O Espiritismo perante a Ciência
Gabriel Delanne
Parte 39
Continuamos o estudo do clássico O Espiritismo perante a Ciência, de
Gabriel Delanne, conforme tradução da obra francesa Le Spiritisme devant la Science.
Nosso objetivo é que este estudo possa
servir para o leitor como uma forma de iniciação aos chamados Clássicos do
Espiritismo.
Cada parte do estudo compõe-se de:
a) questões preliminares;
b) texto para leitura.
As respostas às questões propostas
encontram-se no final do texto abaixo.
Questões preliminares
A. Qual é a melhor garantia contra o
charlatanismo?
B. Pode ser fotografado um Espírito
que ninguém esteja vendo no recinto?
C. Em que consiste a mediunidade
auditiva?
Texto para leitura
877. Falando a respeito da mediunidade
de efeitos físicos, Allan Kardec diz que o médium de efeitos físicos, do mesmo
modo que o de comunicações inteligentes, não recebeu para seu gozo a faculdade
que possui. Teve-a sob a condição de fazer dela bom uso; se, portanto, abusa,
pode dar-se que lhe seja retirada, ou que redunde em detrimento seu, porque,
afinal, os Espíritos inferiores estão subordinados aos Espíritos superiores.
878. Segundo o Codificador do
Espiritismo, o mais absoluto desinteresse é a melhor garantia contra o
charlatanismo. Se ele nem sempre assegura a excelência das comunicações
inteligentes, priva, contudo, os maus Espíritos de um poderoso meio de ação e
fecha a boca a certos detratores.
879. Fechando suas observações sobre o
tema, Kardec aduziu: “Somos, antes de tudo, pessoas honestas e declaramos
formalmente que nada temos em comum com as pessoas, quaisquer que elas sejam,
que fazem profissão de sua faculdade e assim desonram por sua conduta a
doutrina que pretendem sustentar. Nada conhecemos que seja tão repugnante
quanto as fraudes que teriam por fim profanar o que de mais sagrado há no
mundo: o túmulo dos mortos. É por isso que desacreditamos o senhor Buguet como
ele merece e exortamos todos os espíritas a não se deixarem atrair por belas
promessas, sempre que estiver em jogo um interesse puramente material”.
880. Retornando ao tema fotografia dos
Espíritos, afirmamos que isso é possível, uma vez que Crookes a obteve, mas as
condições ordinárias em que nos colocamos não são as mesmas do ilustre químico.
881. Nas experiências com Miss Cook, o
Espírito fica completamente materializado, adquire a mesma tangibilidade de uma
pessoa viva e não há então admirar que se lhe possa tirar o retrato. Na
fotografia de que tratamos não se vê o Espírito e, no entanto, sua imagem é
reproduzida. Isso se pode explicar do seguinte modo: Sabemos que o médium
vidente possui um aparelho visual, tornado mais sensível por meio da ação
fluídica exercida pelo Espírito que se quer manifestar. O olho do médium é uma
câmara escura que adquire, nesse momento, um poder considerável, registra
vibrações que não podem ser percebidas por nós, no estado habitual, daí sua
propriedade de ver Espíritos. Pois bem, a placa de colódio representa, no caso,
o mesmo papel, não que seja, então, mais sensível, mas o Espírito toma fluidos
ao médium e se materializa suficientemente para que seu invólucro reflita os
raios ultravioleta que não vemos, e é graças a essa irradiação que se pode
obter a imagem não percebida pelos nossos olhos.
882. Não temos consciência das
vibrações luminosas que vão além do violeta e do vermelho; elas, porém,
existem, impressionam os sais de prata e são refletidas pelo perispírito da
entidade que se quer manifestar. Podemos supor que o fluido nervoso tomado ao
médium substitui o vidro de urânio para os raios ultravioleta do espectro,
diminui o movimento perispiritual, condensa, de alguma sorte, os fluidos de
modo a torná-los capazes de refletir as radiações ectênicas.
883. Essa maneira de ver é tanto mais
justa quanto as experiências tentadas por Thomas Slater, ótico, em Londres,
demonstram que a luz ordinária não intervém nesse fenômeno. Disse este
pesquisador: “Eu mesmo obtive fotografias espíritas por meio de um instrumento
feito com vidros de um azul muito escuro, de modo que seria impossível
impressionar a chapa, a menos que uma luz forte fosse projetada sobre a pessoa
retratada; provava-se destarte que a luz lançada pelos Espíritos está
completamente fora dos raios luminosos de nosso espectro, que são muito fortes,
posto que os Espíritos nos sejam invisíveis”.
884. Em Bruxelas, um engenheiro
químico, Bayard, obteve em seu laboratório fotografias de Espíritos. Apresenta
ele minucioso relatório no livro Procès
des Spirites, páginas 122 a 124. Finalmente, na América se conseguiram
fotografias espíritas e o fenômeno não é mais contestado.
