O Espiritismo perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 30
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de
Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa
servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do
Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. Que fato é comum no fenômeno da
morte?
B. Os Espíritos têm ocupações como nós
temos na Terra?
C. Podemos dizer que a alma humana é eterna?
Texto para leitura
688. Os Espíritos não são seres vagos,
indefinidos, como aprouve afigurá-los até agora, mas individualidades reais,
determinadas, circunscritas, que gozam de nossas faculdades e de muitas outras
que nos são desconhecidas, porque inerentes à natureza deles.
689. Eles têm as qualidades da matéria
que lhes é própria e formam a população desse universo invisível que nos
comprime, nos rodeia, nos acotovela, sem cessar. Suponhamos, um instante, que o
véu material que os oculta à nossa vista se levanta; veríamos uma multidão de
seres a cercar-nos, a se agitarem em torno de nós, a contemplar-nos, como o
faríamos se, por acaso, nos achássemos em uma reunião de cegos. Para os
Espíritos, somos tomados de cegueira e eles são os videntes.
690. Dissemos que o Espírito, ao
entrar em sua nova vida, leva algum tempo para reconhecer-se, que tudo é
estranho e desconhecido para ele. Perguntar-se-á, sem dúvida, como pode ser
assim, se ele já teve outras existências corporais?
691. A morte, já o dissemos, é seguida
sempre de um instante de perturbação, mas que pode ser de duração curta.
Dissipada essa turvação, as ideias se elucidam pouco a pouco e com elas a
lembrança do passado, que só gradualmente volta à memória. Só quando o Espírito
está inteiramente desmaterializado é que se desenrolam diante de si as suas
vidas anteriores, como uma perspectiva, ao sair lentamente do nevoeiro que a
envolvia.
692. Somente, então, se lembra ele da
última existência; depois, o panorama de suas passagens sobre a Terra e as
voltas ao Espaço se lhes desvelam diante dos olhos. Ele vê os progressos que
fez e os que lhe faltam fazer, e assim nasce o desejo de reencarnar, a fim de
chegar mais depressa aos mundos felizes que entrevê.
693. Concebe-se, pois, segundo isso,
que o mundo dos Espíritos deve parecer-lhe novo, até o momento em que a memória
inteiramente lhe volta. Mas a esta causa é preciso outra, que não é menos
preponderante. O estado do Espírito, como Espírito, varia extraordinariamente,
em razão de sua elevação e de sua pureza. À medida que ele sobe
intelectualmente e progride moralmente, suas percepções e sensações se tornam
menos grosseiras, adquirem mais finura, mais delicadeza; ele vê, sente e
compreende as coisas que não podia ver nem sentir, nem compreender em uma
condição inferior.
694. Ora, sendo cada existência
corpórea para ele motivo de progresso, ela o traz sempre a um meio novo, onde
Espíritos de outra ordem têm pensamentos e hábitos diferentes. Ajuntemos a isso
que essa depuração permite-lhe penetrar em mundos inacessíveis aos Espíritos
inferiores, como, entre nós, os salões da aristocracia são interditos a pessoas
mal educadas. Quanto menos esclarecido é ele, mais limitado lhe é o horizonte;
à medida que ele se eleva e se depura, este horizonte aumenta e com ele o
círculo de suas ideias e de suas percepções.
695. À medida que progridem, as ideias
se desenvolvem, a memória se torna mais pronta, familiarizam-se prontamente com
a posição nova, e sua volta ao seio dos Espíritos nada mais tem que os admire;
encontram-se em seu meio normal e, passado o primeiro momento de perturbação,
reconhecem-se quase imediatamente. Tal é a situação geral dos Espíritos no
estado que se chama errante; mas nesta situação, que fazem eles? Em que passam
o tempo?
696. Esta questão é para nós de
interesse capital. Importa-nos, com efeito, fixar-nos sobre este ponto, porque
é do nosso futuro espiritual que se trata, não sendo descabidos os mais
circunstanciados detalhes. Aliás, são os próprios Espíritos que respondem a
estas interrogações, porque em tudo o que expusemos até então nenhuma coisa é
devida à imaginação. Extraímos do ensino de Allan Kardec todas as informações
necessárias e ele próprio baseou sua teoria nas comunicações recebidas de todas
as partes do globo; ela oferece, pois, todos os caracteres da verdade.
