Exercitando
a indulgência
JORGE
LEITE DE OLIVEIRA
jojorgeleite@gmail.com
De
Brasília, DF
Bom
dia, amigo leitor.
Hoje
falarei sobre a indulgência que, segundo os dicionários, é sinônimo de
clemência, misericórdia, bem como tolerância, benevolência. Aliás, o
“verdadeiro sentido da palavra caridade”, como lemos na questão 886 d’O
Livro dos Espíritos, é o de “Benevolência para com todos, indulgência para
as imperfeições dos outros, perdão das ofensas”.
Um
amigo meu, setentão, como eu, por vezes fala um pouco alto, em virtude de estar
deficiente da audição. Hoje, ele lembrou-se duma história ocorrida com Sócrates
que, provavelmente, já citei antes, mas nunca é demais recordar. Aliás, há um
provérbio que diz: “Recordar é viver”. Nem sempre. Por vezes, o que lembramos é
acre e a vida precisa ser doce.
—
E que seu amigo lembrou ocorrido com Sócrates? Você me perguntará.
É
o seguinte, o filósofo ateniense caminhava distraído por uma rua, quando
esbarrou num cidadão e desculpou-se, mas este não quis saber de desculpas e xingou
Sócrates em altos brados.
Um
amigo do filósofo, vendo a cena, esperou que o agressor se afastasse e disse
àquele: — Como é que você é agredido com tantos coices verbais e não
responde nada, Sócrates?
Em
resposta, o sábio disse-lhe: — Não se discute com os brutos, frase que ficou
famosa em latim: Cum brutis non est luctandum. E continuou: — Não se
deve disputar (ou discutir) com os ignorantes. Se revidasse os coices dessa
pessoa, eu estaria no mesmo nível de estupidez dela.
Tudo
isso foi dito por meu amigo, que gosta de subir as escadas, a pé, até o sexto
andar do bloco residencial em que mora. Hoje, ao alcançar o quarto andar, ouviu
vozes de criança com uma mulher e pensou ser sua esposa falando com seus netos,
que toda semana vão visitá-los. Então falou bem alto: — Estou chegando!
Ao
alcançar o quinto andar, percebeu ter-se enganado. As vozes eram de netos, mas
de idosa moradora do quinto
andar, afrodescendente, como atualmente alguns dizem.
Ela
havia parado na porta, antes de entrar e, em alta voz e olhar furioso, disse a
meu amigo mais ou menos isto:
—
Que susto! Sobe logo e some de minha frente!
Meu
amigo nada respondeu-lhe e subiu para o 6.º andar. Logo, foi tomado de profunda
indulgência para com a vizinha. Imaginou quanto ela
pode ter sido discriminada em sua vida e prometeu a si mesmo orar por ela.
Então,
lembrei-me de uma frase atribuída ao Dalai Lama e a disse ao meu amigo: “Viva o
hoje! Só existem dois dias no ano que nada pode ser feito. Um chama-se ontem, e
o outro chama-se amanhã. Portanto, hoje é o dia certo para amar, acreditar,
fazer e principalmente viver”.
Vivamos,
pois, exercitando o respeito, “a indulgência para as imperfeições alheias”; e
perdoemos suas ofensas, pois nunca podemos avaliar o estrago que o ontem terá
feito nas suas vidas, em especial nas vidas dos idosos.
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