885. A despeito dos tribunais, é
preciso reconhecer que o fato se pode produzir e, por estranhável que seja,
nada tem de sobrenatural. Desde que se demonstra que os Espíritos existem, que
têm um corpo fluídico que se pode condensar, em certas condições, é fácil
compreender que possa ser fotografado, pois que se materializa até à
tangibilidade, como o provaram as experiências de Crookes.
886. Tomamos o seguinte exemplo na Revue Spirite, de Allan Kardec, de 1864.
É um dos seus amigos quem fala: “Habitava – diz ele – uma casa em Montrouge;
estávamos no verão; o Sol dardejante entrava pela janela; achava-se na mesa uma
garrafa cheia d'água e sob a garrafa uma pequena esteira; de repente, a esteira
pegou fogo. Se ninguém estivesse ali, podia haver um incêndio, sem que se lhe
soubesse a causa. Procurei centenas de vezes produzir o mesmo resultado e nunca
o consegui”.
887. A causa física da inflamação é
bem conhecida; a garrafa representou o papel de lente; mas por que não se pôde
reiterar a experiência? É que, independente da garrafa e da água, havia um
concurso de circunstâncias que, de maneira excepcional, fizeram a concentração
dos raios solares. Talvez o estado da atmosfera, dos vapores, as qualidades da
água, a eletricidade, e tudo isso, provavelmente, em certas proporções. Daí a
dificuldade de encontrar as condições precisas, e a inutilidade das tentativas
para produzir um efeito semelhante.
888. Eis, pois, um fenômeno
inteiramente do domínio da física, cujo princípio se conhece e que, entretanto,
não pode ser repetido à vontade. Poderá o mais endurecido cético negar o fato?
Por certo que não. Mas por que os mesmos céticos negam a realidade dos
fenômenos espíritas, em virtude de os não poder manipular a seu bel-prazer? Não
admitir, fora do conhecido, agentes novos, regidos por leis especiais, negar
esses agentes, porque não obedecem às leis que conhecemos, é, em verdade, dar demonstração
de pouca lógica e mostrar um espírito bem estreito.
889. Por mais assombrosa que seja a
fotografia dos Espíritos, eis uma amostra de fotografia natural mais
extraordinária ainda, atestada, em 1858, pelo conhecido sábio Jobard:
“O Sr. Badet, morto a 12 de novembro
último, depois de uma doença de três meses, tinha o hábito – diz a Union Bourguignonne de Dijon – de
colocar-se a uma janela do primeiro andar, sempre que suas forças o permitiam,
e aí ficava, com a cabeça voltada para a rua, a fim de distrair-se com a vista
dos transeuntes. Há alguns dias, a Sra. Peltret, cuja casa fica em frente à da
viúva Badet, notou, na vidraça da janela dessa casa, o próprio Badet, com seu
boné de algodão, sua figura emagrecida, tal como o tinha visto durante a doença.
Grande foi a sua emoção. Ela chamou, não só os vizinhos, cujo testemunho podia
ser suspeito, mas ainda os homens graves, que perceberam, distintamente, a
imagem de Badet no vidro da janela, onde costumava colocar-se. Mostraram essas
imagens à família do defunto, que fez, imediatamente, desaparecer a vidraça.
Ficou, entretanto, confirmado, que a vidraça se havia impregnado com a figura
do doente, que aí ficou daguerreotipada (1), fenômeno que se poderia explicar
se, do lado oposto à janela, houvesse uma outra por onde os raios solares
pudessem chegar ao Sr. Badet. Mas o quarto só tinha uma janela. Tal é a verdade
inteira sobre o extraordinário fato, cuja explicação convém deixar aos sábios.”
890. Não é inútil dizer que não houve
explicação nenhuma, o que nada tem de surpreendente, visto que o vidro foi
destruído e não pôde ser analisado. O que queremos mostrar, nessa história, é a
possibilidade da fotografia espontânea, e que, longe de ser ridículo, os
espiritistas são pesquisadores conscienciosos, que caminham a par da Ciência, e
que, quanto mais se estenderem os conhecimentos, tanto mais facilmente
explicarão os fatos, que, a princípio, parecem sobrenaturais.
891. Falemos agora sobre a mediunidade
auditiva, que consiste na faculdade de ouvir certos ruídos, certas palavras
pronunciadas pelos Espíritos e que não impressionam o ouvido nas condições
ordinárias da vida.
892. É preciso distinguir, para essa
faculdade, dois casos: 1º. a intuição; 2º. a audição real. A intuição se dá de
alma para alma; é uma transmissão de pensamentos que se opera sem o socorro dos
sentidos, uma voz íntima que ressoa no foro íntimo; embora os pensamentos
recebidos sejam claros, não são eles articulados por meio de palavras e nada
têm de material. Na audição, pelo contrário, as palavras são pronunciadas de
maneira a serem ouvidas pelo médium, como se uma pessoa lhe falasse ao lado.
893. Allan Kardec, o grande iniciador,
que quiseram fazer passar por impostor, protesta energicamente contra os
espiritistas crédulos que pretendem atribuir os fenômenos mais comuns da vida à
ação dos Espíritos. Ele recomenda a maior circunspeção na análise dos fatos e
não cessa de dar conselhos, a fim de premunir seus adeptos contra os erros, as
alucinações, as falsas interpretações.
