globo. Esse movimento perpétuo é a alma do mundo e, quanto mais
complicado ele é, quanto mais variado, tanto mais testemunha em favor de uma
ação diretriz.
39. A ciência contemporânea descobriu nossas origens;
sabemos que, desde quando a Terra não era mais que um amontoado de matéria
cósmica, produziram-se metamorfoses que a trouxeram lentamente, gradualmente, à
época atual. É em razão dessa progressão evolutiva que reconhecemos a
necessidade de uma influência que se exerce de maneira constante, para conduzir
os seres e as coisas da fase rudimentar a estados cada vez mais aperfeiçoados.
40. Não se pode negar, quando examinamos o desenvolvimento
da vida através dos períodos geológicos, que uma inteligência haja dirigido a
marcha ascendente de tudo o que existe, para um fim que ignoramos, mas cuja
existência é evidente. E é fácil verificar que os seres se têm modificado de
maneira contínua, em virtude de um plano grandioso, à medida que as condições
da vida se transformam na superfície do Globo.
41. A que agente atribuir essa marcha progressiva? É o
acaso que combina, com tanto cuidado, a ação de todos os elementos? Seria
absurdo supô-lo, pois o acaso é uma palavra que significa a ausência de todo o
cálculo, de toda a previsão. Afastada esta hipótese, restam-nos as leis
físico-químicas de que fala Moleschott.
42. Nunca se admitiu que o oxigênio se combinasse por
prazer com o hidrogênio; o azoto, o fósforo, o carbono etc. têm propriedades
que possuem de toda a eternidade, é evidente; mas não é menos verdade que se
trata de forças cegas, que não se dirigem em virtude de um impulso próprio, e
se estas energias passivas ao se aliarem produzem resultados harmônicos, bem
coordenados, é que elas são postas em ação por um poder que as domina. A
Química, a Física, a Astronomia, explicando os fatos que pertencem às suas respectivas
esferas, de forma alguma atingiram a causa primária. A Biologia moderna também
não toca nessa causa e não suprime Deus; ela o vê mais longe e, sobretudo, mais
alto.
43. Examinemos, agora, a segunda proposição de Moleschott,
que pretende seja a força um atributo da matéria, isto é, que impossível seja
conceber uma sem a outra. Em sua opinião, estudar separadamente a força e a
matéria é uma falta de senso, donde resulta que, estando a energia contida na
matéria, as forças como a alma, o pensamento, Deus, não são mais que
propriedades dessa matéria. Se demonstrarmos que tal asserção é falsa,
estabeleceremos, implicitamente, a realidade da alma.
44. Para responder a um sábio não há melhor método que o de
lhe opor outros sábios. Diz d'Alembert, secundando Newton, “que um corpo
abandonado a si próprio deve persistir eternamente em seu estado de movimento
ou de repouso uniforme”. Em outras palavras: estando um corpo em repouso, não
poderia por si mesmo deslocar-se. Laplace assim exprime o mesmo pensamento. Um
ponto em repouso não pode dar a si o movimento, pois que não dispõe de
raciocínio que o faça mover num sentido em vez de outro. Solicitado por uma
força qualquer e, em seguida, abandonado a si mesmo, move-se constantemente de
maneira uniforme, na direção dessa força; não experimenta nenhuma resistência;
em todo o tempo, sua força e sua direção de movimento são as mesmas. Essa
tendência da matéria para perseverar em seu estado de movimento e de repouso é
o que se chama inércia. É esta a primeira lei do movimento dos corpos.
45. Newton, d'Alembert e Laplace reconhecem, pois, que a
matéria é indiferente ao movimento e ao repouso, que só se move quando uma
força atua sobre ela, porque, naturalmente, é inerte. É, portanto, uma
afirmação gratuita e sem fundamento científico atribuir força à matéria. Cremos
que dificilmente podem recusar-se o testemunho e a competência dos três grandes
homens acima citados. Para dar mais peso, entretanto, à nossa asserção, diremos
que o Cardeal Gerdil e Euler estabeleceram, por cálculos matemáticos, a certeza
da inércia dos corpos.
46. Mas não só os matemáticos trataram dessa questão: M. H.
Martin, em seu livro As ciências e a
filosofia, demonstra, segundo o Sr. Dupré, que em virtude das leis da
termodinâmica é necessário admitir uma ação inicial exterior e independente da
matéria. Aliás, é fácil a convicção, raciocinando de acordo com o método
positivo, de que o testemunho dos sentidos não pode fazer-nos ver a força como
um atributo da matéria; ao contrário, verificamos pela experiência cotidiana
que um corpo fica inerte e permanecerá eternamente na mesma posição se nada lhe
vier dar o movimento. Uma pedra, que lançarmos, permanece, depois de sua queda,
no estado em que se achava quando a força que a animava cessou de atuar. Uma
bola não rolará sem o primeiro impulso que lhe determine o deslocamento. Sendo
o Universo o conjunto dos corpos pode-se dizer do conjunto da criação o que se
diz de cada corpo em particular, e se o Universo está em movimento, é
impossível achar que a causa desse movimento esteja nele próprio.
