CINCO-MARIAS
Infância e experiências afetivas
EUGÊNIA PICKINA
eugeniapickina@gmail.com
Deus dá a todos uma estrela. Uns fazem da estrela um sol. Outros nem conseguem
vê-la. Helena Kolody
Considerei, faz muitos anos, que, no lugar da escola, alunos deveriam
passar primeiro por uma cozinha e uma horta ou um pomar. Os cozinheiros e suas
hortas e seus pomares podem dar lições importantes às crianças.
Na minha infância, vez por outra, minha família e eu visitávamos uma
parente distante do meu pai. Embora de poucas palavras, vestidos discretos, voz
das velhas damas, suas atitudes eram divertidas e criativas (e seu cachorro
marrom, adorável).
Não admitia, por exemplo, que uma criança comesse uma comida que não
fosse feita na hora. Mas antes de mexer com as panelas, pegava na mão da
criança mais nova e nos conduzia em fila para a horta, aquele mundo vivo de
agrião, rúcula, azedinha, cenoura, tomate, alface, abóbora, tomilho,
capim-limão…, convidando-nos, com atenção, a colher apenas as hortaliças que
seriam consumidas no instante da refeição. Eu e meus irmãos, movidos pelo
desejo e o entusiasmo, corríamos em direção aos canteiros e o momento da
colheita era uma experiência muito feliz. E eu me lembro que, voltando para
casa, essa parente ia nos explicando com paciência o nome e as propriedades de
cada coisa, provocando informação e fome em nossos corpos infantis.
Eu era menina. Na fazenda do meu avô havia um pomar enorme. Pois
acontecia uma árvore cobrir-se de amoras brilhantes. A simples visão daquelas
frutinhas incitava minha fome e, de um jeito ou de outro, eu convencia meus
irmãos a passarmos um longo pedaço da tarde pertinho daquela árvore, brincando
e comendo. Suspeito, hoje, que meu amor pela botânica foi despertado por essas
primeiras amoras. Da vivência lúdica na horta e no pomar incorporei meu
respeito pela natureza, meu conhecimento sobre estações e consciência
ecológica, sem esquecer as lições importantes sobre cooperação e desapego…
De todos os modos, na infância, toda experiência de aprendizagem se
inicia com uma experiência afetiva. Porque aprender está implicado com afeto,
que motiva o desejo, a atenção, e permite cada ser humano aflorar qualidades e
talentos. Por isso afeto, do latim affetare, significa ir atrás,
pondo corpo e mente guiados pela atenção curiosa e, com isso, a criança
desenvolver-se com (mais) plenitude para, no tempo devido, saber fazer
alegremente e servir bem à sociedade.
*
Eugênia Pickina é educadora ambiental e terapeuta
floral e membro da Asociación Terapia Floral Integrativa (ATFI), situada em
Madri, Espanha. Escritora, tem livros infantis publicados pelo Instituto
Plantarum, colaborando com o despertar da consciência ambiental junto ao Jardim
Botânico Plantarum (Nova Odessa-SP).
Especialista em Filosofia (UEL-PR) e mestre em
Direito Político e Econômico (Mackenzie-SP), está concluindo em São Paulo a
formação em Psicanálise. Ministra cursos e palestras sobre educação ambiental
em empresas e escolas no estado de São Paulo e no Paraná, onde vive.
Seu contato no Instagram é @eugeniapickina
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