697. É grave erro acreditar que a vida
dos Espíritos é ociosa; pelo contrário, é essencialmente ativa e todos os
Espíritos nos falam de suas ocupações, que diferem, necessariamente, conforme o
ser é errante ou encarnado.
698. Entre os seres que atingiram
certo grau de elevação, uns velam pelo cumprimento dos desígnios de Deus, nos
grandes destinos do Universo; dirigem a marcha dos acontecimentos e concorrem
para o progresso dos mundos; outros tomam os indivíduos sob sua proteção e se
constituem seus gênios tutelares, guias espirituais, que os acompanham do
nascimento à morte, procurando dirigi-los na senda do bem.
699. Alguns se encarnam em mundos
inferiores, para aí exercerem missões de progresso; procuram, por seus
trabalhos, seus exemplos, seus conselhos, seus ensinos, fazê-los avançar nas
ciências, nas artes, ou na moral. Submetem-se, então, voluntariamente, às
vicissitudes de uma vida corporal, muitas vezes penosa, com o fim de praticar o
bem e isso lhes é contado.
700. Muitos, enfim, não têm
atribuições especiais; vão a toda parte onde sua presença pode ser útil, dar
conselhos, inspirar boas ideias, sustentar as coragens titubeantes, dar força
aos fracos e castigar os presunçosos.
701. Os diversos trabalhos nada têm de
penoso, eles o fazem voluntariamente e não por constrangimento, e a felicidade
consiste em conseguir o que empreendem. Ninguém pensa na ociosidade eterna, que
seria um suplício. Quando as circunstâncias o exigem, eles se reúnem em
conselho, deliberam sobre o que devem fazer, dão ordens aos Espíritos subordinados
e se dirigem em seguida para onde o dever os chama.
702. Essas assembleias são gerais ou
particulares, conforme a importância do assunto; nenhum lugar especial é
destinado a essas reuniões; o espaço é o domínio dos Espíritos; entretanto elas
se limitam em geral aos globos que constituem o seu objetivo.
703. Os Espíritos encarnados nesses
mundos e que têm uma missão a cumprir assistem muitas vezes a essas
assembleias. Enquanto seus corpos repousam, vão haurir conselhos entre os
outros Espíritos, muitas vezes receber ordens sobre a conduta que devem manter
como homens. Ao despertar não têm, é verdade, lembrança precisa do que se
passou, mas possuem a intuição que os faz agir, inconscientemente.
704. Descendo na hierarquia,
encontramos Espíritos menos elevados, menos esclarecidos, mas que não deixam de
ser bons, e que, numa esfera de atividade mais restrita, preenchem funções
análogas. A ação deles, em vez de estender-se aos diferentes mundos, exerce-se
especialmente sobre determinado globo, em relação com seu grau de adiantamento.
Sua influência é mais individual e tem por objeto ações menos importantes.
705. Vem em seguida a multidão dos
Espíritos vulgares, mais ou menos bons ou maus, que pululam em torno de nós.
Eles se elevam pouco acima da humanidade, da qual representam todos os matizes
e são como que o reflexo, porque dela têm todos os vícios e todas as virtudes;
em grande número deles, reencontram-se os gostos, as ideias, os pendores que
tinham em vida; as faculdades lhes são limitadas, o julgamento falível como o
dos homens, muitas vezes errôneo e imbuído de preconceitos.
706. Noutros, o senso moral é mais
desenvolvido; sem grande superioridade nem profundeza, julgam mais
judiciosamente e condenam o que fizeram, disseram ou pensaram durante a vida.
Aliás, há isto de notável, é que mesmo entre os Espíritos mais ordinários, há
na maior parte, sentimentos mais puros na erraticidade que na encarnação; a
vida espiritual lhes esclarece sobre seus defeitos e, com poucas exceções,
arrependem-se amargamente e lamentam o mal que fizeram, pelo qual sofrem mais
ou menos cruelmente. O endurecimento absoluto é muito raro e apenas temporário,
porque, cedo ou tarde, se lamentam do seu estado. Pode-se dizer que todos
aspiram à perfeição, porque percebem que é o único meio de saírem da posição
inferior que ocupam.
707. Em resumo, vimos que a alma se
desenvolve por meio de uma série de sucessivas existências; que tendo partido
do mais rudimentar estado, do qual encontramos o exemplo nos povos selvagens,
ela deve elevar-se de degrau em degrau até a soma de qualidades e perfeições
que se podem adquirir na Terra. Quando ela atingiu o fim que aqui lhe estava
assinalado, sobe para os mundos superiores, onde melhores destinos a esperam.