47. Vê-se, pois, que Moleschott não foi feliz na escolha de
suas afirmações. Erige como verdade os pontos mais contestáveis; não é, pois,
de surpreender que, partindo de dados tão falsos, chegue a conclusões absolutamente
errôneas. O estudo imparcial dos fatos nos leva, em verdade, a encarar o mundo
como formado de dois princípios independentes um do outro: a força e a matéria.
E é preciso, além disso, observar que a força é a causa efetiva a que obedecem
os seres, orgânicos ou não. Todas as forças, portanto, designadas sob os nomes
de Deus, alma, vontade, têm uma existência real fora da matéria e esta nada
mais é do que instrumento passivo, sobre o qual elas se exercem.
48. Continuando a análise do livro de Moleschott, ver-se-á
que em suas apreciações sobre o homem ele não mostra mais perspicácia do que em
seu estudo sobre a Natureza. O grande argumento que ele oferece como prova de
convicção é o mesmo que o dos materialistas em geral. Consiste em dizer que é o
cérebro que segrega o pensamento.
49. Os materialistas se encontram em face desse problema: o
homem pensa; o pensamento não tem nenhuma das qualidades da matéria; é
invisível, não tem forma, nem peso, nem cor; entretanto, existe. É preciso,
pois, por se mostrarem coerentes, que o façam provir da matéria. Mas é grande a
dificuldade para explicar como uma coisa material, o cérebro, pode engendrar
uma ação imaterial, o pensamento. Vemos, então, desfilarem os sofismas, com o
auxílio dos quais nossos adversários dão a aparência de um arrazoado.
50. Que o cérebro é necessário à manifestação do
pensamento, os filósofos gregos já o sabiam, mas não caíam, por isso, no erro
dos céticos de hoje, pois eles estabeleceram a distinção entre a causa e o
instrumento que serve para produzir o efeito.
51. Certos fisiologistas, como Cabanis, não encaram o
assunto dessa maneira. Diz ele: “Vemos as impressões chegarem ao cérebro por
intermédio dos nervos; elas se acham, então, isoladas e sem coerência. O órgão
entra em ação, age sobre as impressões e as reenvia metamorfoseadas em ideias,
que se manifestam, exteriormente, pela linguagem da fisionomia ou do gesto,
pelos sinais da palavra ou da escrita. Concluímos, com a mesma segurança, que o
cérebro digere, de alguma sorte, estas impressões; que ele faz, organicamente,
a secreção do pensamento”.
52. Tal doutrina tão bem se implantou no espírito dos
materialistas que, segundo Carl Vogt, os pensamentos têm com o cérebro quase “a
mesma relação que a bílis com o fígado ou a urina com os rins”.
53. Moleschott, seguindo nessa linha de pensamento, diz a
seu turno, variando um pouco a argumentação: “O pensamento não é mais que um
fluido, como o calor ou o som; é um movimento, uma transformação da matéria
cerebral; a atividade do cérebro é uma propriedade do cérebro, tão necessária
como a força, por toda parte inerente à matéria, de que é caráter essencial e
inalienável. É tão impossível que o cérebro intacto não pense, como é
impossível seja o pensamento ligado a outra matéria que não o cérebro”.
54. Segundo ele, qualquer alteração do pensamento modifica
o cérebro, e qualquer dano a esse órgão suprime o pensamento no todo ou em
parte. Afirma ele: “Sabemos, por experiência, que a abundância excessiva do
líquido cefalorraquidiano produz o estupor; a apoplexia é seguida do
aniquilamento da consciência; a inflamação do cérebro provoca o delírio; a
síncope, que diminui o movimento do sangue para o cérebro, provoca a perda do
conhecimento; a afluência do sangue venoso para o cérebro produz a alucinação e
a vertigem; uma completa idiotia é o efeito necessário, inevitável, da
degenerescência dos dois hemisférios cerebrais; enfim, toda excitação nervosa
na periferia do corpo só desperta uma sensação consciente no momento em que
repercute no cérebro”.
55. Toda a argumentação de Moleschott consiste em dizer
que, com órgãos sãos, os atos intelectuais se exercem facilmente; ao contrário,
se o cérebro adoece, a alma não pode mais se servir dele, e as faculdades reaparecem
quando as causas que o alteravam cessam de agir. É sempre a história do piano.