894. Eis o que ele escreveu a
propósito da mediunidade auditiva:
“É bem preciso abster-se de tomar por
vozes ocultas todos os sons que não tenham causa conhecida, ou simples tinidos
de ouvidos, e sobretudo de acreditar que haja qualquer parcela de verdade na
crença vulgar de que o ouvido que tine está nos advertindo que em alguma parte
se fala de nós. Estes tinidos, cuja causa é puramente fisiológica, não têm,
aliás, qualquer sentido, enquanto os sons pneumatofônicos exprimem pensamentos
e é somente por esse caráter que se pode reconhecer que são devidos a um causa
inteligente e não acidental. Pode-se estabelecer, em princípio, que os efeitos
notoriamente inteligentes são os únicos que podem atestar a intervenção dos
Espíritos; quanto aos outros, há pelo menos cem probabilidades contra uma de
que sejam devidos a causas fortuitas.
Acontece com bastante frequência que
no estado de modorra ouvem-se distintamente pronunciar palavras, nomes, algumas
vezes até frases inteiras, e isto com bastante força para nos despertar em
sobressalto. Embora possa acontecer que em certos casos se trate realmente de
uma manifestação, esse fenômeno nada tem de bastante positivo que impeça de se
lhe atribuir uma causa qualquer, tal como a alucinação. O que se ouve por esse
modo não tem, de resto, sequência alguma; não acontece o mesmo quando se está
completamente acordado, porque então, se é um Espírito que se faz ouvir,
pode-se quase sempre trocar pensamentos com ele e travar uma conversação
regular.”
895. Procuremos, agora, compreender
como podem proceder os Espíritos para nos fazerem ouvir palavras e por que
meios produzem sons. Para este estudo é preciso ter um conhecimento da natureza
do som. Sir William Thomson fez ultimamente notável conferência sobre o
assunto.
896. Mostremos suas principais
observações. Quais são as nossas percepções no sentido do ouvido? E em primeiro
lugar, que é ouvir? Ouvir é perceber pelo ouvido; mas perceber o quê? Há coisas
que nós podemos ouvir sem o ouvido. Beethoven, atacado de surdez, durante
grande parte da vida, não percebia nada pelo ouvido. Compunha as mais notáveis
obras sem poder percebê-las pela audição. Ele se conservava, diz-se, perto de
um piano, com um bastão, o qual tinha uma extremidade no instrumento e a outra
em seus dentes, e era dessa forma que ouvia os sons emitidos.
897. A percepção dos sons não tem,
pois, o ouvido como único órgão, e daí já se pode compreender que um médium
escute sons sem se servir do ouvido. Mas queremos determinar a natureza da
percepção habitual num homem em posse de todos os órgãos dos sentidos. É uma
sensação de variação de pressão.
(1) Daguerreotipada significa retratada ou
fotografada. Essa palavra tem sua origem no nome de Daguerre, que em 1839
inventou um aparelho que permitia obter, de forma rudimentar, o que hoje
chamamos fotografia.
Respostas às questões preliminares
A. Qual é a melhor garantia contra o charlatanismo?
Segundo o Codificador do Espiritismo,
o mais absoluto desinteresse é a melhor garantia contra o charlatanismo. Se ele
nem sempre assegura a excelência das comunicações inteligentes, priva, contudo,
os maus Espíritos de um poderoso meio de ação e fecha a boca a certos
detratores. (O Espiritismo perante a
ciência, Quinta Parte, Cap. III – Médiuns videntes e médiuns auditivos.)
B. Pode ser fotografado um Espírito que ninguém esteja
vendo no recinto?
Sim. A fotografia é possível estando o
Espírito tangível, como nas experiências de William Crookes com a médium
Florence Cook, bem como nos casos em que o Espírito se encontra invisível para
as pessoas presentes. (Obra citada, Quinta Parte, Cap. III – Médiuns videntes e
médiuns auditivos.)
C. Em que consiste a mediunidade auditiva?
A mediunidade auditiva consiste na
faculdade de ouvir certos ruídos, certas palavras pronunciadas pelos Espíritos
e que não impressionam o ouvido nas condições ordinárias da vida. É preciso
distinguir, para essa faculdade, dois casos: 1º. a intuição; 2º. a audição
real. A intuição se dá de alma para alma; é uma transmissão de pensamentos que
se opera sem o socorro dos sentidos, uma voz íntima que ressoa no foro íntimo;
embora os pensamentos recebidos sejam claros, não são eles articulados por meio
de palavras e nada têm de material. Na audição, pelo contrário, as palavras são
pronunciadas de maneira a serem ouvidas pelo médium, como se uma pessoa lhe
falasse ao lado. (Obra citada, Quinta Parte, Cap. III – Médiuns videntes e
médiuns auditivos.)
Observação:
Para acessar a parte 38 deste
estudo, publicada na semana passada, clique aqui: https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2020/12/o-espiritismo-perante-ciencia-gabriel.html
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