708. Como Deus cria sem cessar,
pode-se supor que há Espíritos que já percorreram todas as fases e que
chegaram, enfim, à perfeição absoluta. É, ainda, uma falsa interpretação,
porque a perfeição absoluta é Deus, isto é, o infinito e a eternidade. Ora,
tendo tido um começo, jamais a alma do homem será eterna, ela é simplesmente
imortal. Eterno somente Deus o é.
709. Pretendeu-se algumas vezes que a
alma fosse incriada. Segundo o que pensamos, esta maneira de ver é errônea,
porque, se nós admitirmos a existência de Deus, ele deve ser o autor de tudo o
que existe; sem isto ele não teria razão alguma de ser.
710. A imensidade e a eternidade são
os únicos limites que encontramos para o progresso, o que vale dizer: o
progresso não tem limites. Não nos devemos espantar com esta perspectiva,
porque sabemos, de experiência, que a cada descoberta nova, a cada aquisição
intelectual está ligada uma felicidade, que se acrescenta à que já gozávamos. À
medida que nossas faculdades se ampliam, elas se exercem num campo cada vez
mais vasto, abraçam horizontes mais extensos, e, como o Universo é ilimitado,
podemos imaginar que nos será necessária a eternidade para compreendê-lo e
aprofundar-lhe as leis.
711. Até aqui nos limitamos a estudar
o perispírito no homem e durante a desencarnação. Como os Espíritos nos
ensinassem que ele é formado do fluido universal, aceitamos essa asserção sem
indagar do processo pelo qual o perispírito poderia ter adquirido as qualidades
de que é dotado. Vamos procurar neste capítulo levantar uma ponta do véu que
nos encobre o passado.
712. Para explicar o funcionamento do
invólucro do Espírito, fazemos a seguinte hipótese: O perispírito fixa em si,
durante a evolução da alma, todas as qualidades que lhe permitem dirigir a vida
orgânica; de sorte que o homem possuirá: 1 – a vida vegetativa, devida ao
princípio vital; 2 – a vida orgânica, devida ao perispírito; 3 – a vida
intelectual, que é a da alma.
713. Tentaremos, portanto, demonstrar
que o duplo fluídico do homem é o princípio diretor de sua vida orgânica; para
chegar a esta conclusão, admitiremos como absolutamente demonstradas as leis do
transformismo, que se adaptam maravilhosamente ao nosso assunto.
714. O Espiritismo científico
franqueou os primeiros passos da experiência, guiado por sábios ilustres, mas a
explicação de todos os seus fenômenos não pode ainda ser utilmente tentada,
porque poucos documentos, atualmente, existem que permitam a boa execução desse
trabalho. Apresentamos, portanto, um ensaio, sem a pretensão de verdade
absoluta.
Respostas às questões preliminares
A. Que fato é comum no fenômeno da morte?
A morte é seguida sempre de um
instante de perturbação, que pode ser de duração curta ou longa. O Espírito, ao
entrar em sua nova vida, leva, pois, algum tempo para reconhecer-se e tudo é
estranho e desconhecido para ele. Dissipada essa turvação, as ideias se
elucidam pouco a pouco e com elas vem a lembrança do passado, que gradualmente
lhe volta à memória. (O Espiritismo
perante a Ciência, Quarta Parte, Cap. III – O perispírito durante a
desencarnação – Sua composição.)
B. Os Espíritos têm ocupações como nós temos na Terra?
Sim. É grave erro acreditar que a vida
dos Espíritos é ociosa; pelo contrário, é essencialmente ativa e todos os
Espíritos nos falam de suas ocupações, que diferem, necessariamente, conforme o
ser é errante ou encarnado. (Obra citada, Quarta Parte, Cap. III – O
perispírito durante a desencarnação – Sua composição.)
C. Podemos dizer que a alma humana é eterna?
Não. Tendo tido um começo, jamais a
alma do homem será eterna. Ela é simplesmente imortal. Eterno somente Deus o é.
(Obra citada, Quarta Parte, Cap. III – O perispírito durante a desencarnação –
Sua composição.)
Observação:
Para acessar a parte 29 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/10/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel.html
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