Se uma das cordas chega a quebrar-se, será impossível fazer vibrar a nota que
lhe corresponde; substitua-se a corda e imediatamente o som voltará a
produzir-se. Mas, quando fosse demonstrado que o pensamento é sempre a
resultante do estado do cérebro, não bastaria isso para afirmar-se que o
encéfalo produz o pensamento. Quando muito, daí se poderiam induzir as relações
íntimas existentes entre ambos, pois não está ainda provado que a integridade
do cérebro seja indispensável à produção dos fenômenos espirituais.
56. Afirma Longet, cuja competência em fisiologia é
unanimemente reconhecida: “Nunca se negou a solidariedade dos órgãos sãos com
uma inteligência sã – mens sana in
corpore sano; mas essa dependência tão natural não é de tal forma absoluta
que se não encontrem numerosos exemplos do contrário; veem-se débeis crianças
assombrar pela precocidade da inteligência e extensão do espírito; velhos
decrépitos, já vizinhos da tumba, conservar intactos os julgamentos, a memória,
o fogo do gênio, o ardor da coragem”.
57. Segundo Longet, a loucura é acompanhada, muitas vezes,
de uma lesão apreciável dos centros nervosos, mas há casos em que Esquirol e os
autores mais conscienciosos afirmaram não haver encontrado nenhum vestígio de
alteração no cérebro, o que mostra que suas conclusões não são inteiramente a
favor de Moleschott e que não é possível afirmar que o pensamento esteja sempre
em harmonia com a integridade do cérebro; logo, ele não é produzido pelo
cérebro.
58. Outra tese do sábio holandês atribui o pensamento a uma
vibração da matéria cerebral. Seria essa teoria mais justa que as precedentes?
Desde logo esbarramos numa dificuldade: é difícil compreender como uma sensação
gera uma ideia. A sensação é uma impressão produzida nos nervos sensitivos por
um abalo externo; este determina um movimento ondulatório que se propaga até o
cérebro pelas fibras nervosas. Lá chegado, esse movimento faz vibrar as
células. Mas como pode o movimento mecânico das células determinar uma ideia?
Como compreender que esse abalo seja percebido pelo ser pensante?
59. As células nervosas não são, por si mesmas,
inteligentes; o movimento vibratório é simples ação material. Como pode o
pensamento nascer desse abalo das células nervosas? Foi o que se esqueceram de
ensinar-nos.
60. Os espiritualistas, por sua vez, interpretam os fatos
dizendo que há em nós uma individualidade intelectual, que é advertida por essa
vibração de que uma ação foi exercida sobre o corpo, e é quando a alma tem
consciência desse movimento vibratório que nós experimentamos a percepção.
61. O fenômeno tão comum da distração mostra que tudo se
passa assim. Quando trabalhamos num aposento, não acontece frequentemente
ficarmos insensíveis ao tique-taque de um relógio? Não sucede, mesmo, ficarmos
insensíveis às horas que batem? Por que não as ouvimos? As vibrações,
produzidas pelo som impressionaram nosso ouvido, propagaram-se através do
organismo até o cérebro, mas, estando a alma preocupada por outros pensamentos,
não pôde transformar a sensação em percepção, de sorte que não tivemos
consciência dos ruídos produzidos pelo relógio. Esse simples fato demonstra, de
maneira concludente, a existência da alma.
Respostas às
questões preliminares
A. As
transformações da matéria obedecem a alguma lei?
Sim. Elas se fazem em virtude de leis imutáveis, guiadas
pela mais inflexível lógica. Prova disso é a harmonia grandiosa que caracteriza
a máquina celeste, fato que não pode ter nascido do caos nem ser fruto do
acaso. (O Espiritismo perante a Ciência,
Primeira Parte, Cap. I.)
B. Que dedução
se pode tirar quando se examina o desenvolvimento da vida ao longo dos períodos
geológicos?
A dedução que daí decorre é de que uma inteligência haja
dirigido a marcha ascendente de tudo o que existe, para um fim que ignoramos,
mas cuja existência é evidente. É fácil verificar que os seres se têm
modificado de maneira contínua, em virtude de um plano grandioso, à medida que
as condições da vida se transformam na superfície do Globo. A que agente
atribuir essa marcha progressiva? É o acaso que combina, com tanto cuidado, a
ação de todos os elementos? Seria absurdo supô-lo, pois o acaso é uma palavra
que significa a ausência de todo o cálculo, de toda a previsão. (Obra citada, Primeira
Parte, Cap. I.)
C. A força e a
matéria são princípios independentes um do outro?
Sim. A experiência e o raciocínio indicam que a força não é
simples atributo da matéria; ao contrário, o estudo dos fatos nos leva a
considerar a força e a matéria como princípios independentes. A força é a causa
efetiva a que obedecem os seres, orgânicos ou não. A matéria é instrumento
passivo, sobre o qual ela se exerce. (Obra citada, Primeira Parte, Cap. I.)
Observação:
Para acessar a 1ª Parte deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/03/o-espiritismoperante-ciencia-gabriel.html
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